Renato poderia solicitar uma pessoa da Igreja de Curitiba e até mesmo Silvia para ajudá-lo, mas, isso não era típico de um seguidor da Igreja, seria como andar para trás.
Renato teria de lutar e vencer com as armas que tinha, e apenas comunicou a pastora o que havia acontecido. Se fosse da vontade dela enviar alguém, teria de partir dela (o que não aconteceu).
Abandonando a fé
O Natal se aproximava e Renato resolveu ir a Guarapuava para junto com Júlio fazer uma condição de RM e resolveu ficar aquela semana por lá mesmo.
No dia 26 voltava para Ponta Grossa passando pelo Correio.
Na sua caixa postal havia uma carta de seu Carlos dizendo que as crianças estavam com saudades e que queriam o pai na passagem de ano.
Marli havia ficado incomunicável.
No dia seguinte com seus documentos e uma mala, partia para São Paulo e de lá para Uberaba.
No caminho já havia decidido que iria ficar como membro externo em Uberaba ajudando o missionário de lá.
Depois do Ano Novo voltou à Ponta Grossa apenas para comunicar a pastora por telefone a sua decisão.
Antes que ela retrucasse, Renato disse que estava enviando uma carta explicando tudo e que junto iam as chaves do apartamento para que alguém rapidamente assumisse o posto.
Juntou apenas as roupas e documentos e dois dias depois já estava com seus pais e filhos em Uberaba.
Nos dias que se seguiram ainda tentou ajudar o missionário, mas, já não era a mesma coisa optando por sair da Igreja.
Definitivamente passava uma borracha em tudo que se relacionasse a Igreja e nem sequer quis saber como estavam as coisas no apartamento em Ponta Grossa e quem havia ido para lá.
Apenas tempos depois recebeu do missionário que havia assumido Ponta Grossa as cartas e cartões postais dos filhos espirituais e também suas duas agendas onde havia anotado toda sua trajetória na igreja desde sua volta ainda ali mesmo em Uberaba.
Aprendera muita coisa naqueles quase três anos e sentia-se apreensivo quanto ao que fazer e como fazer a partir dali. Era uma vida nova e diferente para ele, mas, mesmo assim sentia-se aliviado por estar agora do lado de fora e sem tantas responsabilidades.
Por seu Jaime acabou descobrindo que Marli estava bem e que seu relacionamento com Cesar estava caminhando da melhor maneira possível.
O primeiro passo em Uberaba era conseguir um emprego, pois, embora continuasse vendendo seus biscoitos e quadrinhos de porta em porta, não conseguia bons resultados, pois não estava fazendo isso por uma causa e sim por si mesmo.
Nem poderia vender nada em nome da Igreja, já que já não pertencia a ela.
Arrumou um trabalho numa pequena fábrica de produtos plásticos.
O salário não era bom, mas, o importante era não ficar parado.
Decidiu fazer o colegial nos mesmos moldes em que terminara o ginásio ainda em Garça, por eliminação de matérias.
Para isso entrou numa escola e iniciou os estudos.
Nos fins de semana gostava de sair com os filhos para juntos buscarem nas fazendas próximas esterco de vaca e cavalo para dar continuidade a horta que o pai havia abandonado por falta de tempo.
Gostava de contar aos filhos, as aventuras pelas quais ele e o tio Reinaldo passaram em Garça fazendo justamente aquele serviço.
Entrando em um novo projeto
Já estava a algum tempo na escola e o colégio havia recebido um comunicado de Belo Horizonte a respeito de um novo movimento de alfabetização de adultos para ocupar o lugar do Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização), criado em 15/12/67 pela Lei número 5379, e, extinto nos anos 80 por causa da recessão econômica, pois, o movimento sugava da nação altos recursos para manter-se ativo.
Esse era diferente, pois contava com a participação voluntária da sociedade, mobilizando professores e alunos das unidades de ensino e já vinha funcionando em várias cidades do País.
No colégio de Renato cada grupo seria representado por dois alunos de cada classe.
Esses alunos escolheriam um bairro e nesse bairro um local para iniciar o projeto.
Formados os grupos todos partiram para a ação.
Renato ficara com um rapaz que era seminarista de uma Igreja católica de Uberaba.
Irmão Celso como era conhecido.
Após terem estudado o projeto viram no mapa um bairro distante e decidiram adotá-lo.
Vila do Pássaro Preto era o nome do lugar às margens da BR-050 e ao lado da Vila Ozanan que tinha mais ou menos duas mil pessoas.
Num sábado foram conhecer o local e procuraram Aguiar, presidente da Sociedade de Melhoramentos, que falou sobre a Vila.
-Aqui não temos nenhuma infraestrutura. Sem luz nas ruas, posto policial, posto sanitário, transporte, creches e principalmente a legalização das terras. Ou seja, sem a menor condição de dignidade humana para seus habitantes.
Renato olhou de soslaio para o irmão Celso.
Seria um trabalho muito grande convencer alguém a ir dar aula ali, mas tinham que tentar.
Sentiram que aquela Vila parecia estar desvinculada do resto da cidade sem ninguém responsável por ela.
Reivindicar alguma coisa segundo Aguiar era pura perda de tempo e os políticos obviamente só apareciam por lá na época de eleição a procura de votos.
Uma única rua da Vila era asfaltada e mal iluminada, a rua por onde o ônibus passava e circulava apenas até as 18 horas por medo de assaltos na estrada e desembocava numa praça onde os políticos iam fazer os seus comícios.
O irmão Celso expôs o projeto a Aguiar que achou ótima a ideia.
Precisavam de um local para a realização das aulas, mas a escola municipal local tinha poucas salas e assim mesmo lotadas.
Tinham de expor também o projeto aos moradores e Aguiar deu a ideia de se promover uma galinhada.
Na quarta-feira seguinte com muita festa e música acompanhada da famosa galinhada mineira e com a Sociedade de Melhoramentos apinhada de gente, Aguiar apresentou Renato e Celso que munidos de um microfone deram detalhes do projeto.
Deixaram fichas de inscrição com os interessados e também com Aguiar.
Em poucos dias recebiam de suas mãos muitas inscrições.
Não precisavam se preocupar com o local, pois, Aguiar cedera uma sala da Sociedade para que na segunda e na quarta, fosse ocupada pelos alunos, já com um quadro negro e carteiras que ele havia conseguido na escola.
Contentes com o feito levaram as fichas à diretora Alice que se encarregaria de mandar uma professora voluntária para o bairro.
Aos dois caberia também a incumbência de conseguir condução para a professora já que como foi dito, os ônibus só circulavam até 18 horas.
Renato se encarregou de falar com o Secretário da Educação que sabedor do projeto se prontificou a conseguir uma Kombi para levar e trazer a professora na segunda e na quarta-feira.
Outros alunos também já tinham obtido bons resultados e todos iniciaram as aulas nos bairros quase que ao mesmo tempo.
Alice mandara a professora Cecília para a Vila.
Agora era por conta dela.
Ganhando uma coluna no jornal
Renato que voltara suas atenções para os estudos acabou conhecendo um rapaz, Thales que estava acabando de montar um jornal de distribuição gratuita e precisava de colaboradores para preencher algumas colunas do jornal.
Sabendo pelo próprio Renato que contou parte da trajetória de sua vida e de suas andanças pelo Brasil afora, viu nele um excelente colaborador.
Convidado, Renato passou a escrever matérias sobre política, religião e assuntos do cotidiano de Uberaba.
Já tinha planos de fazer jornalismo assim que recebesse o diploma do colegial mesmo antes de conhecer o jornal do amigo.
Porém ali em Uberaba e sem recursos financeiros seria muito difícil, embora o pai já desse sinal de que o ajudaria nesse sonho, ao qual Renato recusou por achar que era muito abuso os pais além de cuidarem dele e de seus filhos ainda bancar sua faculdade.
Isso ficaria para mais tarde.
Elaine, uma linda garota, loura e de olhos verdes, trabalhava como secretária no jornal e fora apresentada a Renato, já sabendo mais ou menos sua história, e o trabalho de alfabetização na cidade.
Ficou interessada em saber um pouco mais de sua vida e nascia ali uma grande amizade.
O entrevero com o Secretário de Educação
Um dia o irmão Celso lhe deu a notícia de que o Secretário da Educação havia tirado a Kombi que fazia a locomoção da professora alegando que a mesma fora designada para outros serviços mais importantes.
Mas educação de qualidade para o munícipe, não era importante?
Renato resolveu falar pessoalmente com o Secretário, mas, este foi irredutível, alegando que só tinha aquela Kombi em funcionamento, pois, as outras estavam na oficina.
Isso não justificava aquele procedimento e Renato foi falar com o irmão Celso para ver o que poderiam fazer.
-Precisamos dar um jeito nessa situação, pois, os alunos não podem ficar sem aula e a professora não vai querer pagar do próprio bolso, disse Celso.
-O salário que eu recebo lá na fábrica não dá nem para mim respondeu rindo Renato.
-Vamos conversar com o Aguiar para ver se ele tem alguma idéia sugeriu Celso.
Naquela quarta-feira foram Renato, Celso e Cecília que resolvera mesmo sem condução dar aula.
Enquanto Cecília ia para a sala, os dois foram conversar com Aguiar.
-Bom o que a gente pode fazer é promover quantas festas e galinhadas forem necessárias para manter a professora aqui. O que vocês acham?
-Excelente ideia, disseram em coro.
A partir daquela conversa, todos os sábados eram feitas festas para arrecadar dinheiro não só para a professora, mas, também para as melhorias no bairro.
Tudo tinha de ser por conta dos moradores mesmo, que resolveram abraçar aquela causa com todas as forças.
Se era para mudar alguma coisa que partisse deles.
Com uma coluna no jornal à mão é claro que Renato não iria deixar passar em branco a oportunidade de cutucar os políticos da cidade.
A próxima matéria de sua coluna já tinha até um título: "Libertem o Pássaro Preto"
Na segunda o jornal trazia uma matéria onde Renato criticava a falta de sensibilidade dos políticos em relação à Vila e do descaso do Secretário que dava com uma mão e tirava com a outra referindo-se ao fato de ele ter tirado a condução da professora com uma explicação esdrúxula.
Quando foi para o colégio à noite foi chamado à sala da diretora Alice que mostrando o jornal em cima da mesa perguntou o significava aquela acusação.
-Só falei a verdade, respondeu.
-Sabe que eu fiquei surpresa quando estive na Secretaria e o secretário me mostrou a matéria dizendo que tinha uma pessoa na cidade que o estava criticando de maneira violenta e mais surpresa fiquei ainda quando vi que a assinatura da matéria era sua. Se ele descobre que quem assinou é meu aluno eu estou frita.
-Como assim descobrir? Ele sabe que eu sou aluno aqui, pois, foi por causa do projeto que estamos desenvolvendo que fui procurá-lo.
-Pois é, sorte minha que ele não tenha ligado os pontos. Eu quero que você escreva na próxima edição uma matéria se retratando, antes que ele junte dois com dois e descubra que é o autor da matéria. Quem sabe com isso ele não coloque a Kombi novamente à disposição.
-Sinto muito diretora, mas, não vou mudar uma vírgula do que escrevi. Primeiro que se fizer isso vou assinar um atestado de mentiroso e isso eu não sou.
Segundo que não precisamos mais da Kombi, já resolvemos esse problema.
-Quanto a haver uma represália contra a senhora, pode deixar que eu me encarrego de falar com ele e isentá-la de qualquer culpa.
Alice, o dispensou com um sorriso nos lábios. Sabia que estava certo.
Um convite para entrar na política
Essa atitude e mais a matéria no jornal fez com que Renato ganhasse a admiração das quase duas mil pessoas da vila e das redondezas a ponto de pedirem para que ele fosse seu representante nas eleições que se aproximavam.
Aguiar também endossava a vontade dos moradores.
Conversando com seu Carlos, este o incentivou a aceitar o convite e durante muito tempo ficou pensando e analisando os prós e os contras.
Se aceitasse e fosse eleito não teria volta e uma vez lá dentro teria de fazer valer cada voto conquistado. Será que conseguiria trazer as inúmeras reivindicações que a vila precisava?
Será que a Prefeitura e a Câmara apoiariam seus projetos, visto que nunca tinham feito nada pela vila.
Cheio de dúvidas preferiu para tristeza de todos, não aceitar o convite.
-Não sou a pessoa certa para esse cargo, mas podem acreditar que ajudarei com todas as minhas forças, qualquer um de vocês que resolver tentar.
O próprio Aguiar é um forte candidato, porque não investir nele?
Um violão para seus ouvidos
Com o desenrolar de todos esses acontecimentos Renato acabou ganhando a simpatia de Elaine que um dia o convidou para tomar um lanche em sua casa.
Quando resolveu num sábado visitá-la, ficou boquiaberto. Aquilo não era uma casa e sim uma mansão.
Convidou-o a entrar e o apresentou aos seus pais dizendo que ele era o escritor que tinha mexido com gente grande da cidade.
Renato descobriu que seu pai era um dos diretores do Clube Atlético Mineiro responsável em Uberaba por garimpar garotos para a base do clube.
Renato caiu nas graças dos pais e passou a frequentar sua casa mais vezes.
Elaine gostava de tocar violão para ele e sempre quando ficavam a sós naquela imensidão de sala ela pedia à empregada que lhe preparasse um suco e enquanto ia dedilhando suas músicas pedia a Renato que contasse suas aventuras. Parecia coisa de novela.
Tinha 22 anos e sua pele devido aos banhos de sol na piscina era bronzeada e linda.
Já tivera vários namorados, mas, todos segundo ela só tinham interesse nela por causa de seu status.
Renato sentia por ela um amor fraternal e não se atrevia a passar disso.
Mas ele precisava de alguém para amar e não apenas para tocar violão para ele.
Depois de ter ido falar com o Secretário mostrando a ele que o intuito daquela matéria não era menosprezá-lo e sim fazê-lo ver que tinha agido errado fazendo o que fez sem ao menos consultá-lo ou mesmo a professora, Renato voltou às boas com a diretora.
Uma mulher nos braços depois de tanto tempo
No curso conheceu Sueli. Aliás, já a conhecia de vista, mas, foi durante o ensaio da peça Morte e Vida Severina que a diretora pediu para que apresentassem que pode estar mais tempo com ela.
Tinha 24 anos e era uma morena de cabelos longos e muito linda.
Descobriu que ela como ele também era separada e tinha dois filhos, um casal de um e três anos.
Começaram a namorar e depois de três anos de abstinência sexual por causa da Igreja, tinha novamente uma mulher por inteiro.
Na cama de um motel extravasava todo seu desejo reprimido por tanto tempo.
Muda Brasil!
O Brasil passava agora por uma nova fase política e depois de vinte anos de desmandos um presidente era novamente eleito diretamente pelo povo.
Tancredo Neves infelizmente não assumiria o posto, pois, vítima de uma doença de nome estranho viria a falecer antes da posse provocando uma comoção geral.
Em seu lugar assumiria o vice José Sarney.
Vinte anos de totalitarismo militar estava indo embora de uma vez por todas.
Renato acabara de receber seu Certificado..
Sueli ganhara uma casa de seu pai no Conjunto Alfredo Freire, o mesmo bairro onde ele havia morado com Marisa e onde iniciou todo seu trabalho na Igreja do reverendo Moon.
Aos sábados ia para sua casa passando a noite e retornando somente no domingo pela manhã. Torcia para não encontrar nenhuma pessoa da igreja, para não ter que dar explicações do porquê de sua saída.
Preparava o café e depois ia acordar os pais.
À mesa um verdadeiro café mineiro, com queijo e manteiga que seu Carlos fazia e bolo de milho.
Depois do almoço pegava Eduardo e Vinícius e ia encontrar-se com Sueli na cidade.
De lá iam para o cinema ou ao parque de diversões.
Eram tempos felizes e Renato não havia se arrependido de ter saído da Igreja.
Tentando formar uma nova família
Tempos depois conseguia um emprego numa fábrica de fertilizantes, trabalhando a noite.
Os filhos de Sueli já haviam se acostumado a chamá-lo de pai e se davam muito bem com seus filhos.
Justamente por isso Renato estava se sentindo inseguro e temeroso em assumir um compromisso mais sério e era para esse caminho que a estrada estava apontando.
Seu emprego era bom, mas, não seguro o suficiente para que ele tomasse uma decisão daquelas.
Fábrica de fertilizantes funcionava bem apenas na entre safra. Depois disso, era cada um para o seu lado.
Era o chamado corte de funcionários até a próxima safra.
Com todos esses pensamentos e medos, resolveu dar um tempo no relacionamento e ficou um mês sem ver Sueli e seus filhos.
Pediu a ela esse tempo, pois, queria saber exatamente o que fazer de seu futuro e queria ter certeza de seu futuro na fábrica.
Continuava indo à casa de Elaine, e ela continuava a tocar violão para ele.
Ali com ela pelo menos não tinha de decidir nada.
Se a pedisse em namoro provavelmente ela aceitaria.
Era um bom partido e problemas financeiros com certeza eles não teriam.
Mas Renato não era homem de viver ás custas de mulher e além do mais onde entrava o amor nessa história já que o que ele sentia era apenas amizade?
Voltou a se encontrar com Sueli e expôs seu dilema.
-Já imaginou se assumimos um compromisso e eu acabo desempregado numa cidade onde as oportunidades são raras? Como ficariam meus filhos e os seus?
-Está certo, mas, você não precisava ter sumido assim. Não estou te cobrando nada e nunca irei cobrar, apenas quero você ao meu lado, respondeu Sueli.
Reinaldo fora enviado para lá pela fábrica em que trabalhava em Cubatão, pois, a mesma estava enviando material para lá, e ficou hospedado na casa de seu Carlos.
Trabalhava no mesmo horário de Renato e sempre que podiam ficavam trocando ideias entre um cafezinho e outro.
Cadê a regra?
Uma noite estando na fábrica, recebeu um telefonema de Sueli que comunicava a ele que sua menstruação estava atrasada mais de dez dias,
Apavorado com a notícia, disse a ela que iria a sua casa para conversarem com mais calma.
Tentou se concentrar no trabalho que exigia muita atenção, e na manhã seguinte após ter ido para casa, saiu e foi se encontrar com ela.
-E agora o que vamos fazer, perguntou.
-Vamos esperar, se você estiver grávida fique tranquila, pois nós vamos criar esse filho ou filha, nem que tenhamos que ir embora para a capital, tentar um emprego.
Sueli ficou emocionada e o abraçou chorando. Achava que por causa da incógnita dele no emprego iria abandoná-la ou lhe pedir um aborto.
Voltando para casa contou aos pais que longe de criticá-lo, parabenizava-o por mais um netinho ou netinha que iriam ganhar.
Claro que as coisas seriam muito mais complicadas e mais uma vez Renato iria acabar indo embora em busca de emprego numa cidade maior.
Uma notícia triste e tranquilizadora
Dias depois estando na casa de Sueli, esta comunicou que a notícia era falsa que mesmo demorando suas regras chegaram.
Renato mesmo aguardando mais um filho, ficou aliviado com a notícia.
Agora era só aguardar os acontecimentos, sem a preocupação de ter que ir embora, deixando os pais mais uma vez.
Os meses passavam rapidamente e as coisas na fábrica estavam ficando cada vez mais difíceis.
O fim da entre safra e do emprego
Já não se via aquele movimento intenso de caminhões carregando e descarregando fertilizante e a angustia de Renato crescia.
Gostava muito da cidade e até conhecera Chico Xavier, mas, sabia que teria de sair da cidade se não fosse aproveitado na fábrica.
Sueli assim como ele estava apreensiva, pois, havia se apegado demais aos seus filhos.
Toda a ansiedade e expectativa de Renato terminaram quando ao dirigir-se ao relógio de ponto lia um bilhete em seu cartão.
"Não vá embora antes de passar pelo Departamento Pessoal".
Além dele mais nove funcionários recebiam o mesmo recado.
Todos já sabiam qual era o assunto.
Acabara a entre safra e o pessoal mais atingido era o do turno da noite.
Triste e desempregado pelo menos agora estava livre de toda aquela tensão.
Ao chegar em casa comunicou a mãe e na hora do almoço foi a vez de seu Carlos, saber da má noticia.
-Não se preocupe filho, você arruma outro emprego. Incentivou ele. Até lá vocês estão sob a minha proteção (já haviam sido comunicados da falsa gravidez de Sueli).
Mais uma vez Renato agradecia por ter nascido daquela família e foi para o quarto chorar baixinho.
Sabia que seu Carlos não tinha tanta certeza do que falava, pois, não era sempre que aparecia um emprego na cidade.
As crianças ainda estavam na escola e ele não queria que eles o vissem triste.
À tarde após o retorno deles saíram para jogar bola em frente à casa. Não precisava descansar, pois, não teria de voltar ao trabalho à noite.
Voltando para a cidade natal e a nova namorada
Ainda faltava falar com a namorada e quando o fez deixou claro que não poderia ficar em Uberaba e que sua intenção era voltar para Santos onde já tinha uma proposta de trabalho.
Dias antes ficara sabendo que o IBC iria fechar as portas em todo território nacional.
Diferente de Renato, porém, seu Carlos não ficaria desempregado, apenas seria funcionário em outra repartição pública.
Apenas em 1989 é que realmente o IBC se extinguiu, mas, os serviços de estocagem e fiscalização já não estavam sendo feitos pelo órgão público.
Sueli chorou e argumentou que ele poderia conseguir um emprego e que problema de moradia ele não teria, pois, sua casa estaria à disposição dele.
Renato não recuou de sua decisão.
Claro que não sentia um amor arrebatador por ela a ponto de querer formar uma família.
Seus filhos por ainda serem pequenos poderiam se moldar à educação dada por Renato, mas, Eduardo e Vinícius já não se adaptariam à convivência com ela tão facilmente, e esse era seu maior medo.
Antes de ir embora para Santos, foi agradecer ao amigo jornalista e também à Elaine e comunicar sua decisão.
Também Elaine ficou triste e se havia alguma intenção de sua parte de querer algo além da amizade com ele, esta se esvaiu.
Ao amigo Thales prometeu continuar enviando matérias para o jornal assim que se estabelecesse em Santos.
Seu Carlos e dona Gisa ficariam com as crianças até que também se mudassem de lá já que não haveria mais a necessidade de um fiscal no armazém. Apenas Humberto o encarregado ficaria mais um tempo ainda.
-Chegando lá quero que você providencie imediatamente uma casa para morarmos, disse seu Carlos.
Dois dias depois após sua viagem, Renato já estava trabalhando em uma empreiteira dentro do Complexo Industrial da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista) em Cubatão arranjado pelo tio Fred que era cosipano.
Morava na casa da tia Lídia irmã de dona Gisa.
Conseguira alugar uma casa em São Vicente com a ajuda do tio Paulo que fora o fiador.
No final do mês seu Carlos comunicava que lhe haviam pedido a casa e que estavam de mudança.
Em menos de dois dias já estavam todos acomodados na nova casa.
Estava se dando bem no trabalho e havia iniciado um namoro com Mila, amiga de sua prima e que ele conhecera ainda no ano de 1974.
Como os dois estavam sozinhos porque não namorarem?
Conseguiu que ela fosse trabalhar com ele na empreiteira no Setor Pessoal e o relacionamento ficava cada vez mais forte.
Mas não tão forte para que não acabasse no primeiro carnaval no início do ano de 1986.
De comum acordo resolveram cada um curtir seu próprio carnaval separado.
Na quarta-feira de cinzas no retorno ao trabalho as coisas já não seriam mais as mesmas. Ele não estava mais afim e muito menos ela, mas, a amizade continuou.
Entrando no Correio novamente
Alguns dias depois retornando do trabalho dona Gisa lhe entregou um telegrama.
Ele leu, mas, não comentou nada. Entrou no banheiro e tirou a barba que havia deixado crescer por mais de três meses.
Depois do banho, se pôs em frente de dona Gisa e seu Carlos que estranharam aquela atitude.
-O que houve, resolveu ficar com cara de bundinha de bebê? Brincou dona Gisa.
Os meninos riram daquele novo pai.
Sem dizer nada pegou o telegrama e pediu que ela lesse em voz alta.
-Mas estão te chamando para trabalhar no Correio disse ela por fim.
-É verdade, mesmo estando na empreiteira eu me inscrevi para uma vaga de carteiro e como sei que eles não admitem barba tratei de tirar. A senhora vive reclamando do meu serviço com medo que eu pegue alguma doença grave naquele ambiente poluído. Agora não precisa mais se preocupar. Se tudo der certo nos exames médicos, estou empregado.
No dia seguinte Renato viajou para São Paulo e em 20 de maio de 1986 era novamente funcionário dos Correios.
Encontrando a nova cara-metade
Seu setor de trabalho seria no Morro do São Bento.
Cheio de escadarias e numerações desencontradas, Renato passava o sábado e domingo fazendo mapas para facilitar seu trabalho.
Era um trabalho cansativo, mas, compensava pelo salário.
Depois de algum tempo começou a se interessar por uma funcionária do Colégio Estadual instalado no morro. Helena era seu nome.
O interesse era recíproco e eles passaram a trocar bilhetinhos. Assim descobriu que era casada mãe de dois filhos, mas, que não vivia bem com o marido por causa da bebida.
A cada bilhetinho ele gostava mais de Helena, não sabia se era amor ou a simples falta de uma mulher até que um dia tomou coragem e propôs que se encontrassem.
Para sua surpresa ela aceitou, mas, disse que teria que ser em lugar afastado.
Resolveram que iriam para o Guarujá no domingo.
Passaram a tarde toda e retornaram a noite sem se preocuparam com relacionamentos sexuais, apenas queriam estar juntos.
Renato sentia que seus dias de solteiro estavam terminando e que finalmente tinha encontrado a pessoa certa.
O marido dela continuava bebendo muito e maltratando tanto ela quanto os filhos e ele a queria para si propondo que fossem morar juntos.
Seu Carlos e dona Gisa apoiavam incondicionalmente sua decisão por saber que Helena já não amava mais o marido e sofria com sua presença.
As amigas dela também lhe davam a maior força para que fosse embora e ela ficou propensa a aceitar e dar uma resposta.
Não precisou pensar muito e num dos encontros no Guarujá, resolveu aceitar.
Conversando com sua prima Isabel conseguiu que o marido dela alugasse uma casa que tinham no Samambaia um bairro de Praia Grande.
Separando-se dos filhos
Chamou Eduardo e Vinícius agora com dez e seis anos e comunicou sua decisão e deu a eles a opção de escolha.
-Querem ir morar comigo e a tia Helena ou preferem ficar com a vó e o vô?
-A gente quer ficar com eles disse Eduardo.
-Está certo se é o desejo de vocês.
Renato ficou triste com a resposta, mas, entendia, pois, afinal a maior parte da vida dos dois fora passada com eles.
Além disso ele iria refazer sua vida depois de tanto tempo, junto com alguém que tinha um amor sincero por ele.
Helena por sua vez falou com os filhos, Lucas com dezesseis anos e Lucia com doze.
Por causa da escola eles preferiram ficar com a avó que morava no mesmo terreno onde Helena morava.
-Quando terminarmos as aulas vamos morar com vocês. Disse Lucas.
Com tudo acertado o casal se mudou para a nova casa.
Era sacrificado ter de ir trabalhar em Santos, pois, era uma verdadeira odisseia viajar nos ônibus que circulavam naquela região, mas estavam felizes por começarem uma vida nova.
Quatro horas da manhã Helena preparava o café e em seguida iam os dois para o trabalho. Ela na escola e ele no Correio.
Só que a vida dela não estava sendo nada fácil, pois, o marido sempre a procurava na escola.
Seus filhos também estavam sendo pressionados a contar sobre o paradeiro dela.
Renato então tomou uma decisão e num domingo em que Lucas e Lucia foram para o Samambaia, abriu o jogo.
-Quero que vocês fiquem aqui conosco independente de estarem ou não estudando em Santos. Vocês não precisam e nem devem passar por essa situação. Ficam aqui e continuam estudando em Santos. É só evitar cruzar com seu pai.
Mesmo assim não teve jeito, pois, ele ia todos os dias à escola para ameaçar Helena e os filhos.
Optou então por pedir transferência para o colégio perto de casa e acertada toda a parte burocrática em poucos dias já estava no novo local de trabalho.
Lucas e Lucia também acabaram por deixar o colégio no morro e ficaram aquele final de semestre sem estudar.
Era uma pena ter que largar os estudos, mas, não havia outra solução.
Renato continuava fazendo a entrega de correspondências no morro e de vez em quando cruzava com o marido dela, que sempre perguntava se ele não sabia do paradeiro da mulher e dos filhos.
Renato disfarçava e pedia para que ele perguntasse à sogra, que previamente já havia sido orientada a não comentar nada.
Tempos depois ele também se transferia para o correio de Praia Grande.
Em 11 de dezembro de 87, nascia Rodrigo o primeiro filho do casal.
Meses depois o marido de Helena viria a falecer.
Completado um ano o marido de sua prima Isabel pedia a casa, pois, tinha optado por vendê-la e já tinha até um comprador em vista.
Novamente Helena pediu transferência para o morro e foram morar na casa dela.
Aquele local não trazia boas recordações para Helena, mas, mesmo assim estava feliz por estar novamente perto de sua mãe.
Renato continuava no correio de Praia Grande, mas, queria tentar algo diferente.
Tentando a sorte por conta própria novamente
Pediu demissão e comprou um carrinho de pastel conseguindo um ponto mais ou menos bom.
Claro que sem experiência alguma naquele ramo a coisa não daria certo, e, logo foi trabalhar em uma empreiteira, mas, por pouco tempo. Logo o trabalho da empreiteira havia terminado e diante da negativa de Renato para seguir com a firma em outra cidade, pediu demissão.
Não queria ficar longe da família e pincipalmente do filho que acabara de nascer.
Nesse meio tempo havia feito um concurso em uma repartição pública municipal de São Vicente, e aguardava ser chamado. Havia passado em quinto lugar e ficara sabendo que haviam chamado os quatro primeiros colocados e já dava aquilo como perdido.
Pirassununga
Por outro lado, seu Carlos (que já havia se aposentado), dona Gisa e os meninos resolveram ir morar em Pirassununga, pois, uma das irmãs de dona Gisa tinha um sítio lá e queria a irmã por perto.
Convidou Renato e Helena para ir passar uns dias por lá. ficaram uma semana, pois, Helena precisava voltar ao trabalho.
Mais um mês depois e novamente eles iam à Pirassununga.
Renato ficara sabendo de um concurso na Prefeitura da cidade e resolveu se inscrever.
Dois domingos depois lá estava fazendo a prova.
Voltaram para Santos e seu Carlos ficou incumbido de ver o resultado e comunicá-lo assim que saísse.
Dias depois Renato recebia um telefonema do pai dizendo que ele havia passado em primeiro lugar.
-Vem para cá por que você deve se apresentar logo para assumir o cargo, disse ele ao telefone.
Contente Renato comunicou Helena que como tinha uma licença vencida a gozar, solicitou-a imediatamente.
Já em Pirassununga passaram a procurar casa, porém, como na cidade o aluguel era muito caro resolveram que o fariam em Leme, apenas 25 minutos dali.
Seu Carlos havia combinado com Renato que enquanto eles não conseguissem casa morariam com ele.
Outra providência a ser tomada era a transferência de Helena para um Colégio Estadual na cidade.
De volta a Santos foi à Delegacia de Ensino e iniciou o processo.
Tudo estava encaminhado e assim que estivesse resolvido mudariam para Pirassununga, Renato assumiria seu posto na Prefeitura e Helena se apresentaria na Escola.
Porém uma decisão de seu Carlos acabou por mudar todos seus planos.
Alegando estar muito triste e solitário na cidade onde não saia nem para jogar seu dominó e damas, coisa que ele fazia diariamente em São Vicente, resolveu voltar.
Como as coisas dele eram sempre num estalar de dedos, apenas comunicou Renato da decisão e dias depois já estava em São Vicente com toda sua mobília.
Pegos de surpresa Renato e Helena que não pretendiam morar no interior sozinhos, mesmo porque nem casa tinham conseguido ainda, resolveram abortar a ideia e foram imediatamente à Delegacia de Ensino afim de cancelar a transferência que graças a Deus ainda não havia sido homologada.
Outro concurso apareceu agora a nível estadual, e Renato passou em primeiro lugar sendo chamado em menos de dois meses para trabalhar no morro no mesmo colégio onde Helena trabalhava.
Assumiu o cargo e passou a trabalhar junto com Helena.
Em 29 de junho de 1993, nascia Fabio o segundo filho.
A casa começava a ficar pequena demais para tantas pessoas e Renato conversando com Helena acabou alugando um apartamento.
Lucas e Lucia ficaram na casa, pois, o apartamento também não era grande.
Não demorou muito tempo e conversando com uma amiga da escola, Helena acabou descobrindo que um colégio estadual estava precisando de zeladora e um dos requisitos era justamente ser funcionário público.
Acharam interessante a ideia, e foram falar com a diretora, que imediatamente iniciou o processo de transferência dela para o colégio.
Renato continuava exercendo seu trabalho no colégio do morro e trabalhava na parte da tarde até 23 horas. Na parte da manhã assumia o papel de zelador e o serviço mais pesado ficava por sua conta, aliviando Helena.
Algum tempo depois Lucas e Lucia iam morar com eles.
Num domingo em que estavam todos em casa, seu Wilson tio de Renato bateu no portão da escola. Trazia na mão um exemplar do Jornal que circulava em São Vicente.
Dentro, vinha uma convocação para que ele se apresentasse para entrevista na Câmara Municipal de São Vicente.
Como havia passado em quinto lugar eles resolveram antes que o concurso caducasse, chamá-lo e mais duas pessoas para outros cargos.
Depois dos exames feitos e de pedir exoneração como funcionário público estadual, em 1º de fevereiro de 1994 assumia o cargo de Contínuo
Por problemas com a nova diretora do Colégio que não admitia que ele estivesse trabalhando em outro local e continuasse morando lá acabaram não cumprindo o contrato que era de dois anos e optaram por voltar para o morro agora numa casa de aluguel, pois, Renato queria reformar e ampliar a casa de Helena.
Junto com um amigo e sem muita experiência, levantou mais dois cômodos na casa e depois de vários meses de trabalho, se mudavam para lá.
Programa Galeria de Sucessos
Em 1998, começava uma experiência inédita, trabalhando durante três anos como locutor em uma rádio comunitária, no início com o nome Programa Roberto Rock Show e depois Programa Galeria de Sucessos, que o acompanha até hoje.
Nesse hobby além de seu programa de duas horas de duração, entrevistava políticos em campanha e bandas de cantores de rock nacional e internacional que buscavam seu lugar ao sol.
Conseguia para eles, shows de campanha política os chamados showmícios e apresentações em festas de bairro.
Foi assim que pode rever a prima Alice, irmã de Sandra, Sônia, Isabel, Wilsinho Edilson e Gerson (filhos de tia Bel e tio Wilson).
Alice vinha com a banda Super Sonix convidados de Renato para se apresentarem na Festa de Nossa Senhora da Assunção.
Renato ficou feliz, pois a muito tempo não a via, pois, Alice que trabalhava como caseira sempre estava em lugares distantes do litoral paulista.
Nesse ínterim em 29 de novembro de 2001, George Harrison falece em Los Angeles, Califórnia vítima de um câncer de pulmão.
Agora vai juntar-se a John Lennon
Ainda em 2001, começa a trabalhar como voluntário na Ordem Franciscana Secular, dando aulas de informática básica e coordenando um projeto de cidadania dentro do currículo das matérias de informática.
Revendo o amigo Waldir Perez e o contato virtual com Cíntia
Através do Orkut, Renato acabou localizando Cíntia a garota de Garça.
Na verdade, ela o localizou através do amigo Waldir Peres com o qual Renato havia entrado em contato, e entre conversas, falavam das peripécias com a bateria improvisada em seu quarto, e principalmente da garota de sorriso lindo.
Como Cíntia também o tinha em seu Orkut, logo ligou os pontos e percebeu que era dela que Renato estava falando.
Logo lhe mandou um convite para ser adicionada, contando que era ela a amiga de Garça.
E assim passaram a se comunicar e relembrar os tempos passados, (daí sua sugestão para que ele escrevesse um livro de memórias).
Em 2008, Renato viajava para Garça para rever a cidade, e também para ter fonte de inspiração para o futuro livro.
Helena não quis acompanhá-lo, mesmo porquê ele só ficaria dois dias, 19 e 20 de julho.
Convidando Cíntia que estava morando em Barretos, ela também não pode ir por problemas particulares.
Foi uma visita inesquecível e Renato conseguiu visitar nos dois dias, todos os lugares da cidade, que agora já havia crescido bastante sem perder seu ar de cidade do interior.
A partir daí começou a ampliar seu livro que já havia sido iniciado em 1987, porém, só falando de sua caminhada pela Igreja de Unificação.
Um ano depois ele recebe um convite do amigo Waldir para ir a uma festa cigana no Jóckey Club de São Paulo.
O convite se estende a Cíntia também que mais uma vez não comparece.
Mais tarde Renato entenderia que as duas recusas se deviam ao fato de que Cíntia tinha medo de se envolver novamente com ele.
Mas, a festa cigana foi muito linda regada de romantismos, mistérios, e muita dança.
A última vez que encontrou Waldir foi no dia 24 de maio de 2010 na festa cigana promovida na Lagoa da Saudade, no morro da Nova Cintra em Santos em cujo lugar há uma imagem de Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos.
Dessa vez Helena o acompanhou e gostou muito.
Enquanto isso ela se especializava em pintura em telas.
Encenação da Fundação da Vila de São Vicente - 2013
Depois de alguns anos de insistência por parte do amigo Nelson, Renato finalmente aceitava o convite para fazer parte de um dos eventos mais importantes da Cidade de São Vicente. A Encenação da Fundação da Vila de São Vicente, onde é mostrada nas areias da praia do Gonzaguinha, a chegada de Martim Afonso de Souza, para fundar a 1ª Vila do Brasil.
Ele não tinha nada a perder, seu compromisso com as rádios comunitárias, das quais fora locutor por mais de quatro anos, terminara, por conta do fechamento dessas rádios por parte do governo federal.
Também não tinha mais o compromisso com a EIC Valongo Escola de Informática e Cidadania onde foi professor por vários anos, coordenando os projetos de cidadania aos alunos mais carentes da região dos morros de Santos e adjacências, juntamente com sua amiga Eliane que além de professora era também Coordenadora Administrativa da Escola que tinha parceria com o CDI (Comitê para Democratização da Informática, criada por Rodrigo Baggio no Rio de Janeiro.
Hoje Eliane é escritora
Depois de ter confirmado que iria participar do evento, seu amigo lhe indicou a Secretaria de Cultura para fazer a inscrição.
Com os documentos nas mãos, pediu licença do trabalho por algumas horas e para a Secretaria se dirigiu.
Algumas horas depois estava de volta já com sua inscrição na mão.
Era o ano de 2012 e ali haveria mais uma mudança em sua vida, que ele ainda nem imaginava que iria acontecer.
Tanto ele quanto Nelson que também havia feito a inscrição, aguardavam agora a chamada para os primeiros ensaios. O que viria a acontecer no mês de novembro.
A convocação veio através de um comunicado por telefone, para que todos se apresentassem no Ginásio Dondinho (pai de Pelé), no Catiapoã, no sábado seguinte ás 16 horas. para que todos pudessem ver qual seu papel na trama, e as informações que o diretor iria passar.
No sábado, Renato despediu-se de seus familiares após o almoço, entrou em um ônibus que não fazia o trajeto até o Ginásio, fazendo com que ele descesse na Avenida e seguisse a pé.
Só assim pode reparar no abandono que aquele local se encontrava, com lixo pelas esquinas, mato tomando conta das calçadas, e um canal que mais parecia uma ilha de tanto mato e sujeira, mal dando para ver a água que existia dentro dele. Renato imaginou que o Pai do Rei do Futebol não merecia um Ginásio com seu nome, num lugar tão feio e abandonado.
Finalmente estava diante do Ginásio. Na porta de entrada, o nome de cada um, inscrito e seus respectivos papéis.
Renato seria um nobre da corte de Portugal, e Nelson como o fizera em anos anteriores, seria índio da tribo Tupi e no meio da multidão que se aglomerava diante do Diretor, pôde avistar o amigo.
Depois das informações, todos foram embora. Os ensaios seriam sempre nas quartas-feiras, sábados e domingos para os nobres e os índios, enquanto que outros núcleos fariam seus ensaios em outros dias. Apenas no domingo todos se encontravam para fechar as cenas no total.
Foi com Nelson para o Centro da cidade, para dali voltar a Santos.
- E aí Renato, qual vai ser o seu papel?
- Vou ser um nobre da Corte de Portugal.
- Então se prepara porque as vestimentas são pesadas e quentes. Nesse verão é complicado, é por isso que só faço papel de índio, dá para ficar quase pelado, riu Nelson.
-Pois é! eu não escolhi o papel, escolheram para mim, mas quer saber? Eu gostei.
Despediram-se e Renato foi para casa. No dia seguinte, domingo já teriam o primeiro ensaio às 15 horas.
No domingo lá estava ele de novo no Ginásio. Nelson sendo de outro núcleo, já estava na arena ensaiando. Os nobres teriam que aguardar a sua vez.
Assim começou a se entrosar com um grupo, duas senhoras e dois garotos, que também seriam nobres, onde passou a conversar animadamente, pois todos já não eram marinheiros de primeira viagem e tinham experiência, no assunto, pois haviam participado de tantas outras encenações.
- Não fique nervoso, logo você se acostuma com tudo isso, disse uma das senhoras.
- Vamos combinar assim, quando sairmos do ensaio, todos vamos juntos para o centro, porque isso aqui a noite deve ser uma calamidade.
Ao término dos ensaios, todos foram para suas casas deixando Renato que residia em Santos, num ponto de ônibus próximo.
Se aquele lugar já era feio de dia, mais feio ficava à noite, pela má iluminação das ruas.
O próximo ensaio seria na quarta-feira às 19,00, no mesmo Ginásio Dondinho.
Em casa contou com detalhes, os acontecimentos à esposa e aos filhos, que zombaram dele, que por ser neto de português, já estava com meio caminho andado para se tornar um nobre.
Na segunda o comentário com Nelson não podia ser outro: Encenação da Fundação da Vila de São Vicente. Nelson contou que não faria apenas papel de figurante como índio, mas seria um dos membros que lutaria com a tribo inimiga, e ajudaria a capturar o cacique.
- Caramba! Depois de tantos anos fazendo a mesma coisa, eu merecia mesmo ter um papel de mais destaque, riu Nelson.
Na quarta, saiu do serviço, deixando sua mochila, no escritório, para não ter que ser surpreendido ao ver que no final do ensaio suas coisas tinham desaparecido.
Sugestão das duas senhoras, que não traziam nada consigo, apenas um documento e toalhinha para se enxugar do calor incessante. Nem celular levavam.
Ao chegarem, sentaram-se e ficaram observando o ensaio de outros núcleos. Os índios haviam ensaiado na terça feira, portanto, Nelson não apareceu.
Renato já estava mais familiarizado com todos, e arriscava conversar com outras pessoas além das senhoras e dos garotos.
Uma garota se aproximou, e disse que estava observando nosso grupo, e que havia reparado que ao saírem iam todos juntos.
- É verdade, nos juntamos, pois achamos esse local muito perigoso para nos arriscarmos a andar sozinhos.
Eu também moro no centro da cidade, e não tenho ninguém que me faça companhia. Estes dias vim com um amigo de carro, mas ele não pode ficar aqui me esperando, e nem vir me buscar. Posso entrar para o grupo de vocês?
- Claro que pode, mas qual é seu nome?
- Tatiana, mas pode me chamar de Ana, e o seu qual é?
- Renato, mas pode me chamar de Renato mesmo.
Os dois riram da piada, e Renato a apresentou ao resto do grupo.
- Seja bem-vinda, disseram.
O próximo ensaio estava marcado para a sexta feira no mesmo horário.
Ao chegar, Renato instintivamente procurou Ana com o olhar no meio de toda aquela multidão que se aglomerava na porta do Ginásio.
Não a encontrou, e sentiu-se frustrado, achando que ela não viria.
Subiu para a arquibancada junto com o grupo e ao olhar para a porta a viu chegando.
Ela imediatamente olhou para cima, e uma das senhoras fez sinal para ela, que logo veio ao encontro.
Lá no centro, um grupo de dança, ensaiava as coreografias que o diretor passava.
Em dado momento, Ana disse baixinho ao ouvido de Renato:
- Você parece ser uma pessoa muito legal, gostaria de ter uma experiência com alguém mais velho do que eu.
- Renato recebeu aquela mensagem, como uma música para os seus ouvidos, e seu coração se encheu de alegria, porém procurou não demonstrar, e limitou-se a dizer que gostaria de ser ele o alvo de sua experiência.
Naquela noite ao término do ensaio, não foram com o grupo, preferindo ir sozinhos, para poderem conversar melhor.
Renato, contou que vivia com sua companheira a mais de 25 anos, e que não haviam se casado por uma opção dela, mas que era como se fossem casados devido ao tempo e que estavam juntos.
Nem precisava dizer por que sua aliança na mão esquerda era bem visível.
- Na verdade, essa é minha segunda esposa. Da primeira tenho dois filhos que moram no exterior e da atual dois que estão conosco.
- Eu também tenho uma filha e um filho, ainda menores de idade, mas estou divorciada já há algum tempo.
- Não deu certo seu casamento?
- Não
- Com a minha primeira esposa também não deu certo e de nove anos, apenas ficamos juntos mesmo, pouco menos de cinco anos, mas depois te conto essa história que é comprida e complicada.
- Depois te conto a minha, que não é tão comprida, mas também é complicada, respondeu Ana.
Passaram no escritório, onde pegou sua mochila e a acompanhou até próximo de sua rua.
A partir de então, trocavam mensagens pelo celular constantemente, ora para ela saber se ele já tinha chegado em casa, ora para ele saber se ela estava bem.
No domingo como de costume, Renato saiu de casa depois do almoço, e no caminho combinou pelo celular com Ana, de se encontrarem no Shopping, pois ela iria almoçar por lá.
Como era uma época muito quente de verão, pois já estavam em dezembro, entrar no shopping com aquele ar condicionado era uma benção.
No restaurante, conversavam animadamente sobre suas vidas, e Ana, contou que já estava divorciada, há algum tempo e que na sentença do juiz, ela ficaria no apartamento com os dois filhos. Porém, por um acordo verbal entre os dois, ela permitiu que o ex-marido continuasse sob o mesmo teto.
Renato achou louvável a atitude dela, mas, ela disse que havia se arrependido, desse ato, por causa do comportamento dele a partir dali.
- Mesmo estando divorciados ele acha que ainda tem poder sobre mim, e quer ditar as ordens.
- E você está namorando outra pessoa? Perguntou Renato.
- Estou sim, um médico no hospital onde faço trabalho voluntário, e é justamente por isso que meu ex me crítica, embora não saiba quem seja. Mas e você? Conte sua história.
- Bom eu como te disse, tive uma convivência real com minha ex-esposa, apenas cinco anos, por causa de vários acontecimentos em nossas vidas. Eu conto isso em um livro que escrevi, mas não o publiquei, depois te empresto ele.
- Desse relacionamento, tivemos dois filhos, que agora moram na Espanha.
- Você escreveu um livro? Que legal, me empresta sim, vou ler com carinho.
-Por isso eu disse que minha história é tão comprida e complicada que até rendeu um livro, riu Renato.
- Depois que nos divorciamos, conheci minha atual esposa que como falei, não é minha esposa no papel, mas temos um relacionamento de mais de 25 anos.
Deixaram a conversa de lado, pois ela havia terminado de almoçar, e já estavam prontos para irem para o ensaio.
Saíram a pé e foram para o Ginásio.
Renato comentou o estado de abandono em que se encontrava aquele local em volta do ginásio, e agora reafirmava seu pensamento de que o pai do maior atleta de todos os tempos, tivesse um ginásio com seu nome, em um local naquela situação.
-Tatiana, que conhecia Pelé, mas não sabia que seu pai era esse tal de Dondinho, apenas acenou afirmativamente com a cabeça.
Tiveram pouco tempo para conversar, pois, em seguida foram chamados para o ensaio. Os nobres desta vez seriam os primeiros a entrar na quadra.
Após o ensaio que estendeu até 19 horas por causa de novas cenas que o diretor colocou, todos foram liberados ficando apenas os dançarinos para que repassassem suas cenas.
No caminho de volta, Ana disse:
- Renato, na próxima quarta-feira, meu ex-marido vem me buscar junto com meu filho então é melhor nós não ficarmos tão juntos, para que ele não fique com ideias erradas á nosso respeito.
- Ok, não tem problema, vou procurar ficar o mais longe possível de você, disse.
Internamente, porém, ficou triste e contrariado a ponto de não querer ir ao ensaio naquela quarta à noite.
Mas sabia que não podia faltar a um ensaio sequer, para não comprometer as cenas, já que cada um tinha sua marcação, e a falta de um prejudicaria os outros.
Chegou a casa, moído de cansaço, mas como sempre fazia, contava as novidades para Helena.
- Já sei que vamos ganhar uma camiseta da Encenação e no próximo domingo vamos experimentar as vestimentas.
A companheira que sempre estava ao seu lado para o que desse e viesse, ficava feliz ao vê-lo contente com o que fazia.
Renato procurava então não pensar tanto em Ana, para não correr o risco de se apaixonar e jogar uma união de tantos anos fora.
Mas não conseguia, e rapidamente a imagem dela sorrindo com seus dentes lindos e brancos, em contraste com os olhos azuis, lhes vinha à mente.
Antes de entrar em casa lia mais uma vez as mensagens no celular que tinham trocado após se despedirem, e depois as apagava para não criar problemas.
A verdade é que Renato estava se tornando um Ana dependente.
Na cama após as orações pedindo a Deus que iluminasse seu caminho, e o caminho de Ana, para que nada os desviasse de suas metas, Renato conversava sobre o dia a dia com a companheira, e por fim dormiam.
Quando acordava no meio da noite, seu primeiro pensamento era em Ana.
Como ela estava e se já estava dormindo. Olhava para ela beijava seu rosto e novamente pegava no sono.
No serviço o assunto com Nelson além do trabalho em si, era o mesmo.
- Rapaz, o ensaio ontem foi puxado e cansativo, pois o diretor teve que repetir várias vezes uma cena por causa do não entendimento de alguns.
- O nosso ensaio é mais light, porque só precisamos mesmo fazer a cena em bloco, e o meu papel já está definido, comentou Nelson.
Na quarta-feira, depois do trabalho, foi para o Ginásio, sabia que iria encontrar Ana, mas sabia também que não poderia se aproximar dela.
Ficou a uma certa distância, mas Ana o chamou dizendo:
- Pode ficar aqui comigo, meu ex marido só vai vir no final do ensaio, mas assim que ele chegar eu o aviso.
Mais contente ele sentou-se ao seu lado na arquibancada, mas a alegria durou pouco, pois, logo a seguir ela disse:
- Ele veio mais cedo e já me viu lá debaixo, melhor a gente se separar.
Renato a contragosto saiu de perto dele e foi sentar três lances abaixo da arquibancada. Viu quando ele se aproximou dela e sentou-se ao seu lado.
Era um rapaz novo, negro e forte, e então pensou:
"O que um neto de português branco baixinho e franzino, faria se o cara descobrisse seus pensamentos em relação a Ana".
Mesmo ao lado dele ela ainda trocava mensagens com Renato pelo celular.
"Você é doidinha, e se ele lê as mensagens que você está me enviando".
"Não lê não ele acha que estou jogando aqui no celular".
Na hora do ensaio dos nobres, Ana disse que mesmo com ele junto fazia questão que Renato a acompanhasse, claro que com os outros amigos do grupo, que a essa altura já estavam mais do que certos que havia alguma coisa entre os dois.
Na saída para completar o dito cujo ainda a pegou no colo e desceu os degraus da escadaria.
Renato foi andando ao lado dos dois rapazes e as duas senhoras do grupo enquanto que Ana e o ex caminhavam na frente. De vez em quando ela virava para traz para observá-los e a impressão que Renato tinha era de que seus olhos não estavam felizes.
Rapidamente pensou:
"Imagine só, que chance um cara com o dobro da idade dela, com quatro filhos e uma companheira de 26 anos teria? Além disso, ela está divorciada dele, e namorando um médico. Talvez sua tristeza no olhar seja por que não foi o médico a vir buscá-la".
Mesmo com esse pensamento, Renato os convidou para tomarem um sorvete.
Era uma chance de ficar mais um tempinho com ela.
Antes de entrar na sorveteria Renato ligou para casa dizendo que ia se atrasar um pouco, pois, iria com uma turma tomar sorvete.
Da sorveteria, Renato se despediu de todos e foi para o escritório pegar sua mochila.
Antes de ir para casa passou em uma sorveteria e comprou sorvete para a companheira e os filhos.
No dia seguinte no ônibus que o levaria para o trabalho, recebeu uma mensagem de Ana:
"Renato! Podemos nos encontrar no shopping antes de você entrar no escritório"
"Podemos sim, ainda é cedo. Aconteceu alguma coisa?"
"Não aconteceu nada, só quero te ver, ontem não foi legal nossa despedida e nem consegui dormir direito essa noite".
O coração de Renato se encheu de emoção. Ela também estava sentindo sua falta.
No Shopping, Ana o abraçou, e ele sentiu desejo de beijá-la, mas se controlou.
Sabia que ela tinha o namorado, e não podia forçar a barra, mas seu coração já estava completamente dominado por ela.
No domingo procurou dar uma desculpa dizendo que iria se atrasar e não poderia passar no shopping como haviam combinado. Queria dissipar de uma vez por todas aquele pensamento que o atormentava, afinal sua companheira não merecia aquilo.
Lá no Ginásio, quase não conversaram e ele ficou em grupo procurando não ficar sozinho com ela.
Um esforço muito grande ao vê-la linda e ter que se distanciar um pouco dela.
Finalmente o ensaio havia terminado, e ela notando seu distanciamento, perguntou o que estava acontecendo.
-Só um pouco de dor de cabeça, tomei cerveja hoje no almoço e nem descansei um pouco, mentiu Renato.
A noite preferiu ir com ela e com o resto do grupo, para não cair em tentação.
O diretor do espetáculo havia dito que no próximo domingo os ensaios já seriam realizados nas areias da praia, para que todos se familiarizassem com o espetáculo que se aproximava.
Claro que muitos deles já estavam acostumados, mas outros como eu e Ana éramos estreantes.
A única vez em que teve contato com esse espetáculo foi em 2007, mas só para assistir. Ana, no mesmo ano havia emprestado sua voz para uma das músicas de determinada cena.
Na quarta feira novamente íamos todos ao Dondinho. Seria o último ensaio no Ginásio.
Ana estava inquieta, e não resistindo perguntou o porquê de Renato estar se distanciando dela daquela maneira.
-Fiz alguma coisa que te magoou, perguntou ela.
- Claro que não. Eu só estou tentando me livrar de um sentimento que está começando a me preocupar.
- E esse sentimento é referente a mim?
- Sim, você tem seus filhos, um namorado, mora no mesmo teto que seu ex marido, e eu também tenho minha vida definida, então me distancio o quanto posso, apesar de estarmos sempre juntos.
- Não se preocupe o que tiver que acontecer, ninguém vai impedir, respondeu Ana com segurança.
Aquela frase deixou Renato mais confuso ainda. Qual seria o sentimento dela em relação a ele?
Antes de o ensaio terminar Ana foi taxativa:
- Hoje vamos nós dois sozinhos, pois, precisamos conversar.
- Ok, você manda e eu obedeço, brincou Renato.
- Esse é o Renato que eu conheço, brincalhão e sorridente.
No caminho se despediram do grupo, e foram os dois para o centro da cidade não sem antes passarem no escritório, para apanhar a mochila.
Foi a volta mais longa que já se deu para chegar a um determinado lugar, e no caminho Renato foi dizendo o que estava sentindo em relação a ela, sem esconder mais nada.
Ana ouvia tudo com muita atenção. Em dado momento, Renato a encostou numa parede e beijou-a com paixão.
Pensou que seria afastado, mas, longe disso, ela correspondeu e procurou por outro beijo que se prolongou por vários minutos.
- Ana, não sei o que está acontecendo comigo, mas, aquilo que eu temia está acontecendo. Estou me apaixonando por você.
- Ah Renato eu não queria que isso acontecesse, mas já não consigo ficar sem pensar em você um minuto, e quando não posso me comunicar com você pelo celular porque está em casa, fico perdida.
- Devemos tomar muito cuidado com isso, você tem seu namorado, e eu...bom você sabe.
- Um namorado que apesar de gentil e carinhoso, nunca está presente quando eu mais preciso, porque também tem uma esposa.
- Mas um namorado que pode te dar um conforto para a vida toda. Coisa que eu já não poderia fazer, concorda comigo?
- Concordaria se eu colocasse somente as coisas materiais em minha vida, mas, não é o caso. Quero alguém que me dê amor de verdade, pois, já passei por muita coisa difícil em minha vida, e sinto que apesar de todo carinho que ele me dá, não me sinto segura.
Naquela noite, ele não conseguira conciliar o sono, e a toda hora levantava para tomar água pensando em toda aquela situação.
Olhava para a esposa com carinho, vendo-a dormir sem ter a noção do que estava acontecendo na mente de Renato.
Deitava-se novamente e pedia a Deus que o iluminasse e que lhe mostrasse um caminho.
Pedia a Ele que também iluminasse a mente de Ana, e que se fosse de seu agrado, que aquele sentimento entre os dois, fosse realizado.
Fim da Encenação e convite para encenar a Paixão de Cristo
22 de janeiro de 2013.
Chegava o último dia da apresentação, e todos estavam, já com saudades, pela convivência que tiveram ao longo de todo aquele processo.
Para Ana e Renato, a tristeza era mais evidente, pois, até então não haviam recebido a confirmação para participarem da Encenação da Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, e isso os deixava incomodados, por saberem que seria mais difícil se encontrarem a partir dali.
A promessa de que apenas ao final da encenação, é que eles iriam se conhecer intimamente estava se aproximando, e Renato não escondia sua ansiedade.
- Vamos marcar um dia, disse Ana, também quero te conhecer.
Dias depois, ele enviou uma mensagem para ela, dizendo que sairia do serviço e iriam se encontrar para irem a um Motel.
No horário combinado, Renato que já havia acertado com um taxista, pegou Ana e foram embora.
Via-se um nervosismo muito forte no comportamento de Ana. Nem parecia a garota que estivera com ele por tantos dias.
Comentou o fato com ela, que disse:
- Realmente estou nervosa. Na expectativa de que esse possa ser nosso último encontro, dependendo de como vou me sair com você intimamente.
- Se você não está preparada para isso podemos adiar, e tentar numa próxima vez, não estou aqui só pelo seu corpo, mas, pelo que você me transmite internamente.
Ana ficou lisonjeada com suas palavras e afirmou que deveria enfrentar aquele medo, e, portanto, iriam sim ao Motel.
Uma vez lá dentro, inibida, não quis ficar nua na sua frente, e preferiu tomar o banho sozinha.
Renato entendeu, afinal gostava muito dela, e não queria estragar aquela noite, insistindo.
Após o banho Renato sentou-se com ela à beira da cama, e conversou muito, para que ela relaxasse, e reafirmou que se não fosse do seu agrado eles marcariam outro dia.
Ana foi se sentindo relaxada e mais calma, com as palavras dele, e se amaram com todo o amor que estava acumulado dentro de si.
Ficaram lá por apenas duas horas, pois Renato não tinha justificativa plausível para se ausentar de casa por uma noite inteira.
Mentira que iria comemorar com os amigos o aniversário de um deles, e que voltaria logo.
Nunca mentira para Helena, não para esse fim, e não se sentia bem fazendo esse jogo.
Por outro lado, seu pensamento em Ana em seus braços, entregando-se a um amor proibido, o deixava feliz, mas, dividido.
Tinha que arranjar uma maneira de contar, mas no momento não conseguia coragem e as palavras certas para isso.
Dias depois, recebia um telefonema sendo informado que os ensaios para a Encenação Paixão de Cristo começariam já naquele final de semana.
Contou a novidade para Helena que mesmo chateada com a possibilidade de mais uma vez não tê-lo nos finais de semana, concordara com ele por saber que ele gostava dessas atividades.
Ana havia também recebido o telefonema, e contente mandara uma mensagem para ele.
"Vamos poder estar juntos novamente" dizia a mensagem.
Feliz, despediu-se de Helena e foi para o trabalho.
No sábado na parte da tarde, partia para o encontro com o pessoal da encenação.
A reunião e o ensaio foram realizados na Vila de São Vicente, um local criado à imagem da São Vicente antiga.
Depois das explicações por parte do diretor, todos iniciaram um exercício de aquecimento e em seguida o ensaio.
Cada um tinha seu papel, uns de destaque, como Jesus, Maria e José, Pilatos.
Outros, com destaque para as canções, incluído aí Ana.
Renato ficou por conta da percussão, trazendo de sua casa no sábado seguinte um tambor de corte.
Assim os ensaios e encontros com Ana continuaram, e a apreensão em relação a esposa e aos meninos também.
Mais o sentimento era mais forte e ele não conseguia abrir mão disso.
Uma tarde, ao chegar ao ensaio, Renato não viu Ana.
Imediatamente mandou uma mensagem para ela, mas quem respondeu foi sua filha.
"Ela não está bem, tem como você vir aqui?"
Renato comunicou o diretor que o liberou.
Era a primeira vez que ele iria ao apartamento de Ana.
Sua filha havia dito que seu pai não se encontrava em casa e ele poderia ir sossegado.
Lá dentro encontrou uma Ana abatida deitada.
- O que aconteceu com você?
Foi sua filha que explicou que ela estava triste por uma situação ocorrida em casa sem entrar e maiores detalhes.
Renato sentou-se ao seu lado e tomando sua mão foi fazendo carinho em seus cabelos.
Sua filha fez o mesmo e aos poucos Ana foi tomando cor, e se animando.
- Quer ir ao ensaio perguntou?
- Não, só vou se for com você.
- Então vamos, só vou jogar uma água no corpo e nós vamos.
Ao chegarem, o diretor imediatamente pediu que eles tomassem suas posições passando o tambor de corte para Renato.
Após o ensaio, todos ficaram, para que o diretor explicasse que já era hora de preparam as vestimentas.
Renato ligou para Helena contando do porque ficaria até mais tarde, e em seguida voltou sua atenção à fala do diretor.
- Cada um precisará trazer dinheiro para que compremos os panos que iremos usar na encenação.
Depois de tudo esclarecido e de uma das mulheres comprometer-se a comprar o material necessário todos foram liberados.
Renato e Ana ainda ficaram mais um tempo em uma praça ali nas imediações e Ana contou o que havia acontecido para que ela tivesse ficado naquele estado.
- Por que você não arranja um advogado para que ele saia de sua casa, afinal você tem dois filhos e o juiz com certeza vai manter você na casa.
Minha filha já me disse isso, mas ele é muito violento e já descobriu que estou namorando alguém, ameaçando se vingar, se por acaso eu fizer alguma coisa.
- E ele sabe com quem você está?
- Não.
Ele desconfia do médico, mas de você não.
- Mas você ainda está em contato com o médico, ou já deixou de vê-lo?
- Estou evitando responder suas mensagens, e não tenho me encontrado com ele. Seria muito injusta com você.
Quero devolver tudo o que ele me deu, mas, não tenho coragem de fazer isso, sobre o risco de ter de encontrá-lo e ele não entender.
- Ora fale que seu ex-marido está desconfiado e que quer que você devolva tudo.
- O problema é esse, ele quer que eu largue tudo e vá morar com ele, e se eu for pessoalmente devolver suas coisas, ele não vai aceitar.
- Eu posso fazer isso, se você quiser. Coloco tudo em um envelope, endereçado a ele, e entrego na sua sala. Como ele não me conhece será mais fácil.
- Você faria isso por mim?
- Claro! Assim você já se livra dessa situação.
No dia seguinte, Ana levou tudo o que havia recebido de presente, dentro de uma caixa.
Renato colocou dentro de um envelope, fechou e pediu para sair por uns instantes do serviço, e foi imediatamente ao hospital onde o médico estava dando plantão.
Descobriu que ele não havia comparecido nesse dia, e então teve a ideia de deixar o envelope na recepção aos seus cuidados.
Voltou para o serviço satisfeito. Ele que guardasse bem todos aqueles presentes "para não falar outra coisa".
Por outro lado, se perguntava se estava fazendo a coisa certa.
Estava tirando a oportunidade de Ana se firmar na vida como namorada de um médico que poderia lhe dar segurança, e um curso de medicina que era o seu sonho.
Mas assim como ele, Ana estava envolvida demais naquele relacionamento e sentia-se mulher e feliz ao lado de Renato.
Estava na hora dos artistas apresentarem oficialmente seu trabalho, e o primeiro lugar foi na rua em que o diretor morava.
Foi uma noite inesquecível e a multidão aplaudia a performance dos artistas a cada cena.
Ao final todos foram convidados para uma ceia na casa de uma das moças que fazia parte da encenação e morava na mesma rua.
Todos os instrumentos e o vestuário ficaram sob os cuidados dela, pois no sábado seguinte iriam se apresentar na Praça Hipupiara.
No sábado, com a Praça lotada, o grupo se apresentou.
Após a apresentação, todos foram para a Vila de São Vicente e lá deixaram suas coisas, voltando para suas casas.
Um ex marido ciumento
Na quarta feira á noite, Renato combinou com Ana de irem buscar suas vestimentas e seu instrumento.
Ao aproximarem-se da Vila, o ex-marido de Ana os surpreendeu, e pegando o celular começou a gravar os dois juntos, dizendo que mandaria o vídeo para sua esposa, e iria destruir sua família.
Ana tentou ponderar, mas, longe disso ele pegou na garganta de Renato ameaçando-o.
Depois largou, e foi andando enquanto os dois refeitos do susto entraram na Vila.
Seu ex-marido os seguiu, e Renato já preparado o enfrentou, dizendo que se ele fizesse alguma coisa com Ana iria se ver com ele.
- Não vou fazer nada com ela.
- Então vamos conversar propôs Renato.
- Sei que vocês são divorciados, e eu amo a Ana.
- Tenho uma situação complicada e nem sei como vou fazer, mas sei que o que sinto por ela não está mais dentro de minha razão e sim dentro do meu coração, você pode entender isso?
- Não entendo e nem quero entender, só sei que se te pegar com ela de novo não vai prestar.
- Ana interveio.
- Você não é mais meu marido, só estamos morando sob o mesmo teto. Isso não lhe dá o direito de decidir sobre minha vida, e nem com quem eu devo ou não namorar.
- Você pode namorar com quem quiser, menos com esse cara, disse ele furioso.
Isso foi a gota d'água para que Ana a partir dali se apegasse ainda mais a Renato.
Um dia de folga em casa, e sozinho Renato recebeu uma mensagem de Ana dizendo que estava sozinha e triste porque com sua folga ela não podia vê-lo.
- Queria tanto que você estivesse por perto.
- Quer me ver agora? Perguntou Renato.
Quero sim, mas como?
- Me espera lá no nosso motel favorito e em 30 minutos estarei lá.
Rapidamente tomou um banho trocou-se e falou para o filho que iria à São Vicente para ajudar a desmontar os cenários da encenação da Paixão de Cristo.
Pegou a bicicleta e saiu.
Helena havia ido a casa da mãe e não voltaria tão cedo.
Em 20 minutos já estava diante do motel, onde Ana já o esperava.
Entraram e tiveram uma tarde incrível.
Havia acabado a encenação e agora apenas se veriam, em encontros esporádicos.
Ana fazia questão de ir vê-lo no serviço, onde passava algumas horas com ele "fazendo" pesquisas.
Um dia ela ligou dizendo que o médico havia ficado chateado com ela pela devolução dos presentes e que queria ir embora com ela de qualquer maneira, perguntando a Renato o que ele achava daquilo.
Renato respondeu que a decisão teria de partir dela, pois ele não podia opinar.
- Achei que você ia me dizer para não aceitar porque queria ficar comigo.
- Ana, eu gostaria de definir minha situação em casa, mas para isso preciso que você também defina a sua.
- Já estou providenciando isso, e minha filha está de acordo que eu saia de casa e vá morar sozinha.
- Você está disposta a deixar seu apartamento, e ir embora sabe Deus para onde, com seus filhos? Quem tem de sair é ele e não você.
- Vamos fazer o seguinte tem um amigo meu aqui no serviço que é advogado e tenho certeza que vai te orientar sobre o que fazer. Vou conversar com ele e depois promovo um encontro entre vocês.
- Obrigada Renato, já não sei o que fazer.
Dias depois, Renato ligou para ela, pedindo que viesse ao serviço, que ele a levaria até o advogado.
- Diante do advogado, ela contou tudo o que havia acontecido, desde seu divórcio, sem mencionar o nome de Renato.
- O maior erro que você cometeu foi aceitar que ele ficasse sob o mesmo teto.
Ele se acha no direito ainda como marido, embora não seja mais, de ter você como esposa, e por isso não admite que você tenha outro, para não ser taxado de marido traído.
O advogado aconselhou-a a procurar um advogado de causa cível, pois, ele por ser o advogado de uma empresa, não poderia pegar seu caso, sob o risco de em uma audiência com o juiz, não estar disponível por estar em outro caso.
Ana compreendeu e já no dia seguinte providenciou tudo para constituir um advogado que pudesse reverter aquela situação.
Duas semanas depois, ela estava diante de uma advogada, que ao analisar o que Ana lhe expusera, achou melhor que ela realmente saísse de casa, e que iria, entrar com processo para que ele pagasse parte do apartamento.
Foi o bastante para que Ana tomasse sua decisão, e para surpresa de Renato, alguns dias depois, ela mandava uma mensagem, dando seu endereço novo.
Renato explodiu de alegria, e ao se dirigir ao trabalho, passou no novo endereço.
Era um quarto pequeno de Pousada, e ela havia levado somente seu filho, pois, sua filha sabendo do tamanho do quarto resolveu que ficaria com o pai.
Mais tarde ela diria que levantando pela manhã ao abrir a janela, era como se estivesse em outro mundo, e vendo seu filho ainda dormindo, chorou de alegria.
Naquela mesma manhã, Renato providenciou um carreto para que ela pegasse as coisas no apartamento, e a tarde já estava tudo organizado no quartinho.
Encenação da Fundação da Vila de São Vicente 2014
Estava chegando o mês de outubro e novamente era hora de fazer a inscrição para a Encenação da Fundação da Vila de São Vicente.
Feito todo o procedimento, e também a biometria, pois agora só entraria para os ensaios quem estivesse cadastrado e teria que colocar o dedo no aparelho, senão ficava de fora todos ficaram aguardando os telefonemas, o que viria a acontecer em novembro.
O esquema era o mesmo do ano anterior. Um novo musical contando a história da Fundação com nova roupagem e novas evoluções.
Os ensaios seriam às quartas feiras à noite na Unibr, e, aos sábados e domingos no Dondinho.
Entre novembro de 2012, data dos primeiros ensaios, até novembro de 2013, a situação do bairro não mudara nada.
O mato dentro do canal, as ruas esburacadas, e a má iluminação ainda faziam parte daquele cenário.
Como Renato, não estava ali para criticar os políticos, preferiu ficar calado dessa vez, já que no ano anterior, fez uma crítica ao governo municipal, através das redes sociais, postando fotos daquele descaso.
Não surtira efeito algum, então porque se preocupar agora?
Ao sair do serviço às quartas feiras, Renato passava primeiro na casa de Ana para pegá-la e também seu filho, e aproveitava para deixar sua mochila, documentos e celular.
Antes de saírem, Ana preparava um café bem gostoso, e eles iam alimentados.
Fazendo faculdade
No início de dezembro, Ana sugeriu a Renato, que fizesse uma faculdade, pois achava que ele tinha potencial para o nível superior, e em contrapartida, ela faria também e assim eles se veriam mais vezes.
Concordando, fizeram suas matrículas. As aulas começariam apenas em fevereiro, então não havia como comprometer os ensaios.
Depois de exaustivos ensaios, finalmente chegava a hora de ensaiar na praia.
Era prazeroso o ensaio nas areias, pois, além de ser a noite era arejado, mas ao mesmo tempo, triste porque era o prenúncio de que o espetáculo final estava chegando.
Porém agora, eles não tinham com que se preocupar, pois estariam na faculdade e na mesma sala.
A única diferença era que os encontros presenciais eram apenas na segunda feira e o restante dos estudos eram à distância, ou seja, através de um portal do aluno.
Agora só restava um dia para a apresentação e mais uma vez, o público se amontoava nas arquibancadas.
Dessa vez Helena e os meninos não quiseram assistir, e apesar de triste, Renato se sentiu mais livre para ficar com Ana.
Fim do espetáculo, agora só restava a faculdade e os encontros, na casa de Ana, um pouco antes de entrar no serviço e depois do expediente.
Alguns encontros amorosos também iam acontecendo sempre no mesmo motel, que eles já haviam batizado de "sua segunda casa" e isso fazia com que mais e mais eles se apegassem.
Iniciaram a faculdade, e agora se viam as segundas feiras quando ele passava em sua casa tomava um lanche e a seguir iam para a sala.
Era pouco para quem estava viciado em se ver todos os dias e todas as horas.
No mais só se viam quando Renato ia para o trabalho e passava lá e a noite quando saia, sempre dava um jeito de dar uma escapadinha até sua casa.
Mas alguma coisa estava para acontecer para que novamente eles se vissem nos finais de semana.
A faculdade pedia que cada aluno complementasse suas aulas com atividades extracurriculares, e Renato não titubeou.
Sendo o diretor da Encenação também Secretário da Cultura e que tinha sob sua direção as Oficinas Culturais, onde havia teatro, dança, canto, e todo tipo de arte cultural, falou com sua irmã para que intercedesse junto a ele sobre a possibilidade de trabalhar nas Oficinas aos sábados tendo como paga, apenas as horas registradas para que constasse no currículo da faculdade.
Foi orientado que fizesse um oficio direcionado à Secretaria de Cultura, para que o Secretário analisasse e aceitasse o oficio.
Renato fez um em seu nome e outro em nome de Ana.
Alguns dias depois, ele recebia uma mensagem que dizia que eles poderiam sim participar das atividades nas Oficinas aos sábados.
Feliz mandou uma mensagem para Ana.
Mais uma vez Helena se aborreceu, mas entendeu que fazia parte de seu trabalho de faculdade.
Renato compensava isso, saindo com ela aos domingos, fazendo caminhadas ou indo para alguns lugares interessantes de Santos.
Tinha um profundo carinho por Helena, que estivera com ele tantos e tantos anos passando por grandes dificuldades.
Porém, seu coração agora batia por outra mulher, e isso o fazia sofrer muito.
Encenação da Fundação da Vila de São Vicente 2015
O ano de 2014 corria a todo vapor, e o mês de outubro estava se aproximando, era mais uma vez época de novas inscrições para a Encenação.
Nas Oficinas Culturais, Ana e Renato ajudavam na confecção das peças que iriam compor o cenário do novo musical.
O amigo Nelson que já não participara da Encenação anterior, também não participaria dessa, dizendo que depois de vinte anos fazendo a mesma coisa se sentia cansado.
Estava se aposentando do serviço, e queria descanso, viajar para pegar "altas ondas" no exterior como ele dizia.
Ana aguardava ansiosa que Renato tomasse uma decisão em relação a eles e a Helena, mas, ele não conseguia tocar no assunto.
Talvez por covardia ou mesmo por medo de magoar quem sempre estivera ao seu lado.
O destino, quem pode ir contra ele?
Mais uma vez o destino iria conspirar para que as coisas tomassem um rumo decisivo.
Ao chegar do serviço, Renato foi para o banheiro levando o celular, como já vinha fazendo há algum tempo.
Quando saiu, foi interpelado por Helena, que descontrolada, perguntou com quem ele tanto falava no celular dizendo que não era boba e já tinha percebido tudo.
Sem ação, Renato foi obrigado a confessar o que se passava e que já não aguentava mais aquela situação.
Helena sabia que havia alguma coisa, mas, não contava com a resposta de Renato.
- Você perguntou, e eu estou sendo sincero, foi até bom, pois, me tirou um peso que eu estava carregando no coração há muito tempo.
Desesperada ela questionou o porquê de tudo aquilo ter acontecido, e sem ter o que dizer Renato apenas comentou que involuntariamente tinha acontecido.
Não houve mais discussão e os dois após tomarem o café foram dormir.
Nem Renato nem Helena conseguiam dormir, e passaram a conversar agora mais calmos.
Os dias transcorriam normais, em termos porque agora Helena já sabia aonde ele ia depois que saía do serviço, e aonde ia depois da faculdade.
Ainda não sabia que Ana também frequentava as aulas da faculdade às segundas feiras e Renato preferiu não comentar para não apimentar mais o assunto.
O descaso da administração vicentina continua
Os ensaios como no ano anterior se davam às quartas feiras na Unibr, e aos domingos no Dondinho, que continuava tendo ao seu redor a mesma calamidade de sempre. Parecia que aquele setor de São Vicente estava esquecido pela Prefeitura.
Aliás, não só aquele setor, mas, o setor todo chamado São Vicente.
Era um absurdo o que estavam fazendo com a cidade.
Uma cidade com uma história tão bonita, contada através da Encenação, estava abandonada pelas autoridades "in" competentes e não havia uma luz no fim do túnel para que a situação mudasse.
Era vergonhoso para o povo vicentino, ver expostas nas mídias a sujeira, a saúde, a educação e outros assuntos, de forma até jocosa.
Era vergonhoso também ver os turistas, irem para as cidades vizinhas porque não aguentavam o mau cheiro nas praias.
A Encenação, de 2015 seria mais um musical, pois, a fórmula de 2013 e 2014 estava dando certo, então por que não repetir, com outra roupagem?
Já que a realidade da cidade era o caos, melhor contar histórias lindas de sua fundação, para trazer ao peito do vicentino um orgulho momentâneo.
Novamente também, era usada a biometria, para que se adentrasse ao ginásio e mais uma vez tanto Renato quanto Ana, seriam nobres da corte portuguesa.
Armação ilimitada
Num sábado de ensaio, Renato recebeu a ligação de sua ex mulher dizendo que precisava falar com ele com urgência sobre seu filho que se encontrava em Barcelona.
- Estou ensaiando, e agora não posso sair.
- Depois do ensaio venha para cá, precisamos conversar.
Estranhando aquele telefonema, Renato contou para Ana, e os dois continuaram conversando até que seu núcleo fosse chamado.
Ana havia comprado uma papelaria em Santos e estava feliz, com seu trabalho. Também havia adquirido um carro.
Sua loja era próxima da casa de Renato e muitas vezes ele havia ido para lá para depois irem os dois para as Oficinas Culturais.
Agora para a encenação não era diferente.
Depois do ensaio, Renato levou Ana até sua casa e depois de um beijo de despedida foi para casa da ex-mulher.
Lá chegando ela lhe ofereceu um café, e começaram a conversar.
A conversa em nenhum momento girou em torno do filho em Barcelona, mas, sim sobre o que estava acontecendo com Renato e a mulher com quem ele estava saindo.
- Ela tem idade para ser sua filha, Renato, o que você está fazendo da sua união com Helena?
- Eu não sei o que está acontecendo, só sei que estou amando demais essa mulher.
Comentou que as pessoas o chamavam de "velho tolo" por estar com uma mulher mais nova, que com certeza estava tirando seu dinheiro.
- Você se engana, o mais certo era eu tirar dinheiro dela, porque ela tem carro loja e eu somente meu emprego e minhas dívidas.
- O comentário é que quem mobília a casa dela é você.
- Pois é as pessoas falam o que querem, mas a realidade é outra. Eu mal consigo manter minha casa, como vou dar dinheiro para outra mulher?
Helena sabe de minha situação, e sabe que eu não tenho como desviar um centavo do meu dinheiro.
Nesse momento, Helena saia de um outro cômodo da casa, e furiosa passou a agredi-lo com palavras pesadas.
- Ah então era uma armação?
- Você não presta Renato, tenho certeza que você desvia dinheiro de casa para dar para essa mulher.
- Sua certeza está errada Helena, e eu preferia conversar com você em casa e não nessa situação.
- Você ouviu perfeitamente o que eu disse à Mariza, não pago nada para ela, pelo contrário.
Como aquele assunto não ia acabar, Renato disse:
- Estou indo embora, vai comigo ou vai ficar aí?
Sem remédio, Helena, o acompanhou.
- No caminho Renato, inconformado, disse que Helena não precisava ter feito aquilo, envolvendo outra pessoa que embora tenha sido sua esposa, não tinha o direito de criticá-lo.
Helena se afastou e passou a andar a passos largos na frente dele.
Renato ia caminhando e pensando que seu desespero era tanto que ela pedia ajuda para que alguém o trouxesse de novo à realidade.
Pegaram o ônibus e foram conversando agora mais calmamente.
Em casa não comentaram sobre o sucedido com os filhos.
Eles não mereciam passar por aborrecimentos, já que eles tinham os seus próprios, como a falta de emprego que assolava o País e não lhes dava perspectiva alguma em relação ao futuro.
Apesar de já maiores de idade continuavam com os pais, e tinham todo o apoio deles para estudar.
Emprego era uma questão de tempo.
No domingo, Renato foi dar sua costumeira corrida na praia, mas desta vez resolveu apenas caminhar.
Ligou para Ana e colocou-a a par de tudo que havia acontecido, conversaram por várias horas, e por fim disse a ela que na segunda ao ir para o serviço passaria na sua casa.
Helena e Ana frente a frente
Helena comentou que gostaria de conversar com a moça, para ver o que estava acontecendo.
- Eu posso conseguir esse encontro desde que você me prometa que vai se comportar diante dela.
- Você me conhece e sabe que não sou uma pessoa violenta. Só quero saber o que tanto te chamou a atenção nela.
Num sábado depois de ir à loja, combinou com Helena para que ela fosse até a Praça da Vila de São Vicente que Ana se encontraria com ela.
- Saio daqui com ela e te encontro lá, por volta de 16 horas.
Ana estava insegura quanto ao que dizer e qual a reação de Helena, diante dela.
- Fique tranquila, já conversei com ela e ela me garantiu que não vai se alterar diante de você. Mas, por via das dúvidas estarei por perto, já que o assunto é entre você e ela.
Depois de saírem da loja ela a filha e Renato passaram em uma lanchonete e em seguida foram para o encontro.
Deixou a filha em frente ao prédio onde morava e depois foram para a Vila de São Vicente.
Helena já a esperava.
Renato ficou afastado, e viu quando as duas se sentaram e passaram a conversar.
Ficaram algumas horas conversando e logo após se despediram.
Renato aproximou-se e despedindo-se de Ana foi para casa com Helena.
No caminho foram conversando, e ela disse que tiveram uma conversa muito boa com Ana, e que realmente ela demonstrava gostar muito dele.
Helena entendeu que aquela situação estava fazendo muito mal a ele, e que havia dito a Ana que esperasse até que seu irmão se casasse, já que os dois eram os padrinhos e também que passasse o Natal.
Ambas concordaram.
Passado o casamento e o Natal, Renato continuava em casa, e esperou até que acabasse a Encenação.
Novamente os ensaios eram direcionados à praia, e logo depois as apresentações oficiais.
Renato levou convites para Helena, que se dispôs a ir.
Ao final de uma das apresentações, Renato saia com Ana pelos portões dos camarins, quando Helena puxou-o pelo braço.
Ana se surpreendeu, mas, despediu-se dos dois, sem alarde, apenas com o olhar triste.
Renato e Helena saiam e foram para casa.
No caminho iam falando da encenação da qual ela gostara muito já que na primeira vez que foi havia chovido muito.
Não tocaram no assunto Ana naquele dia.
Era como se ela estivesse já conformada com tudo.
Passada a encenação, Renato continuava indo na loja antes de ir para o serviço.
Agora Helena já sabia que ela tinha uma loja ali perto, e que ele ia lá antes do trabalho.
Ainda ficou o mês de fevereiro com ela e parte de março.
Arrumando suas malas
A própria Helena preparou suas malas, parecia conformada com a separação e em meados de março ele saía definitivamente de sua vida
Foi difícil os primeiros dias e Renato por várias vezes foi apanhado por Ana chorando, ao ponto de sugerir a ele que voltasse para casa, pois via que ele estava sofrendo com uma separação de tantos anos.
Renato estava disposto a voltar para casa, porém uma coisa aconteceu fazendo com que ele revisse a situação.
Um dia estando em casa (no quarto agora maior que eles haviam conseguido na Pousada), Ana recebeu a visita inesperada de Helena.
Renato estava no trabalho quando as duas apareceram e Helena foi logo brigando com ele.
Ainda não tinha almoçado, pois, aguardava que Ana levasse a sua comida.
- Sua comida está esparramada no quintal da Pousada, disse Helena com raiva.
Ela havia ido à casa para criticar Ana por uma situação que havia acontecido em sua casa.
Acreditava que o culpado era Renato, e demorou muito tempo para que ele comprovasse que não tinha culpa nenhuma.
Com isso a vontade de voltar para ela, acabou ficando para trás por causa de sua reação impensada.
Em outubro de 2015 ambos mudavam para uma casa maior, e em 25 de junho de 2016, finalmente Renato podia dar seu sobrenome à Ana.
Queriam participar da encenação de para 2016 mas agora os tempos eram outros.
Tempos depois se mudavam para um apartamento mais confortável, onde estão até hoje.
Quanto à Helena tornou-se sua amiga, e Renato vai sempre à sua casa, visitá-la e ver os filhos. Também os filhos já aceitam a situação, pois compreenderam que os mistérios do coração só Deus pode decifrar.
Em novembro de 2016, talvez por toda a pressão pela qual havia passado, Renato adquiriu um linfoma no estômago e depois de vários testes, no início de 2017 e confirmada a doença passou a fazer sessões de quimioterapia, e após várias sessões já não havia mais vestígios da doença. Foi-lhe aconselhado a fazer radioterapia, para que o mal não voltasse a qual ele seguiu à risca.
Uma batalha pesada e complicada, mas, que teve um desfecho feliz.
