PARTE QUATRO

Criar uma Loja Virtual Grátis
PARTE QUATRO

      Mas seu Carlos não sossegaria enquanto não tivesse sua própria casinha, por isso a meta agora era deixar uma área limpa para se concentrarem na construção.

Seu Pedro aparecia na chácara apenas de vez em quando, e assim mesmo sozinho apenas para ver se precisavam de alguma coisa para os animais ou fertilizante para as árvores, e em seguida ia embora, mas seu Carlos sentia-se incomodado por saber que aquele teto não lhe pertencia.

Demarcado o local a família se concentrou em limpá-lo e em pouco tempo já estava pronto para a construção.

Seu Carlos comprou o material de construção necessário solicitado pelo pai, e assim, deixavam momentaneamente o trabalho de limpeza do terreno para se dedicarem a levantar uma casinha, provisória.

- Essa vai ser só prá quebrar o galho, para podermos sair da casa do Pedro. A casa que quero construir vai levar muito mais tempo ainda, pois quero construí-la do jeito que sempre sonhei.

Tempos depois, já tinham um teto próprio para morar.

Seu Luiz havia levantado um cômodo com dois quartos pequenos e a cozinha ficava num galpão semiaberto com uma parede apenas para que o vento não atrapalhasse na hora em que o fogão estivesse aceso.

Levaram os pertences para a casa, deixando apenas a cama do tio Moacir, e do vô Luiz, que continuariam na casa, cuidando das aves e árvores de seu Pedro.

Pela manhã o tio e o avô, subiam com alguns baldes d'água, que pegavam na fonte que formava o lago no terreno de seu Pedro e dona Gisa preparava o café.

Depois guardava o restante em um filtro de barro que haviam comprado.

Precisavam urgentemente cavar um poço.

Perigo a 40 metros de profundidade

Renato havia saído do armazém em que o pai trabalhava, e estava agora trabalhando em São Paulo.

Reinaldo havia saído do curso, pois com a mudança para Ribeirão Pires, estudar na Capital estava muito difícil. Havia sido dispensado do serviço militar, e sua preocupação agora era ter um emprego.

Enquanto isso não acontecia, iria ajudar o tio a cavar o poço.

A chácara já estava em estado adiantado com quase 80% da área pronta para receber plantação. Haviam propositalmente deixado uma área grande, com as árvores nativas intactas, onde construíram banquinhos e mesas de madeira.

Ali seria o bosque da família, disse seu Carlos.

Em fevereiro de 72 Renato deixava o emprego em São Paulo pois para ele estava ficando muito cansativo.

Saía do emprego às 18h00 pegando o ônibus para Ribeirão no Parque Dom Pedro, mas só conseguia chegar em casa por volta de 22h30, pois de Ribeirão até a subida para a chácara, não havia mais ônibus e lá ia ele estrada afora a pé.

O problema era que pela estrada havia luz nos postes, mas, quando subia o morro, a escuridão era total, por isso sempre andava com uma lanterna a tiracolo.

Em dias de chuva as coisas pioravam por causa da lama.

Falando com o pai este concordou.

- Enquanto você não consegue outro emprego, pode ajudar seu tio e seu irmão a cavar o poço.

Resolveram que o poço seria próximo da casa já construída, pelo motivo óbvio que não precisariam ir lá em baixo buscar a água e trazer até a casa.

Assim munidos de balde, sarilho e cordas, tio e sobrinhos iniciaram aquele trabalho árduo.

Só que na parte mais alta justamente onde se encontrava a casa, após cavarem 40 metros terra adentro, o trabalho acabou dando em nada, ou melhor, deu em gás.

Conversando com entendidos no assunto na vila, seu Carlos descobriu que água mesmo só achariam na parte mais baixa do terreno.

Se tivessem perguntado antes, não teriam perdido um tempo enorme.

Seu Carlos então resolveu que a casa principal seria construída na parte baixa do terreno, e o poço seria aberto ali.

Água finalmente!

De fato, depois de algum tempo e 30 metros cavados, logo começava a brotar água lá no fundo, e foi uma grande alegria para o tio Moacir que gritou quando se deparou com a água jorrando.

Renato e Reinaldo se revezavam no sarilho, puxando a terra molhada que o tio colocava no balde.

Em poucos minutos a água já atingia um metro, mas segundo os entendidos, ainda assim era necessário que se cavasse mais um metro, para que a água chegasse limpa.

A construção da casa principal feita de madeira, seria lenta e gradual.

- Se vamos construir nosso teto definitivo, que seja da maneira que planejarmos com conforto para todos.

Nesse tempo, Reinaldo havia conseguido um emprego em uma indústria química na divisa com Rio Grande da Serra, e Renato estava trabalhando em uma firma de componentes eletrônicos em Ribeirão Pires.

Agora podiam ajudar o pai, na compra do material de construção, pois estavam ganhando razoavelmente bem.

Por conta do trabalho em sistema de turno e mais o trabalho na chácara, tanto Renato quanto Reinaldo deixavam os passeios à São Vicente um pouco de lado.

Finalmente a tão sonhada casa estava pronta. Com três quartos, uma sala enorme, cozinha com fogão à lenha e uma área de serviço parcialmente coberta para que nos dias de chuva dona Gisa não reclamasse que não podia secar as roupas.

Agora Renato e Reinaldo estavam mais sossegados e podiam novamente ir para São Vicente nas folgas.

O fim da Turma da Caveira

Já não era mais a mesma coisa, pois os amigos estavam namorando sério e outros até se casando, e assim a Turma da Caveira e a banda Cosmos Originary ia aos poucos se desfazendo.

A curtição agora era a praia e os bailes do Beira e do Praia Clube.

Reinaldo havia comprado um toca discos que funcionava com aquelas pilhas enormes, e ele e o irmão podiam ouvir seus discos de rock.

No quarto deles posters e mais posters de bandas de rock colados na parede. Zeppelin, Purple, Sabbath, Beatles, Pink Floyd, T. Rex, e a sensação do momento Alice Cooper.

Os pôsteres vinham numa revista de rock lançada recentemente que eles colecionavam.

A coleção de discos, também estava aumentando, pois tinha vezes que os irmãos saíam com destino à Santos, mas ao passarem por uma loja de discos em Santo André, não resistiam à tentação de mais um álbum para a coleção, e aí para surpresa dos pais, lá estavam eles de volta à chácara, ás vezes com dois ou três discos na mão, para desespero de seu Carlos.

O chiqueiro e o galinheiro já estavam prontos e seu Carlos comprou um casal de porcos de raça alemã, assim como um galo e algumas galinhas.

Ao mesmo tempo, começavam a plantar vários tipos de árvores frutíferas, canteiros com legumes e verduras, além de um grande carramanchão na entrada da chácara com parreira se espalhando por ele.

Comprou também um cavalo e uma carroça para que o tio Moacir pudesse buscar lavagem no restaurante da vila, para dar aos porcos.

O rock e suas performances teatrais

Deep Purple, Led Zeppelin e Black Sabbath, se firmavam cada vez mais no cenário do rock.

Surgiam também outras bandas: Uriah Heep, Nazareth e Slade entre outros.

Os discos do Alice Cooper, banda liderada pelo vocalista Vincent Furnier, estavam chegando aos montes nas lojas do Brasil e se tornavam conhecidos pelo álbum Billion Dollar Babies de 1973.

Já era o sexto ábum do grupo embora os dois primeiros Pretties For You de 69 e Easy Action de 70 (que chegaram ao Brasil em forma de álbum duplo), não acrescentassem nada ao mundo do rock.

Eles só se firmariam mesmo como rockeiros na essência, com o lançamento de Love It To Death lançado pela Warner Bros trazendo entre as faixas: Ballad of Dwight Fry, que é uma referência ao ator de Hollywood, Dwight Frye, (1899-1943), cuja carreira se estendeu durante as décadas de vinte, trinta e quarenta.

Ele é mais notório pelo seu papel como o corcunda Fritz em Frankenstein e Reinfield em Drácula, nas primeiras versões produzidas para o cinema. Alice Cooper compôs a letra da canção lembrando seu primeiro período em uma clínica de desintoxicação alcoólica, onde segundo ele, se sentia como o personagem Reinfield, que Frye tão habilmente personificou.

Por outro lado, aqui no Brasil tínhamos Secos & Molhados, que embora não contassem histórias quilométricas em suas músicas, se apresentavam maquiados ao extremo, com o vocalista Ney Matogrosso exibindo sua dança cheia de trejeitos.

Seu primeiro álbum de 73 autointitulado, trazia o hit Sangue Latino, O Vira e o poema de Vinícius de Moraes adaptado por Gerson Conrad: Rosa de Hiroshima.

Campeonato Paulista de 1973 - O dia em que um juiz errou na matemática

Em 26 de agosto de 73 o Santos cheio de caras novas volta a conquistar o campeonato paulista. É o décimo terceiro de sua história, com Pelé sendo o artilheiro da competição com 11 gols.

Por causa de um erro grotesco do juiz Armando Marques, o título que havia sido decidido em penalidades, acabou sendo dividido com a Portuguesa de Desportos.

Renato havia acabado de sair da firma de Ribeirão Pires, pois, havia sido chamado para trabalhar na Indústria Química onde o irmão trabalhava, embora em outro setor.

Os parentes de seu Carlos e dona Gisa, continuavam visitando a chácara todos os finais de semana, onde se divertiam no bosque ouvindo os discos de seu Carlos, bebendo cerveja que vinham acondicionadas em caixas de isopor com muito gelo e churrasco ou as feijoadas que dona Gisa preparava como ninguém.

Nesses dias os meninos nem se atreviam a querer colocar seus discos de rock pra tocar pois não era a praia dos parentes que preferiam os samba-canção do seu Carlos.

Assim, eles saiam com os primos pela mata virgem ao redor da chácara.

Não era sempre que eles podiam ficar com os pais e os parentes, pois, como trabalhavam em sistema de turno acontecia de suas folgas serem no meio da semana, e era nesses dias que eles desciam a serra (quando não havia nenhum disco novo na praça, claro).

Reinaldo estava entrando de férias, e comunicou a todos que iria passá-la integralmente em São Vicente para descansar um pouco de todo aquele trabalho na chácara.

Renato com menos tempo no emprego ainda não tinha direito a férias por isso teve que se contentar com as folgas de turno para poder descer também.

Numa tarde após ter chegado do trabalho, antes de subir para a chácara, foi buscar pão na padaria da vila.

Uma gata no meio do mato

Lá dentro se deparou com uma moça acompanhada de uma garotinha.

Era linda, loura de olhos verdes e sorridente.

Renato se aproximou dela cumprimentando-a, e dirigindo-se à garotinha brincou com ela dizendo que era muito bonitinha.

Essa foi a deixa para puxar conversa com a moça.

- Olá meu nome é Renato, é a primeira vez que a vejo aqui.

- Meu nome é Lia e essa é minha irmãzinha Lídia, é verdade, acabamos de nos mudar para cá, meu pai comprou uma chácara ali atrás do posto de gasolina, na entrada da vila.

- Eu já estou há mais tempo, temos uma chácara lá no alto do morro.

Compraram seus pães e saíram.

- Você não quer ir até minha casa? convidou Lia.

- Posso ir sim, é caminho.

Entraram por uma mata densa que ficava atrás do posto.

Logo na frente um enorme portão de madeira, e mais adiante a casa, de alvenaria, e pintada de branco. Muito bonita.

No quintal, patos e galinhas ciscavam fazendo uma barulheira enorme.

Ao chegarem, Lia se apressou em apresentá-lo à sua mãe, aos dois irmãos, Pedro e Paulo e as irmãs Carla e Carina.

O pai trabalhava em outra cidade e só aparecia por lá nos fins de semana, havia dito Lia, no meio das apresentações.

Depois de conversarem por algum tempo, Renato se despediu e Lia o acompanhou até a saída da chácara.

- Agora você está me devendo uma visita, brincou ele.

Lia se aproximou para beijá-lo no rosto, mas Renato não resistindo. Beijou-a na boca.

Pediu desculpas pelo atrevimento, mas Lia, longe de brigar, puxou-o contra si e beijou-o com mais força.

Renato sorriu e foi embora.

Dentro dele um sentimento novo estava nascendo.

Na tarde seguinte foi novamente buscar o pão, claro que na esperança de encontrá-la.

Ela já estava em frente ao posto.

- Comprei o pão mais cedo e só estava te esperando. Vi quando você desceu do ônibus da sua firma. Posso ir conhecer sua chácara?

- Claro, está disposta a subir o morro?

- Vamos lá.

Pelo caminho, paravam para se abraçar e se beijar.

- Lia, você está reascendendo um sentimento que eu havia esquecido a alguns anos.

- Eu também estou me sentindo assim, Renato.

Já em casa Renato a apresentou a todos.

Notou que ao ser apresentada à dona Gisa, esta franziu a testa. Sabia que quando a mãe fazia isso era sinal de que alguma coisa não estava de acordo, porém não se ateve demais ao fato.

A partir desse dia começaram a namorar, e não havia um só dia ou folga em que os dois não estivessem juntos, ou na sua casa ou na casa dela.

Se Renato estava trabalhando na parte da tarde, ia encontrá-la de manhã, se estava trabalhando à noite, dificilmente dormia, pois queria ficar acordado e com ela.

Estava virando um verdadeiro grude.

Parecia que aquele sentimento que tivera por Cíntia, estava definitivamente se apagando.

As férias de Reinaldo estavam terminando, e ele voltou para casa três dias antes. Queria ficar um pouco com os pais antes de retornar ao trabalho.

Renato que naquela semana estava no turno da noite e havia acabado de chegar, tomava seu café da manhã junto com todos.

Contou ao irmão sobre Lia, e mais tarde iria buscá-la para apresentá-la a ele.

Outra decepção amorosa

Assim à tarde ele foi buscá-la e em poucos minutos Reinaldo a conhecia.

Parecia que um raio havia atingido os dois.

Lembrava muito aqueles desenhos animados em que o casal fica paralisado e coraçõezinhos saem deles.

Renato sentiu que alguma coisa estava errada e que estava acabando de perder a namorada.

Foi tomar um banho para ir para o trabalho, e quando retornou ao quarto, Reinaldo e Lia, estavam na varanda conversando. Do seu quarto podia ouvir o que diziam, embora não tivesse interesse nisso, porém uma frase dita por Reinaldo, fez com que ele passasse a prestar a atenção na conversa:

- Mas você está namorando meu irmão e isso não seria justo.

- Eu sei disso, mas ao te ver parece que tomei um choque.

-Também me senti assim, mas não posso trair meu irmão.

Ao ouvir aquilo, Renato sentiu o mesmo soco no estômago que havia sentido quando seu pai havia dito ainda lá em Garça que Cíntia tinha ido embora da cidade.

Porém mostrou-se frio como se nada estivesse acontecendo. Depois de pronto surgiu diante deles, chamando Lia para irem embora.

Mesmo no escuro percebeu um olhar de tristeza de Lia ao olhar para Reinaldo.

Dona Gisa perguntou se podia colocar a janta dele, mas havia até perdido a vontade de comer.

- Não mãe! Estou sem fome, depois como alguma coisa lá no serviço.

- Mas nós já vamos? Perguntou Lia.

- Sim, vamos respondeu quase que secamente.

Ela olhou para Reinaldo e com a voz quase sumida disse tchau.

No caminho Renato não abriu a boca, esperava que ela dissesse alguma coisa.

- Muito bonito seu irmão disse ela finalmente rompendo o silêncio.

- É verdade, e muito charmoso também, respondeu Renato, gostou dele?

A pergunta vinha com um duplo sentido e sarcasmo, mas Lia soube se desvencilhar dela.

- Gostei sim, ele é muito simpático.

(falsa) pensou Renato.

Já no portão da chácara Lia quis beijá-lo porém Renato de esquivou.

- Está acontecendo alguma coisa? Perguntou ela.

- Não sei, está? Respondeu Renato novamente com sarcasmo.

- Vai me levar até a porta de casa?

- Não, daqui volto para esperar o ônibus.

Ia dentro do ônibus pensando no que havia acontecido e apesar de triste procurou ver aquilo com bons olhos. Se imaginou com ela a mais tempo, já completamente seduzido, e passando por aquela situação.

Seria muito pior de aguentar, ainda bem que aconteceu no início, assim tenho como me recompor, pensou com seus botões.

No trabalho procurou se concentrar apenas nos seus afazeres e na hora do lanche, já se sentia mais aliviado (o soco no estômago já estava passando).

Pela manhã no caminho de volta para casa, já sabia o que fazer.

Tinha passado na padaria e trazia pão fresquinho.

Dona Gisa já estava preparando o café enquanto o pai se preparava para ir trabalhar.

Aproveitando que estavam os dois sozinhos na cozinha, dona Gisa perguntou o que havia acontecido naquela noite para que ele estivesse tão abalado, a ponto de não querer jantar.

Renato contou tudo à ela.

- Eu sabia. Quando você a trouxe aqui pela primeira vez senti que alguma coisa nela não estava certa.

- É verdade, eu percebi sua reação pelo seu semblante, mas não se preocupe mãe, eu já sei o que preciso fazer.

- Veja lá o que vai fazer filho, não cometa nenhuma besteira.

- Claro que não dona Gisa, só não sei se o que vou fazer é o certo.

Mais tarde foi buscar Lia em sua casa. Queria colocá-la frente à frente com Reinaldo.

No caminho de volta não comentou nada com ela e para não levantar suspeita vieram abraçados morro acima.

Chamou Reinaldo e foram os três para o bosque.

- Olha só, eu acredito em paixão à primeira vista e acho que foi exatamente isso que aconteceu quando eu os apresentei um ao outro.

- Mas, mano...

- Quieto Reinaldo, o que estou tentando dizer é que ontem quando saí do banho e fui me trocar no quarto, ouvi o que vocês conversavam. Para mim foi como se tivesse tomado um chute no estômago por isso nem quis ficar muito tempo em casa, preferindo ir para o trabalho imediatamente.

- Hoje já mais calmo posso dizer com certeza que ainda não estou preparado para assumir alguma coisa com você Lia e nem com mulher nenhuma. Ainda tenho alguma coisa para tirar do meu coração, para aí sim estar livre.

Reinaldo olhou para Renato sabendo que ele estava referindo-se a garota de Garça.

- Além do mais não seria justo estar com você sabendo que seu pensamento está em meu irmão, então estou tirando meu time de campo e deixando o caminho livre para vocês.

Lia e Reinaldo sem ação ainda quiseram argumentar alguma coisa, mas Renato os impediu dizendo:

- E você dona Lia, trate de fazer meu irmão feliz, do contrário vai se haver comigo.

- Obrigado mano, por não estar rancoroso conosco.

Renato desceu até a casa e abraçando dona Gisa disse:

- Pronto mãe! Resolvi tudo da melhor maneira possível.

Pouco depois desciam Lia e Reinaldo e a apreensão de dona Gisa estava longe de acabar.

Renato agora nas suas folgas não queria mais saber de comprar discos em Santo André e preferia descer a serra e ficar em companhia dos primos e dos amigos.

Não queria atrapalhar os pombinhos que não se desgrudavam mais.

Nos dias em que estava trabalhando quando chegava em casa tratava de ir para o quarto ler suas revistas de rock e ouvir seus discos.

Algum tempo depois, Lia ia morar com Reinaldo na chácara.

O tio Moacir passou a ficar no quarto com Renato e seu quarto ficaria para os dois, visto que o avô depois de algum tempo, resolvera voltar para sua casa em São Vicente, pois queria no tempo de vida que ainda lhe restava, reformar a casa e construir uma outra no mesmo terreno para os filhos.

Num final de semana, como era de hábito, Tia Bel, e os filhos vieram passear na chácara, e resolveram junto com Reinaldo, Lia e seus irmãos, irem tomar banho e pescar na represa que existia próximo dali.

Todos se divertiam e os que tinham mais afinidade com a natação, se arriscavam a pular da ponte ou então nadar para locais mais profundos.

Quem não sabia nadar, ficava ali pela margem apenas pescando.

Não foi o caso de Pedro irmão de Lia, que, inadvertidamente, acabou se distanciando da margem.

Em poucos segundos começou a afundar e gritar por socorro.

Renato mergulhou e se aproximou dele, mas quando isso acontecia, Pedro se agarrava desesperado fazendo com que ele também afundasse, e Renato tinha que se desvencilhar dele.

Depois voltava para tentar salvá-lo e a cena se repetia.

Quase sem forças, Renato gritou para o primo Wilsinho que pegasse uma das varas mais compridas que eles haviam trazido, e, segurando na ponta agarrou Pedro pelos cabelos e do outro lado Reinaldo, Wilsinho e Paulo, puxavam os dois.

Pouco depois, extenuados os dois estavam na margem, sem a necessidade de respiração boca a boca, pois, não haviam engolido muita água.

       Já na Vila, entraram em um barzinho e tomaram sozinhos, uma garrafa inteira de Coca Cola.

Assim o tempo passou, mas a situação na chácara não era a mesma.

Dona Gisa e Lia não se bicavam, mas ela nunca foi de maltratar ninguém e preferia curtir sua tristeza sozinha, sem que ninguém percebesse, pois, perto de Reinaldo, Renato e seu Carlos, Lia se transformava num cordeirinho.

Bastava estarem juntas e sozinhas para que ela atazanasse a vida de dona Gisa.

Seu Carlos que não era bobo, percebia a tristeza dela, e um dia obrigou-a a contar o que estava acontecendo.

A fuga para Santos

Um dia ao voltarem do trabalho depois de fazerem o turno da manhã, não encontraram os pais em casa.

- O que houve? Perguntou Reinaldo à Lia

- Não sei, disse Lia, só sei que seus pais pegaram as roupas no quarto e disseram que iam para Santos.

O tio Moacir que estava no quarto descansando, comentou que eles haviam dito a ele que não tinham pretensão de voltar mais, e que seu Carlos preferia vir de Santos a São Paulo para trabalhar do que continuar ali.

- Mas o que aconteceu de tão grave, o que você andou aprontando com os meus pais? Perguntou Reinaldo.

- Não aprontei nada, eles é que já estão velhos e enjoados.

Foi o bastante para Renato começar uma discussão com ela que logo foi contida pelo irmão e pelo tio Moacir.

Renato estava triste, aquela chácara depois que os pais se foram, não era mais a mesma, e nem os parentes vinham visitá-los.

O tio Moacir também se sentia só, e os dois se apegavam no trabalho com afinco, cuidando dos porcos que haviam se multiplicado, das aves e da plantação.

Alice Cooper em São Paulo

Alice Cooper estava vindo ao Brasil numa turnê chamada Billion Dollar Babies, cujo álbum já fazia parte da coleção dos meninos.

Nascido em Detroit em 1948, Vincent Damon Furnier, formou suas primeiras bandas na década de 60, mas foi em 69 que montou o Alice Cooper junto com Mike Bruce e Glen Buxton (guitarras), Dennis Dunaway (baixo) e Neil Smith (bateria).

O sucesso do grupo começou no momento em que o produtor Bob Ezrin aconselhou o vocalista a fazer performances teatrais nas apresentações, abusando de efeitos teatrais de horror e com sua jiboia chamada Kachina que deslizava pelo seu corpo.

Os primos e os amigos de São Vicente manifestaram o desejo de assistir a esse show que seria realizado no Anhembi em uma única apresentação e depois a banda iria para o Rio de Janeiro.

Claro que Renato e Reinaldo iriam ver o show mesmo com todo o empenho de Lia para que Reinaldo não fosse.

- Mas não tem ninguém nesse mundo que me impeça de ir, disse Reinaldo, bravo.

Assim ficou acertado que os primos e os amigos viriam para a chácara no dia anterior ao show, para que eles pudessem estar na frente dos portões do Anhembi no dia seguinte bem cedinho.

Naquela tarde-noite na chácara ao som de muito rock na vitrola à pilha dos meninos, regado à maconha, ninguém pregou o olho para desespero de Lia que brigava com todos, e principalmente com Reinaldo que não estava nem aí pra nada e enfrentava a fera com firmeza.

- Vocês nem se importam com seu tio que está cansado e precisa dormir.

- Deixa o pessoal se divertir, dizia o tio.

E assim a bagunça se prolongou até altas horas da madrugada.

Na manhã seguinte, com o mau humor que lhe era característico, Lia foi preparar o café enquanto a turma toda ia buscar o pão na vila, cantando alto e em um mau inglês, as músicas do Billion Dollar Babies.

Depois do café, com suas mochilas às costas, todos iam para São Paulo, enquanto tio Moacir subia para cuidar da criação.

Havia gente de todos os lugares do Brasil e em pouco tempo, o local ficou completamente lotado.

Quando os portões se abriram, foi um corre-corre para pegar os lugares lá na frente.

Como não havia cadeiras, o público teria que assistir ao show ou sentado mesmo ou em pé.

A maresia corria solta, mas a segurança nem estava se importando com isso.

Se fosse prender quem estivesse fumando não ficaria quase ninguém para o show.

No palco O Som Nosso de Cada Dia animava a turma.

Haviam montado um ambulatório de emergência próximo ao palco, para o caso de necessidade.

O calor lá dentro devido à quantidade de pessoas estava insuportável e muita gente antes do início do show já estava passando mal. Fosse por causa do calor fosse por causa da maconha que se fumava exageradamente.

Foi o caso de um dos amigos de Renato e Reinaldo, que não ligando para o conselho que lhe davam para que maneirasse, continuava queimando tudo.

- Cara, tu não vais conseguir ver nem o início do show desse jeito, comentou Reinaldo.

- Que nada, eu tô legal.

Alguns instantes depois as luzes se apagaram, dando lugar a canhões de luzes coloridas e muito efeito.

Depois os canhões se apagaram dando lugar novamente às luzes comuns.

No palco: Alice e sua cobra Kachina, Bruce, Buxton, Dennis e Smith iniciavam a batida de Billion Dollar Babies, para delírio de todos.

O amigo fumeta começou a passar mal, e levá-lo para o ambulatório seria difícil da maneira natural.

O jeito foi passá-lo por cima das pessoas que iam passando para outras e assim por diante até chegar ao palco, onde seguranças e enfermeiros o levaram para dentro do ambulatório. Isso foi feito não apenas com ele, claro, mas com outras pessoas que estavam se sentindo mal.

Os amigos nem tinham como acompanhá-lo.

- Deixem ele lá, logo se recupera, depois do show a gente dá um jeito de encontrá-lo, sugeriu Renato.

Até ali apenas alguns casos desse tipo apareceram, mas quando a banda começou a tocar os acordes de Elected, considerada pelos brasileiros como o carro chefe do álbum, por ser a música mais executada nas rádios, aí o Anhembi veio abaixo.

Começou um empurra-empurra, com gente caindo e sendo pisoteada. Todos queriam se aproximar mais do palco. E quem já estava lá na frente sofria mais as consequências, por não ter onde se apoiar.

O vocalista parou a música e pediu calma a todos, do contrário iria parar o show.

Foi o suficiente para que todos se acalmassem.

Para medir a dimensão do problema, Renato que havia ido com sua jaqueta, e trazia no bolso um maço de cigarros, ao tirá-lo do bolso, tudo o que encontrou foi apenas uma pasta de fumo misturada com o papel do cigarro.

Já com os ânimos mais calmos por medo de que a banda fosse embora, o show continuou.

No palco Alice entrava com uma escova e uma pasta de dentes enorme para cantar Unfinished Sweet.

Em outro momento trazia uma boneca decapitada na mão para a música Dead Babies.

Músicas de outros álbuns também foram cantadas.

No final do show, o resultado negativo era de apenas algumas pessoas feridas sem gravidade pelo tumulto, e muitas das que estavam no ambulatório era mesmo por overdose de calor e de maconha.

O amigo dos irmãos estava nessa lista.

Na volta para Ribeirão não pode deixar de ser zoado pelos amigos.

- Tá vendo sua besta, daqui a alguns anos o que você dirá para seus filhos quando eles ouvirem falar de Alice Cooper? Eu fui ao show, mas, não assisti, porque tinha bodeado, cutucou Reinaldo.

Ele nem tinha o que responder.

Voltaram para a chácara onde Lia esperava Reinaldo com aquele lindo rosto de poucos amigos.

Era bonita, mas, sabia fazer cara feia quando precisava.

Na manhã seguinte os amigos voltaram para São Vicente.

Renato segue o caminho dos pais

A chácara voltou à sua normalidade, porém, Renato não se sentia à vontade e depois de ponderar consigo mesmo decidiu ir morar sozinho apesar de todo o empenho de Reinaldo e Lia para que ele não fosse.

Alugou um quarto num dos poucos predinhos que havia no centro de Ribeirão e levou para lá somente suas roupas.

Assim começou uma nova rotina de vida. Normalmente almoçava ou jantava no próprio restaurante da firma.

No final do ano como estava no turno da noite, teve que comemorar o Ano Novo trabalhando, junto claro com os colegas de trabalho.

Montaram uma mesa próxima às suas máquinas (eram operadores de máquinas de extrusão), com vários tipos de comida e frutas que cada um deles se encarregara de trazer.

      Bebida alcoólica nem pensar, apenas um espumante para brindar na passagem de ano.

Enquanto comemoravam suas máquinas não paravam de trabalhar.

Era uma turma muito unida e não podia faltar a troca de presentes no famoso Amigo Secreto.

No dia 21 de fevereiro entrava em férias.

Já havia comunicado seus superiores que talvez não voltasse mais, pois sentia muita saudade dos pais que estavam em Santos e também do irmão a quem só via raramente no portão de entrada da firma.

Reinaldo sempre pedia para que ele voltasse para a chácara, mas, ele recusava.

- Mano, minha vontade é de largar tudo isso aqui e ir morar com nossos pais.

- Mas você não vai conseguir um emprego melhor do que esse lá, pode ter certeza.

- Eu sei disso.

De férias desceu a serra e foi ficar com os pais que estavam morando com a irmã dele, tia Maria, numa casa enorme onde passaram a dividir o aluguel.

Ali conheceu Marlene que trabalhava com a tia que tinha um salão de beleza na casa.

Começou a flertar com ela, mas, sem nada mais sério.

No final de seu expediente gostava de acompanhá-la até a avenida da praia, onde ela pegava uma condução para São Vicente onde morava.

Renato já havia comunicado os pais de sua decisão de não voltar a trabalhar em Ribeirão Pires e que terminadas as férias iria apenas para pedir demissão.

Seu Carlos que sabia o que ele estava sentindo e o queria sempre por perto, concordou.

- Aqui com certeza você vai conseguir um emprego bom também, disse ele.

Tia Maria se prontificou a arrumar o quarto que existia no fundo do quintal, onde eram guardadas suas tranqueiras e as tranqueiras do filho Jonas.

No dia 15 de março estava de volta ao trabalho apenas para confirmar sua saída da firma.

Já havia comunicado o gerente do prédio onde havia se hospedado, e só passaria lá para pegar suas roupas.

Assim no dia 21 do mesmo mês, mesmo com a promessa por parte de seu encarregado de turno de um aumento para que ele não saísse, ele não cedeu.

- Agradeço muito tudo o que vocês fizeram e estão fazendo por mim, mas infelizmente não posso continuar pelas questões pessoais que você já conhece, disse ele ao encarregado.

Por ser considerado um bom empregado, a direção resolveu que pagaria todos os seus direitos como se ela a empresa, o estivesse demitindo.

Na sua carteira ainda viria o aumento prometido pelo encarregado.

Sabia que não estava fazendo a coisa certa, e que dificilmente conseguiria outro emprego do mesmo nível, mas seu coração falava mais forte do que a razão.

Um novo emprego e uma nova namorada

Já na casa de tia Maria e junto com os pais, Renato estava se sentindo no paraíso.

O passo seguinte era conseguir um emprego, pois havia se comprometido a pagar o aluguel do quarto porque não queria que o pai arcasse com essa despesa, que ele havia criado.

Ao mesmo tempo iniciava um namoro com Marlene. Dessa vez dona Gisa não franziu a testa, mas brincou dizendo que ele não perdia tempo.

- Primeiro uma loura, agora uma morena, disse ela.

- Pois é mãe, a branquinha de cabelos negros lá de Garça não me quis. Fazer o quê?

Marlene era uma garota de cor negra, muito bonita e esforçada.

Tia Maria gostava muito de seu trabalho.

Em junho de 75 Renato conseguia um emprego de almoxarife numa transportadora.

Embora nunca tivesse ouvido a palavra almoxarife, enfrentou o desafio, dizendo ao encarregado, que só teria prática se ele lhe desse uma oportunidade.

- Eu posso não conhecer o trabalho, mas não sou burro, e com certeza vou aprender bem rápido, o que eu preciso é do emprego.

 Diante do argumento, o encarregado pediu que ele voltasse no dia seguinte já para começar a trabalhar.

 Seu trabalho seria o de colocar em ordem todo o material que era usado na reforma dos caminhões que iam parar na oficina.

Esse material estava amontoado em um canto num pequeno cômodo ao qual eles chamavam de almoxarifado.

Com a ajuda do encarregado da oficina começou a tomar conhecimento do nome das peças e fazer um balanço do que tinha no estoque.

Em pouco tempo o almoxarifado já se encontrava transitável, com o material no seu devido lugar.

Também já havia atualizado o cardex ou Kardex.

Cardex é um tipo de gaveta com fichas dos materiais que ficam nas prateleiras (escaninho), em ordem alfabética ou por código.

Nessas fichas constam as entradas, saídas, nota fiscal, e estoque atual dos referidos materiais e outras informações, para que não falte um parafuso sequer, no estoque.

Renato era responsável também por abastecer os tanques dos caminhões na parte da manhã.

No início de 76 mais precisamente em 25 de janeiro nasce Isabel, a caçulinha de Tio Wilson e Tia Bel.

Uma bonequinha linda que encantava a todos os parentes.

Em 18 de abril Renato junto com Sônia tinham o privilégio de serem convidados a batizar aquela bonequinha na Igreja Nossa Senhora Aparecida em São Vicente. 

O teatro e a futura esposa

Estava aprendendo rápido o serviço, quando foi convidado para trabalhar em uma fábrica de fertilizantes em Cubatão.

O serviço era o mesmo, mas o salário bem melhor.

Trabalharia em sistema de turno a exemplo da indústria de Ribeirão Pires.

O namoro com Marlene durou apenas um mês, mas logo terminou. Ainda não estava preparado para assumir algo mais sério e era isso que os pais dela deixavam nas entrelinhas quando conversavam com ele.

Seu Carlos estava alugando uma casa em São Vicente, pois, queria sair da casa da irmã para ter seu cantinho.

Por coincidência essa casa era a mesma onde Renato e Reinaldo haviam passado as férias quando ainda estavam em Garça.

Tudo fora arranjado novamente por tia Ioná que sabendo que a dona da casa que morava em Santo André, não pretendia mais alugar a casa somente para temporada e sabendo também que seu Carlos estava procurando outro lugar para ficar, intermediou a transação.

Ele já havia se transferido para o IBC de Santos e não tinha mais a necessidade de subir e descer a serra todos os dias.

Como já foi dito a casa só tinha um quarto, sala e cozinha e por isso, a sala se transformou em quarto para Renato.

Reinaldo e Lia tinham agora uma filha (Diana) e num final de semana vieram trazê-la para os pais conhecerem.

Seu Carlos e dona Gisa claro ficaram bobos, afinal era a primeira netinha deles.

Antes de voltar para Ribeirão, Reinaldo manifestou o desejo de vir morar perto dos pais, pois estava se sentindo só, já que tio Moacir também havia ido embora para ficar com o pai e ajudá-lo na construção da outra casa.

Reinaldo pediu ao pai que procurasse uma casa ou apartamento ali por perto.

As mágoas com Lia, haviam ficado para trás e estar perto do filho e da neta era o que mais importava.

Renato se dividia agora entre o trabalho seu mais novo hobby, o teatro.

Junto com um primo e mais quatro amigos criou o E.T.A. (Equipe de Teatro Amador).

O trabalho do grupo era levar às escolas, a idéia de se montar peças que falassem dos perigos das drogas e do alcoolismo como causas principais da desestrutura familiar.

Depois da escolha dos integrantes e dos ensaios, a peça era exibida na própria escola com convite aberto à população e também em locais previamente contatados como Sociedades de Melhoramentos, Sindicatos etc.

Aqueles que mais se destacassem na peça, eram convidados a continuar o projeto na escola, se responsabilizando também por escrever suas próprias histórias dentro daquele contexto.

Então a equipe ia com o projeto para outra escola.

Foi numa dessas escolas que Renato conheceria Marisa, sua futura esposa.

Fazia parte do grupo escolhido para encenar a próxima peça que a equipe apresentaria.

Ela se destacava dos demais por sua maneira de encenar e falar, brincando com todos e chamando mesmo a atenção para si.

Renato havia gostado do seu jeito, mas, não queria misturar as coisas, afinal ele era o diretor do teatro e ela era uma atriz trabalhando.

A coisa, porém, mudaria durante a comemoração de aniversário de um dos integrantes da equipe.

Nessa tarde, Renato que teria que trabalhar no turno da noite, deu apenas uma passada pela casa do amigo que morava na mesma rua que ele.

Entre uma cerveja e outra (não podia beber muito pois tinha de trabalhar), chamou Marisa para dançar e no embalo de She's My Girl de Morris Albert, e Torneró de I Santo Califórnia, acabaram se beijando.

Mas Renato tinha um compromisso e logo teve que ir embora.

No ônibus ia pensando nela e naquele beijo, e aquelas musiquinhas não lhe saiam da cabeça.

Estava tendo um sentimento diferente. Será que finalmente estava se livrando do estigma da garota de sorriso lindo?

Seu Carlos havia conseguido um apartamento para Reinaldo há quatro quadras de casa que tempos depois se mudava com a família.

A chácara havia ficado abandonada e era preciso arrumar com urgência um caseiro.

Seu Carlos conseguiu um senhor que se prontificou a ir para lá.

Teria um dos quartos para ele comida e um pequeno salário no fim do mês.

Em troca ele só precisaria cuidar dos animais e da plantação da chácara.

Mas um mês foi o suficiente para seu Carlos perceber que havia feito uma burrada, pois o caseiro só fazia beber, e os animais e plantação estavam morrendo.

Nem o cavalo que servia para buscar a lavagem para os porcos ele estava tratando.

Seu Carlos mandou-o embora e imediatamente colocou a chácara à venda.

O casamento

Infelizmente não posso confiar em ninguém e como não temos como cuidar dela, o melhor é passar pra frente, disse ele tristemente.

Tudo o que ainda se encontrava dentro da casa foi para o apartamento de Reinaldo.

Alguns dias depois seu Carlos colocava um anúncio no jornal e em pouco tempo apareceram alguns interessados, com suas propostas.

Uma proposta em especial chamou a atenção de seu Carlos.

Um senhor que morava no Guarujá, havia ligado para ele no serviço, dizendo que tinha quatro casas em uma Vila em São Vicente e que além disso dava uma parte em dinheiro.

Primeiramente seu Carlos, dona Gisa e os meninos foram conhecer as tais casas, e depois no sábado levaram o senhor para ver a chácara.

O homem ficou encantado com o local.

-Só não está melhor porque ficamos muito tempo longe daqui, e o caseiro que tomava conta, só sabia encher a cara, quase matando minha criação de galinhas e porcos.

       Com todos de acordo, com a proposta dada, dois dias depois seu Carlos passava a escritura da chácara para o senhor, que fazia o mesmo em relação às casas.

De bônus ele levava além dos porcos, galinhas e patos, o cavalo e a carroça.

Era um péssimo negócio para a família, mas era a única coisa que podiam fazer.

Seu Carlos deu o terreno com as casas para os filhos e ficou com o dinheiro.

-Vocês podem morar em uma delas e alugar as outras, disse ele.

Em dezembro de 76 Renato e Marisa se casavam na Igreja Matriz em São Vicente.

A E.T.A. ficou com o primo e os amigos.

Foram morar numa das casas que haviam escolhido. Reinaldo, Lia e a filha tinham ido antes.

Os pais de Marisa foram morar na Lapa em São Paulo e seu Carlos e dona Gisa alugaram um kitnet no Gonzaga.

-Agora sou só eu e sua mãe e não precisamos de nada muito grande para viver disse ele feliz por poder ir morar em frente à praia.

Renato que havia saído da fábrica de fertilizantes em Cubatão trabalhava agora como carteiro em Santos, e Reinaldo que havia deixado a Indústria Química em Ribeirão, estava agora numa fábrica em Cubatão como Analista Químico.

Ambos tinham também alugado as outras casas do terreno.

O nascimento do primeiro filho. A primeira safra dos "Meninos da Vila" e o rompimento do dique

Em 21 de outubro de 1977, nascia o primeiro filho do casal, Eduardo.

No primeiro semestre de 78, o Santos F.C. voltava a encantar a torcida com um futebol irreverente de um time batizado de "Os Meninos da Vila".

Juari, João Paulo, Pita e Ailton Lira, faziam o torcedor lembrar as jogadas de Pelé e Cia. Na década de 60.

Para a vida de Renato, Reinaldo e sua família as coisas, porém, ficariam difíceis.

Numa semana de fortes chuvas, o dique próximo a vila onde moravam, rompeu, inundando ruas e casas.

Na casa em que Renato morava, por ter sido construída em um local mais alto, as águas só chegaram ao assoalho, fazendo com que ele colocasse seus móveis sobre blocos de cimento.

A mesma sorte não teve Reinaldo e os inquilinos que moravam em casas mais baixas, perdendo boa parte dos móveis.

Reinaldo e a família foram para a casa de Renato, até que a água baixasse, e os inquilinos foram para a casa de parentes.

Para trabalhar era um sacrifício, pois, os irmãos tinham que ir até a avenida a umas 5 quadras de onde moravam, para ali no barzinho de um amigo, poderem colocar as roupas e sapatos que levavam na mochila.

Reinaldo esperava o ônibus que o levaria até Cubatão e Renato pegava um ônibus para o centro de Santos.

Eduardo tomava leite materno, mas tanto ele quanto a prima, já sentiam os efeitos de toda aquela umidade.

Seu Carlos tinha colocado seu kit à disposição dos filhos, mas estes não queriam incomodar por saberem que o local era muito pequeno para mais seis pessoas.

Era só uma questão de tempo, pois tinham certeza de que a chuva pararia e as águas logo baixariam. Já estava providenciando uma nova barreira para o rio.

Mas a barreira não ficava pronta, a chuva não cessava e as águas não baixavam.

Cobra também mama

A gota d'água (sem trocadilho) veio quando Marisa no meio da noite gritou dizendo que alguma coisa estava andando sobre seu seio.

Ao acender a luz, Renato viu uma cobra, deslizando para fora da cama e indo sair por uma fresta do assoalho.

Seu grito acordou todos e Lia ficou horrorizada com o que acabara de ver.

Renato olhou para o irmão e a decisão estava tomada.

Juntaram suas roupas e a das crianças e por dentro da água, chegaram até a avenida onde chamaram um táxi.

Pouco depois estavam diante do apartamento dos pais.

Depois de acomodarem as crianças, contaram o que havia acontecido.

-Se vocês tivessem deixado o orgulho de lado e aceitado vir para cá quando falei, não teriam passado por isso.

Os irmãos não retrucaram, pois, sabiam que o pai estava certo.

Dona Gisa providenciou cobertores para que todos pudessem dormir mais confortáveis no chão.

Mas ninguém conseguiu dormir, apenas as crianças.

No dia seguinte com as caras parecendo que um rolo compressor tinha passado por cima, Renato, Reinaldo e seu Carlos, saíram para trabalhar.

Os irmãos já haviam decidido que não mais voltariam para as casas, mesmo depois que as águas baixassem. Não tinham mais ânimo para viver naquele fim de mundo.

Reinaldo pedira uns dias de licença no serviço para procurar casa e uma semana depois já estava mudando para um apartamento em São Vicente.

Teria de comprar toda sua mobília de novo, pois havia perdido tudo.

Mas tanto Reinaldo quanto Lia, eram fortes e iriam com certeza superar aquela situação.

Para Renato as coisas tinham sido mais fáceis, conseguira um kitnet, no mesmo prédio do pai, e seus móveis foram quase todos aproveitados.

A Torcida Uniformizada e o som das discotecas

No Correio, Renato e um grupo de amigos que torciam pelo Santos F.C. decidiram fundar uma torcida uniformizada a qual batizaram "Duas Estrelas", por causa dos dois títulos mundiais.

Acompanham o time, "Dentro ou fora do Alçapão", como dizia a letra de seu hino não oficial.

Na música o que se ouvia agora era o som das discotecas, onde até o grupo inglês Bee Gees, havia se inserido.

Estaria o rock morrendo?

Para provar que não, Led Zeppelin colocaria na praça, em 79 "In Trough The Out Door", com várias músicas lindas, entre elas "All My Love".

Tentando a sorte na capital e a decepção profissional

Ainda em 1978, Renato teria em sua vida mais uma mudança radical.

Não, agora não era por causa do espírito aventureiro do pai, mas sim por causa de sua vontade de melhorar de vida.

O convite vinha de um tio de Mariza, que trabalhava em São Paulo em uma grande indústria responsável pela construção de vagões de trens.

A coisa estava tão certa que a convite dos sogros para que fossem definitivamente para São Paulo, Renato não titubeou pedindo demissão do Correio.

Junto com o filho e a esposa foi morar na casa deles no Alto da Lapa.

-Seu Carlos sempre com um pé na frente e outro atrás, ainda comentou com Renato, se ele não estaria se precipitando, trocando o certo pelo duvidoso, mas Renato via a coisa como confirmada, e disse a ele que estava tudo certo.

Após se instalarem na casa dos sogros, e colocar todos os seus móveis em um galpão no fundo do quintal da casa, por causa do pouco espaço, no dia seguinte Renato foi se encontrar com o tio de Marisa.

Despediu-se dizendo que provavelmente só retornaria á tarde, certo de que após a entrevista de praxe, já estaria sendo encaminhado para seu setor de trabalho.

O convite era para que trabalhasse no almoxarifado da indústria.

...Só que não foi isso que aconteceu.

Ao chegar lá já teve a primeira decepção.

O tio da esposa não havia ido trabalhar.

-Em que posso ajudar? Perguntou a recepcionista.

-Meu nome é Renato e tenho uma entrevista com o sr. Marcos (nome do tio de Marisa).

-Ele não veio hoje, mas, do que se trata? Talvez eu tenha agendado essa entrevista com outra pessoa.

Renato contou então o motivo de estar ali e a recepcionista mandou que ele aguardasse.

Talvez o sr. Marcos já tivesse deixado tudo encaminhado.

Um homem que se identificou como sendo o gerente geral, adentrou à sala e depois de tudo explicado disse:

- Eu sinto muito, mas, não estou sabendo disso. Além disso, nosso quadro de funcionários está completo, e não há nenhuma vaga em aberto principalmente no almoxarifado.

-M...mas estava tudo certo, gaguejou Renato sentindo mais uma vez aquele soco no estômago.

-Alguém deve ter passado alguma informação errada para o Marcos, que por sua vez a passou para você, disse o gerente já se afastando.

Sem ação, Renato se retirou sob o olhar de pesar da recepcionista.

Ainda assim, preferiu acreditar que tivesse havido algum engano e que tudo se esclareceria assim que falasse com o tio de Marisa.

Chegando em casa abatido, contou o que havia acontecido.

-À noite nós vamos à casa do meu tio, disse Marisa. Tenho certeza de quem nem ele está sabendo disso.

Á noite foram à casa de Marcos, mas, não o encontraram.

-Ele acabou de sair, disse dona Geni (tia de Marisa).

A verdade é que Renato nunca ficaria frente a frente com esse tio, porém ficara sabendo por parentes, que ele confessara ter se precipitado ao chamar Renato, pois achava que sendo gerente de um setor, tinha poderes para demitir e admitir quem quisesse.

Só que havia um gerente geral, e que o setor precisava sim de um almoxarife, mas esse alguém já estava trabalhando e era amigo do tal gerente geral.

Sem emprego e sem lugar para morar, teria que se contentar em ficar na casa dos sogros mesmo.

Seus móveis ficariam mais tempo do que o previsto no galpão da casa.

Mas Renato não tinha muito tempo para se lamentar não.

No dia seguinte pela manhã, saiu em busca de emprego, pois tinha uma família para cuidar, e não era justo ficar nas costas do sogro.

Em maio de 78 já estava trabalhando em uma transportadora na função de datilógrafo.

Pela primeira vez, conseguia regredir seu salário, mas o importante é que estava trabalhando.

O Evangelizador do Reverendo Moon I Parte

Dona Marina sua sogra, estava há algum tempo se comportando de maneira esquisita. Já não suportava que fumassem diante dela, e os recriminava quando falavam algum palavrão.

Não havia um domingo sequer, em que ela não saísse pela manhã e voltasse somente à noite.

Para seu Jaime ela dizia que ia à casa de parentes, mas ele desconfiava que não era verdade.

Pressionada acabou confessando que havia conhecido uma nova religião onde estava se sentindo muito bem.

Renato logo pensou: "Eu sabia, tem coisa de crente nesta história".

Um dia ela comentou que ficaria ausente por uma semana por conta da igreja. Seu Jaime tentou retrucar, mas, sua decisão já estava tomada.