PARTE TRÊS

PARTE TRÊS

UMA TRISTE NOTÍCIA

Seus pais os esperavam na Rodoviária, cheios de saudades, embora não ficassem um dia sem telefonar para a casa da madrinha durante as férias, a fim de saber se estava tudo bem.

No dia seguinte pela manhã, estavam tomando café quando Renato perguntou ao pai se tinha tido contato com o Waldir, claro que a pergunta era no sentido de que junto com a resposta viesse alguma informação sobre a garota.

E a informação veio meio que sutilmente.

- Tenho visto sim, pois sempre passo em frente a sua casa quando vou para o trabalho.

Aquela amiga de vocês não está mais na cidade, parece que foi com a família para outro lugar, mas não sei onde pois estava com pressa e o Waldir não me passou os detalhes.

Parecia que Renato tinha levado um soco no estômago.

Sentiu vontade de chorar, mas se conteve.

Reinaldo percebeu sua reação, e os pais só viram a palidez de Renato.

- Está se sentindo bem filho? Perguntou dona Gisa.

- Não mãe, não estou, vou para o quarto, acho que é o cansaço da viagem, mentiu.

No quarto, derramou todas as lágrimas que tinha acumulado, por conta de todo aquele sentimento que nutria por Cíntia. E agora, como vou fazer, logo agora que estava disposto a me abrir com ela, pensou.

Reinaldo entrou no quarto, e Renato tentou disfarçar.

- Tu não esqueceste dela um minuto né?

- Não mano, não esqueci e agora nem vou poder mais me declarar para ela.

- Ei, ânimo, vamos à casa do Waldir, e ver se descobrimos para onde ela foi.

Renato enxugou as lágrimas, um fio de esperança ainda existia e ele iria se apegar a isso.

- Pai! Mãe! depois da aula vamos passar na casa do Waldir, preciso saber o que aconteceu com a Cíntia.

O que ele ouviu do amigo, o deixou mais triste ainda. O pai de Cíntia havia falecido e ele não sabia para onde a família tinha ido.

Aguardava uma carta com o endereço. Renato ficou muito triste, pois, gostaria de estar ao seu lado para consolá-la.

- Assim que eu tiver alguma notícia falo com vocês. Prosseguiu Waldir.

Mas o tempo foi passando, e nada de informação, parecia que tinham evaporado.

O contato com o amigo foi se tornando mais difícil por causa das constantes viagens e concentrações que ele fazia com o time.

E era exatamente ali que sua história com Cíntia, que nem a menos havia começado, terminava.

O Tiro de Guerra

Triste com aquele desfecho, Renato continuava estudando, e o pior era não a ver mais no pátio do colégio.

Apresentou-se no TG -019 (Tiro de Guerra).

O TG, teve suas atividades iniciadas em 14 de fevereiro de 1946 e tem como finalidade formar reservistas de segunda categoria que possam executar tarefas limitadas na paz e na guerra, nos quadros de defesa territorial, garantia da lei e da ordem, defesa civil e ação comunitária.

Em Garça o Tiro desenvolve também um trabalho social em apoio à Prefeitura como coleta da Campanha do Agasalho, coleta do Natal Solidário, auxílio em atividades de plantio de árvores, entre outras.

Renato foi dispensando junto com vários outros jovens por excesso de contingente.

Sentiu-se aliviado, pois, só se animaria a servir o exército se estivesse em Santos.

Seu sonho era ir para a Marinha, mas como estava no interior e não havia mais tempo para se alistar, muito menos participar de cursos preparatórios, ficou feliz por ter sido dispensado.

Após jurar à Bandeira recebeu o CDI (Certificado de Dispensa de Incorporação).

Estava desanimado com a Escola e gostaria de acelerar aquele processo e obter o diploma o mais rápido possível para poder conseguir um emprego.

Madureza 

Já ouvira falar do Madureza, um curso de educação para jovens e adultos, e do exame final de aprovação do curso que ministrava disciplinas dos antigos ginásio e colegial, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1961.

Fixava em16 e 19 anos as idades mínimas para o início dos cursos, respectivamente, de Madureza Ginasial e Madureza Colegial.

Exigia, porém, um prazo de dois a três anos para sua conclusão em cada ciclo, exigência essa abolida posteriormente pelo Decreto-Lei n.° 709/69.

Isso ocorreu porque a clientela dos exames de madureza era formada, na sua maioria, de autodidatas que tentavam suprir a formação escolar dentro de suas próprias condições de vida e de trabalho. Para estas pessoas somente o exame interessava.

Quando fosse a época das provas, o aluno poderia se inscrever em quantas matérias se achasse apto a eliminar. (além da mensalidade da escola, havia a taxa para cada matéria que ele quisesse tentar).

Esse sistema estava sendo implantado em Garça, e conversando com seu Carlos, este achou uma boa ideia e lhe deu todo o apoio financeiro que precisava.

Assim, além do Ginásio, Renato passou a frequentar o curso de Madureza à noite.

Sua vida estava retornando à normalidade, pensava na garota claro, mas já estava se conformando.

Se ela havia ido embora e nem a menos deu pista de onde estava nem para o Waldir que era muito mais seu amigo, ela deveria ter seus motivos.

Renato e Reinaldo, voltavam a nadar no Rio Gaia, a apanhar esterco de cavalo nas ruas da cidade para alimentar a horta que nunca fora abandonada.

As garotas continuavam também a mandar músicas, e eles voltavam a ir às suas casas.

Numa dessas visitas, Renato comentou, que nunca haviam feito uma música que falasse da cidade de Santos, só se ouvia falar, em São Paulo e seus bairros famosos, Rio de Janeiro e Copacabana, e até Piracicaba tinha uma música em sua homenagem.

Mas de Santos não se ouvia nada.

De repente no radio da sala, se ouve As Curvas da Estrada de Santos.

É Roberto Carlos quem está cantando.

- Não acredito, disse Reinaldo, acabamos de comentar sobre isso, parece transmissão de pensamento.

O Álbum é de 1969 e Renato vai descobrir dias depois, que a exemplo de O Inimitável, Roberto traz músicas repletas de romantismo exceção feita a "Não vou ficar" e "Nada vai me convencer", que tem uma batida meio parecida com o rap de hoje.

Nesse segundo semestre de 69 alguns fatos marcantes aconteceriam.

O som pesado dos Beatles, o cessar fogo e o milésimo gol de Pelé

O lançamento do Álbum Abbey Road em setembro vem mais pesado ainda que o White Álbum.
antes em maio de 1970 eles haviam criado o álbum Let it Be, mas lançado depois de Abbey Road.

É notória a vontade de John de acabar com a banda.

isso acaba acontecendo na primavera de 1970.

Os olhos irados dos fãs se voltam para Yoko Ono, como a única culpada da separação, mas hoje sabemos que houve por trás de tudo também as más escolhas para administração da vida financeira deles:

Alan Klein, Lee Eastman pai de Linda McCartney, contratos com a Apple e uma rede infinita de pessoas que controlavam a carreira deles porque eles não tinham a mínima idéia de quanto faturavam e quanto lhes roubavam.

Um mês antes o Santos de Pelé, continuava hipnotizando multidões.

Em uma excursão para a África, mais que paralisar os olhos dos torcedores, Pelé fez parar uma guerra, com o cessar fogo durante a revolução que pretendia criar a República da Biafra, na Nigéria, só para que todos pudessem acompanhar o Santos do Rei do Futebol.

Em 19 de novembro Pelé que agora intercalava suas estupendas jogadas com aparições em telenovelas, iria jogar com o Vasco no Maracanã pelo Torneio Roberto Gomes Pedrosa.

Até aí nenhuma novidade, a não ser que nessa partida o Rei poderia fazer o seu milésimo gol.

O estádio estava completamente lotado, e os repórteres se acotovelavam atrás das traves (em uma delas o gol sairia).

A partida corria sem que nada acontecesse, mas em determinado momento.

Pênalti para o Santos.

A multidão de fotógrafos e repórteres corre para pegar o melhor ângulo.

O goleiro Andrada ainda se esforça para impedir que a bola entre (claro que ele seria fuzilado depois se impedisse o milésimo gol), mas não tem jeito, Santos 1x0 e Pelé imortalizava ali a camisa 10.

O fim do Ginásio em cinco matérias

Ainda naquele semestre a família se mudaria para uma outra casa, agora mais próxima do IBC com um amplo quintal com uma laranjeira, no fundo.

Renato continuava junto com Reinaldo no Ginásio, e no curso de Madureza.

O professor havia comunicado aos alunos que haveria inscrição para provas na cidade de Araraquara, e quem quisesse poderia se inscrever naquelas matérias que se sentissem aptos a eliminar.

Tinham que pagar a taxa por cada matéria, e seu Carlos aconselhou Renato a se inscrever em todas as cinco. (História, Geografia, Ciências, Matemática e Português).

- Se você não conseguir eliminar todas, pelos menos fica com experiência para as que sobrarem, disse ele.

Renato estava bem afiado por conta das aulas normais no Ginásio, só a bendita matemática realmente não era o seu forte.

Após as inscrições e o envio delas para o local onde se realizariam as provas em Araraquara, os alunos alugaram duas Kombis, e numa sexta-feira à noite viajaram.

Os exames estavam marcados para o sábado (português, história e geografia) e no domingo (matemática e ciências).

Alguns alunos iriam para a casa de parentes, e outros ficariam em hotel.

Renato ficaria na casa de um amigo de seu Carlos (Luiz), que já tinha combinado dias antes sobre sua ida.

No sábado pela manhã dirigiu-se ao colégio onde seriam realizadas as provas, e após duas horas, fechava português e história. 

      À tarde haveria ainda a prova de geografia. Gostaria de sair à noite com alguns colegas de Garça para conhecer a cidade, que apesar de completamente diferente da Araraquara que conheceu quando ainda era menino continuava impecável em matéria de limpeza, não se via um papel e nem um toco de cigarro nas ruas.

Mas Renato tinha que estudar matemática que era seu ponto fraco.

Sabia que tinha ido bem nas matérias do sábado e que ciências ele fecharia com certeza, então sua preocupação era só essa, por isso recusou o convite dos colegas e ficou na casa de seu Luiz estudando.

No domingo lá estava ele novamente no colégio e ficou feliz ao ver no quadro de avisos que havia eliminado as três matérias. Isso o encheu de confiança e se por acaso não conseguisse fechar matemática, ciências com certeza fecharia, e assim, como seu pai havia dito, nas matérias que ficasse, iria com mais experiência na próxima oportunidade.

Se dependesse então de uma só matéria no caso a matemática, seria ótimo.

Melhor ainda se eliminasse todas de uma vez, e aí Araraquara só ficaria para um passeio no futuro.

Com esse pensamento foi enfrentar a fera.

Quando saiu do colégio algumas horas depois, tinha a certeza que ciências ele havia fechado, e que a probabilidade de ter fechado matemática também era de 70%.

A tarde com o coração na mão foi conferir o resultado.

Para sua felicidade havia sim fechado matemática, de raspão mas fechou.

Comemorou muito com alguns dos colegas que tinha tido o mesmo resultado, embora alguns não tivessem se inscrito em todas elas, por insegurança.

Outros não tinham muito o que comemorar e estavam tristes.

Seu Luiz, e sua esposa ficaram felizes ao saber do fato e rapidamente ligaram para o seu Carlos para dar a boa notícia.

Entrando por um caminho perigoso

Á noite todos voltavam para Garça chegando por volta de 1h00 da manhã.

Com a eliminação das provas, Renato não precisava mais continuar no Ginásio e com o consentimento de seu pai, saiu do colégio.

Queria o mais rápido possível arranjar um emprego para ajudar o pai que se encontrava novamente numa situação difícil financeiramente falando, por conta da inflação galopante que assolava o país.

Reinaldo continuava no Ginásio e tinha arranjado um emprêgo meia boca num escritório no único prédio da cidade, mas Renato estava ocioso demais.

Começou junto com o tio Moacir, também ocioso, a frequentar os barzinhos onde gostava de beber e fumar cigarro de palha.

Com isso começou a entrar por um caminho perigoso em sua vida, pois fizera amizade com um rapaz (Marcio) que era de Quintana, cidade próxima de Garça, e que recentemente havia estado em Santos.

Renato queria saber notícias de sua cidade natal, e se apegava àquele novo amigo.

Através dele, frequentava os bailes e festinhas que constantemente eram realizados nos bairros, mesmo que não fossem convidados (eram bicões mesmo).

Para saber onde estava rolando uma festinha, bastava ficar em silêncio pois a cidade mesmo aos sábados era muito parada, e logo ouviam alguma música tocando em algum lugar e pronto lá iam eles.

Um envolvimento diferente e complicado

Foi numa dessas festas que conheceu Rosana, uma garota com a sua idade, casada e com uma filha de um ano.

Ao som do novo álbum de Roberto Carlos (claro) dançaram e ficaram juntos quase que a festa toda.

Definitivamente, Renato havia deixado a timidez de lado.

Rosana se encantara com o seu sotaque e não desgrudara dele um minuto sequer, deixando-o meio incomodado e preocupado com o que os outros convidados pudessem falar.

- Não tenha medo, todos aqui sabem de minha vida, e como é meu casamento. Meu marido está agora em casa bêbado e dormindo sem dúvida.

- É, mas a impressão que estamos dando é que não conseguimos ficar um longe do outro como dois namorados, e se isso chega aos ouvidos de seu marido?

- Pode ficar tranquilo, não vai chegar não, além do mais só estamos dançando e conversando. Por mim, a gente dava um jeito de escapar prá ficar sozinhos.

Essas palavras mexeram com Renato que deixando-se envolver pela sedução de Rosana, correu para um canto solitário do quintal.

Acabaram por terminar o resto da festa, num cômodo no fundo da casa onde se amaram e se entregaram um ao outro.

Era a primeira vez que ele tinha uma mulher toda sua em seus braços, pois suas experiências sexuais que haviam começado ali mesmo em Garça, foram feitas com as mulheres da vida.

Sentia-se bem ouvindo os sussurros de amor em seus ouvidos, mas ao mesmo tempo tinha medo de um envolvimento maior. Conhecia a si próprio o suficiente para saber que qualquer sorriso, ou palavra de carinho a mais, já se transformava em paixão (afinal era do signo de Peixes).

Porém a força do corpo era maior que a força da razão, e aquele envolvimento ia crescendo cada vez mais.

Pardal com laranja verde

Certa vez, seu Carlos precisou viajar para resolver um problema em Santos, e levou consigo, dona Gisa e Reinaldo, deixando Renato e o tio.

- Estamos deixando na dispensa, alimento suficiente para os quinze dias que estaremos fora. Disse seu Carlos.

- Já conversei com a diretora do Ginásio que liberou o Reinaldo por esses dias.

Ao final do 15° dia, seu Carlos ligou para casa, comunicando que havia tido um problema, e que tão cedo não deveria voltar e pedia que Moacir fosse ao colégio de Reinaldo e comunicasse o fato à diretora.

Passaram-se vinte dias, e nada de voltarem.

Os mantimentos na dispensa, já haviam acabado, e seu Carlos havia deixado em casa somente dinheiro para o pão do café da manhã, que precisaram ser gastos na compra de arroz e feijão.

Dias depois nem isso tinham mais.

Passaram a se alimentar das laranjas verdes do quintal, que comiam com sal, além de apanharem os pardais que inadvertidamente caiam numa armadilha que eles haviam feito, com uma bacia.

Dava dó matar os bichinhos, mas eles não podiam passar fome.

Assim seus dias eram regados, a pardal frito, e laranja verde com sal.

Marcio ao saber disso, comentou com seu pai, que chamando Renato e o tio, ofereceu um emprego na roça para colherem amendoim e milho em troca de uma alimentação mais saudável.

Os dois aceitaram de cara, e na manhã seguinte já estavam na porta da casa do amigo.

Costumavam sair às cinco da madrugada, para a roça, não sem antes se alimentarem.

Para Renato e o tio, era estranho o costume do velho, pois o café da manhã era composto de arroz, feijão, farinha, carne de porco, e um café bem forte moído ali na hora.

Só por volta de 10 horas era que a mãe de Marcio ia com um bule de café, pão com queijo e bolo de milho, para que eles repusessem as energias. Aí ficavam até o escurecer, quando então voltavam para casa e depois de um banho reconfortante, jantavam.

Depois disso, Renato e o tio iam para casa, descansar, pois na manhã seguinte tudo se repetia.

No 23° dia finalmente, seu Carlos voltava com a família.

Ele havia comunicado que chegariam, e por isso nem Renato e nem o tio foram para a roça.

À noite, Renato foi a casa de Marcio e para agradecer a força que haviam dado a ele e ao tio, mesmo porque a colheita já estava no fim e já não havia a necessidade de mais duas pessoas.

Renato mesmo naqueles dias de penúria continuava se encontrando com Rosana, geralmente na casa de sua irmã, que aos domingos gostava de promover suas festinhas regadas a caipirinha e música.

E os dois sempre davam um jeitinho de se afastar de todos para ficarem sozinhos.

Renato, porém, estava se sentindo apreensivo, não só pelo fato de que seu marido viesse a descobrir, mas principalmente por achar que estava entrando num compromisso do qual poderia se arrepender depois.

Primeiro porque não tinha um emprego, segundo porque era muito jovem e inexperiente para assumir uma mulher com uma filha.

Rosana já havia comentado com ele que estava pensando em pedir o desquite para poder viver feliz com ele.

- Rosana, isso é uma coisa muito séria, eu vou te sustentar como, se nem emprego eu consigo aqui?

- A gente pode ir embora para Marilia, lá você teria mais chance de emprego, eu poderia arrumar alguma coisa pra fazer também, sei lá, a única coisa que eu sei é que não consigo mais ficar sem te ver um minuto sequer.

Renato se encontrava numa sinuca de bico, gostava dela sim, mas não a ponto de jogar fora seu futuro que mal estava iniciando.

O que fatalmente iria acontecer.

Além disso, a garota de sorriso lindo, como ele havia batizado sua primeira paixão, ainda teimava em não sair de seus pensamentos. Era tudo muito recente.

Por ela sim, ele faria qualquer loucura. Até ir morar com ela, onde quer que ela estivesse.

Dona Gisa que já sabia de seu envolvimento com Rosana, vivia sempre apreensiva e suas dores de cabeça agora tornavam-se constantes.

- Meu filho, pelo amor de Deus, larga essa mulher, isso ainda vai lhe dar muitos aborrecimentos. Procure uma menina que seja livre, pedia ela.

- Vou largar mãe, prometia ele, vou largar, só estou esperando uma oportunidade de dizer as palavras certas.

Um dia ao chegar em casa com o tio, Renato encontrou Rosana e a filha, conversando com sua mãe, que até então não sabia que a menina era sua filha, pois haviam combinado de dizer se um dia elas se encontrassem, que ela era sua sobrinha.

Claro que dona Gisa, nunca engoliu essa conversa, e vendo a garotinha ali a sua frente, teve mais certeza ainda de que ela e Renato estavam mentindo.

Seu Carlos então, já havia matado a charada, na primeira vez em que Renato comentara com ele, a situação que estava vivendo, e perguntado se ela tinha filhos.

Ao receber a resposta de Renato dizendo que era apenas sobrinha, riu dizendo:

- Sobrinha? Sei, sei...

Renato estava adentrando á casa, quando ouviu dona Gisa interrogando Rosana.

Fez um sinal para o tio, para que não se aproximassem, e ficaram ouvindo.

Queria saber o que poderia tirar de proveito, com aquela conversa, pois dona Gisa sem dúvida daria a ela uns bons conselhos.

- O que você quer fazer da vida de meu filho, da sua vida e da vida de sua filha?

- Mas...ela...

- É sua sobrinha? Ora Rosana, até um cego veria que essa menina é a sua cara, a menos que você tenha uma irmã gêmea.

- Está bem, disse Rosana, não adianta mais mentir, a única coisa que não é mentira é que amo seu filho, e não sei o que fazer, para apagar esse sentimento.

- Olha, porque você não dá uma oportunidade ao seu marido, sei que ele é um beberrão e que não liga para você e para sua filha, porém quem sabe você dando essa chance a ele, as coisas não melhorem. Às vezes o diálogo é a melhor solução.

Renato resolveu se aproximar e entrar na conversa. 

- Rosana, minha mãe tem razão, isso tudo pode se transformar em uma coisa boa, ou ruim, só depende de você.

- Vou te contar uma coisa que aconteceu dias atrás, não quis te falar prá te poupar. Teu marido esteve na casa da mãe do Marcio, numa tarde perguntando com quem era que tu estavas saindo, se era com o Marcio ou com outra pessoa.

Sabia que ela saia com alguém, por causa do disse me disse que estava circulando entre a família.

- Nessa tarde estávamos eu e o Marcio em seu quarto e ouvimos tudo. A mãe dele disfarçou dizendo que ele não deveria ouvir comentários maldosos e que você era uma esposa dedicada e muito amorosa com a filha.

- Ela conseguiu contornar a situação, mas, depois que ele saiu cascou a lenha em mim, dizendo mais ou menos o mesmo que minha mãe está te dizendo agora e falando ainda que teu marido não era bobo e que não havia engolido aquela conversa.

Chorando, Rosana perguntou:

Mas o que é que eu faço se estou apaixonada por você, não vou conseguir suportar isso.

- Ah vai, vai sim, interrompeu dona Gisa, e o primeiro passo é vocês não se verem mais, o segundo é sentar e conversar com seu marido, procurar saber se ele não bebe justamente por não ter a mulher ao seu lado, lhe dando apoio e carinho. Será que você também não está errando em alguma coisa? Porque o erro só tem que ser dele?. Tente fazer isso, tenho certeza que se você lhe der uma chance ele vai mudar.

O fim do romance

No dia seguinte, Marcio lhe entregava uma carta de Rosana que dizia:

"Renato, para mim vai ser muito difícil te esquecer e reconquistar meu marido, por isso decidi ir embora para Marilia com minha filha.

Sua mãe tinha razão quando disse que eu poderia estragar seu futuro e o da minha filha, mas, com meu marido não dá mais, por isso estou indo embora".

Eu nunca vou te esquecer.

Te amo

Rosana

Aquele bilhete provocou um aperto em seu coração, mas longe de se sentir triste, sentiu-se aliviado.

Ao chegar em casa mostrou o bilhete a sua mãe dizendo:

- Pronto! Dona Gisa, seus temores acabaram, e espero que suas dores de cabeça também.

- Deus seja louvado, até que enfim vou poder dormir tranquila.

Renato riu e a partir dali voltou a ter sua vida mais sossegada.

Nunca mais viu Rosana e sua filha, e muito menos seu marido.

Mesmo assim ainda frequentava a casa de sua irmã, que lamentava tudo o que havia acontecido, pois torcia pelos dois.

Por ela sabia que Rosana estava bem, e a menina cada vez mais levada.

Aquele bilhetinho ficaria por muitos e muitos anos com Renato e só após esses anos, já em Santos é que ficaria sabendo por Márcio que havia mudado também para lá, que Rosana havia voltado com o marido, que já não bebia mais e haviam tido outra criança deixando-o feliz, com a notícia.

Finalmente ele e seu tio conseguiam um emprego.

Uma firma de expurgo fora contratada para realizar serviços nessa área, no armazém do IBC, e o encarregado precisava de seis pessoas para a tarefa.

Para seu Carlos, encaixar os dois não foi difícil e assim dias depois já estavam trabalhando.

O expurgo que no dicionário significa depuração, limpeza, aqui significava eliminar, imunizar, ou seja, acabar com as brocas do café (praga cafeeira), que estavam infestando todo o estoque do armazém.

Primeiro eram demarcadas as quadras de café que seriam imunizadas, em seguida entrava o trabalho pesado. Com enormes lonas plásticas se cobria toda a quadra demarcada.

Depois disso, colocava-se saquinhos compridos costurados com areia dentro em toda a extensão da quadra, de maneira que tudo ficasse bem vedado e aí entrava a parte mais perigosa da tarefa: Injetar gás venenoso dentro da quadra vedada.

O produto era tão nocivo que os seis trabalhadores se apresentavam equipados com material de segurança desde o macacão, luvas e máscaras que impediam que eles aspirassem o veneno.

Mas essa prática não alterava o sabor do café na hora em que ia para o bule porque segundo o encarregado, dias depois todo o gás se desfazia, deixando apenas o resultado da pratica no chão, ou seja, milhares de bichinhos (brocas) exterminadas.

Estamos em 1970 e a família já havia mudado para outra casa, só que nesse caso, não era o espírito aventureiro de seu Carlos que estava falando mais alto, e sim a renovação do aluguel da 2° casa, que estava inviabilizando a continuação, pois o proprietário estava pedindo um preço absurdo para a renovação.

Assim a melhor opção seria ir para outro lugar.

Já se cogitava até em ir embora da cidade.

- Vou só esperar que o Renato e meu irmão fiquem desempregados para então irmos embora, comentou ele com dona Gisa.

Reinaldo havia arranjado uma namoradinha e gostava de levá-la ao cinema, porém não se sentia bem em ter que pedir dinheiro ao pai, e essa tarefa normalmente ficava a cargo de Renato que era mais cara de pau.

Só que Renato sabia das dificuldades do pai e acabava dando dinheiro do seu próprio bolso e Reinaldo mais constrangido ficava por se sentir sem ação e agora sem emprego, pois, havia saído do escritório.

Se para Renato e o tio, conseguir um trabalho embora temporário, havia sido uma questão de sorte, pois, precisou uma firma de fora, vir à cidade e contratá-los apenas porque seu Carlos tinha certa influência como funcionário do IBC, imagine então quando é que Reinaldo conseguiria um emprego.

Não era todo o dia que uma firma de expurgo caia do céu na cidade.

Já estava ficando adulto e no mês de setembro completaria 17 anos.

O serviço militar o incomodava.

O ano chegava a sua primeira metade.

O Santos F.C. já estava sem a maioria de seus craques que haviam se despedido no tri paulista de 69: Pepe e Gilmar aposentados, Coutinho se transferindo para a Portuguesa de Desportos, e Dorval e Formiga iniciando suas carreiras como treinadores.

Ainda em maio o Santos mesmo sem todos esses ícones do futebol excursionava pelo mundo, trazendo na bagagem alguns troféus:

O Hexagonal do Chile e no Brasil a Taça Cidade de São Paulo. Era muito pouco para um time acostumado a grandes conquistas.

No Campeonato Paulista desse ano, fica apenas em quarto lugar.

Mesmo assim para orgulho de seus torcedores, manda Carlos Alberto, Clodoaldo e Pelé para a Copa do Mundo no México.

E eles não decepcionam.

Brasil 4 x 1 Itália

Na decisão contra a Itália o Brasil é mais que favorito, tanto que Renato, resolvera participar de um bolão com todo o pessoal do IBC, funcionários, equipe de expurgo, e outras pessoas que resolveram entrar no bolão.

Havia marcado 4 x 1 para o Brasil e quando Pelé enfia aquela bola açucarada para Carlos Alberto encher o pé, e decreta o placar final, Renato não sabe se comemora o título da seleção ou o fato de ter acertado seu palpite.

Estava na casa da irmã de Rosana, e no final da partida, correu feito louco pela rua gritando, Ganhei! Ganhei! Ganhamos Brasil!

Foi para casa dar a boa notícia para a família.

Na segunda-feira pegava toda aquela dinheirama, junto com ele apenas mais um colega havia acertado o palpite, e assim dividiram o dinheiro meio a meio.

Não era muita coisa, mas deu para ajudar os pais em algumas despesas e ainda dar algum para o irmão.

O trabalho de expurgo havia chegado ao seu final, e o encarregado fazia os acertos financeiros com os seis empregados.

Renato sentiu uma tristeza muito grande, havia feito amizade com todos nos seis meses em que trabalhara no armazém. Mas era essa a realidade, e agora se via desempregado novamente.

Ainda não sabia das intenções do pai com relação a irem embora de Garça.

Seu Carlos reuniu a família dizendo que iriam ficar somente até o Natal, depois disso iriam embora, pois ele queria passar o reveillón com os parentes em Santos.

Renato sabia que o pai estava escondendo a verdade, pois nunca fora dessas frescuras de passar Ano Novo com parentes, e que o que gostava mesmo era de estar nesse dia, apenas com a esposa e os filhos, e claro o irmão que agora estava com ele.

Sentia-o triste, o salário e mais a diária, já não estavam sendo suficientes para que ele desse um conforto melhor à família, prova disso era a casa que havia alugado. Velha de madeira, caindo aos pedaços, e um banheiro no quintal que nem vaso sanitário tinha, e quando tinham de fazer suas necessidades, elas iam cair no fundo de um poço que exalava um cheiro nada agradável.

Apesar disso, dona Gisa e os filhos nunca reclamavam, o mais importante é que estavam juntos para o que desse e viesse.

Mil coisas passavam pela cabeça de Renato, recordando o primeiro dia em que entraram lá na casinha de boneca da Melchiades Nery de Castro, os meninos caçoando deles por estarem pegando cocô de cavalo na rua, as amizades com as garotas, as brigas com os ciumentos de plantão e principalmente a garota de sorriso lindo. (por onde andaria ela?)

Tudo isso passava como um turbilhão no seu pensamento. Sua estadia na cidade estava acabando assim como sua história.

Reinaldo havia deixado a namorada, pois sabia que não poderia se envolver mais seriamente com ela, e depois ter que abandoná-la. Iria se apresentar ao Serviço Militar, mas, em Santos, quem sabe não tivesse uma melhor sorte do que tivera Renato e conseguisse alguma coisa na Marinha ou Aeronáutica.

Voltou primeiro para Santos, e foi morar com a irmã de seu Carlos, indo trabalhar como feirante.

Fim de uma linda aventura

Algum tempo depois a família toda também partia.

Dias antes, seu Carlos, Renato e dona Gisa foram à casa do amigo Waldir para se despedirem e seu Carlos comunicou a ele que iria fazer de tudo para que ele fosse para o Santos F.C., pois tinha amizade com o presidente do clube, e com o treinador.

Waldir agradeceu e acabou dando a notícia que Renato a tanto esperava. Sua garota de sorriso lindo havia se mudado para Barretos.

Deixou o endereço com Renato que na primeira oportunidade escreveria para ela.

Em setembro de 70, com um pouco da experiência que tivera em Garça, consegue um emprego e vai trabalhar na mesma área em um armazém em Santos.

A família estava provisoriamente na casa de uma das irmãs de dona Gisa, mas quase nem tiveram tempo de esquentar cadeira.

De Santos a São Paulo num piscar de olhos

Três meses depois, já estavam em São Paulo. O destino agora era um armazém do IBC, na Vila Carioca, um subdistrito do bairro do Ipiranga, na divisa com São Caetano.

O armazém ficava a duas quadras da Rua Auriverde, onde seu Carlos havia alugado uma casa de fundos.

O tio Moacir, novamente os acompanhava e junto com Renato, vai trabalhar como ajudante geral no armazém.

Próximos de Santos, Renato e Reinaldo agora não perdiam a oportunidade de todo o final de semana descerem a serra e junto com os primos aproveitarem as praias. Gostavam de frequentar a Biquinha, e o Gonzaguinha, praias de São Vicente que tinham mais a ver com a cara dos dois, por causa das amizades.

Renato ainda se lembrava da garota de Garça, mas havia perdido seu endereço, agora não recordava se na mudança para Santos ou para São Paulo, eram tantas as mudanças que em alguma parte, alguma coisa haveria de se perder.

Não queria entrar em contato com Waldir, pois a promessa que seu pai fizera a ele de trazê-lo para o Santos não pode ser cumprida, e Renato achava chato pedir qualquer coisa que fosse a ele.

      Assim, a garota foi ficando longe em sua memória. Tinha que tocar sua vida, e não era conveniente ficar vivendo de passado.

O rock dos 70' e suas vastas cabeleiras

Entrava a década de 70, com todas as suas mudanças de comportamento, de moda e de música.

Cabelos compridos, calças justas, bocas de sino blusas com as mangas cheias de franja.

Grupos de rock fazendo som pesado, tirados da inspiração nos Beatles que acabavam de se separar, e que deixavam como último legado, o LP Abbey Road, curiosamente gravado antes do Let It Be, mas lançado depois, com muito som pesado, que também tinham sido herança deles mesmos no Álbum Branco.

Agora o que se ouvia era Deep Purple, Led Zeppelin, Black Sabbath, considerados o Trio de Ferro da Inglaterra.

Na esteira vinham bandas menos conhecidas, mas, não menos essenciais ao rock que se formava.

Reinaldo ainda não trabalhava, por isso sempre que Renato tinha um dinheiro a mais, lá iam os dois para São Vicente.

Chegavam na sexta à noite e só voltavam no domingo.

A Turma da Caveira e a banda de rock

Foi assim que criaram "A Turma da Caveira" junto com um primo e mais quatro amigos, entre os quais duas garotas. "minas" como se costumava falar.

Tinham um assobio próprio para se comunicarem na praia ou nos shows de rock que eram realizados no E.C. Beira Mar "O Beira" como era conhecido e no São Vicente Praia Club, lá perto do Corpo de Bombeiros, no caminho para a Ponte Pênsil.

Dona Gisa havia bordado uma caveira, no lado direito de suas jaquetas e eles gostavam de "tirar onda", se exibindo aonde iam.

Um dos rapazes tinha um fusquinha batizado de Herbie, e nele, não perguntem como, iam as sete pessoas. Uma em cima da outra. O que valia mesmo era a curtição, sem maconha e sem LSD e sem violência, puramente curtição.

Quando nem Renato e nem o pai, tinham dinheiro para que eles descessem a serra, eles davam um jeito de pegar carona.

Primeiro indo até a Via Anchieta com alguém, depois completando a viagem até a Baixada.

Claro que essas caronas seu Carlos jamais ficou sabendo. Era a situação típica de dois rapazes no início dos anos 70 ávidos por aventuras e cheios de imaginação. (mochila nas costas e pé na estrada).

Por essa época, montaram uma banda chamada Cosmos Originary, com dois integrantes da Turma da Caveira, que tocavam guitarra.

Conseguiram um maluco para a bateria e costumavam ensaiar em cima de um barzinho no Bairro do Beira Mar em São Vicente.

Renato, Reinaldo, os primos e as garotas, ficavam por conta do coro, pois não tocavam nada, só vitrola como dizia seu Carlos.

Faziam bons covers, do Creedence Clearwater Revival que eram sua fonte de inspiração, de George Harrison o grande guitarrista dos Beatles que após a separação pode mostrar toda a sua habilidade como compositor e de vários outros grupos de rock.

As apresentações do Cosmos normalmente eram na quermesse do Brasil um clubezinho de São Vicente.

Garça parecia ter ficado para trás na memória de Renato, assim como a garota de sorriso lindo.

Não queriam fama nem sucesso, só queriam curtir o momento...e curtiam.

O amigo Waldir, depois de ter passado pela Ponte Preta de Campinas, foi se firmar no São Paulo e em pouco tempo também deixava sua história na seleção brasileira.

Nova vida na Mata Atlântica

Seu Carlos finalmente começava a melhorar as condições de vida. Conversando com um amigo, descobriu que lá pelos lados de Ribeirão Pires estavam vendendo lotes de terras, na divisa com Rio Grande da Serra.

Eram terras baratas que com uma pequena entrada podiam ser adquiridas sem muita burocracia.

Num sábado pegou toda a família e foi para Ribeirão. Chegaram à imobiliária e junto com um corretor foram conhecer o tal loteamento.

Toda a área era coberta por mata virgem, a Mata Atlântica que ali ainda reinava intocável.

O loteamento estava localizado em um morro, que tinha como única opção de entrada, uma estradinha de terra, aberta por pás carregadeiras.

Seu Carlos se encantou com uma área já na descida do morro, que dava vista para a cidade de Rio Grande da Serra.

Se fechassem negócio seria uma tarefa árdua limpar todo aquele local e deixa-lo pronto para construção.

- O que vocês acharam? Perguntou seu Carlos.

- Eu achei ótimo, disse dona Gisa, pelo menos poderemos ter nosso próprio cantinho.

O tio Moacir que também havia ido, concordou com ela.

Renato e Reinaldo apenas acenaram afirmativamente com a cabeça, pensando em quantas vezes teriam de deixar de ir para a casa dos primos em São Vicente, por conta daquelas terras.

- Sendo assim, vamos para a imobiliária fechar negócio, disse dirigindo-se ao corretor que ria certamente pensando no bom negócio que fizera.

Algumas horas depois seu Carlos saía da imobiliária, exibido o contrato na mão.

- Tá feito! Aquele vai ser nosso cantinho de lazer nos finais de semana.

Reinaldo passou a fazer um curso numa escola de aeronáutica. Estava determinado em seguir carreira.

Renato e o tio continuavam trabalhando no armazém do IBC.

As idas para São Vicente realmente estavam ficando mais difíceis, pois mais animados com a chácara que haviam adquirido os irmãos passaram a dedicar seu tempo livre a ajudar o pai e o tio na limpeza do terreno que somava 5.326m².

Na sexta-feira ia ao mercado da Lapa com Reinaldo e Renato e lá comprava miúdos de frango e frutas.

Dona Gisa temperava o frango na sexta à noite, e no sábado bem cedinho, pegavam o trem na Vila Carioca, indo até o centro de Ribeirão Pires, onde ainda tinham que tomar um ônibus, até o Jardim Valentina, bairro na divisa com Rio Grande, onde estava localizado o loteamento.

Dali subiam o morro a pé.

Na hora do almoço, Dona Gisa estendia uma toalha em uma clareira que haviam aberto, e ali no meio das formigas e outros insetos, devoravam os miúdos de frango e as frutas com refrigerante quente.

Ao entardecer, juntavam as coisas e escondiam as ferramentas no meio do mato fechado.

No domingo faziam o mesmo.

Já era a quarta semana que a família ia ao local para desmatar o terreno e seu Carlos havia trazido o pai seu Luiz, que apesar da idade, ainda tinha muita força e era o encarregado de com o machado cortar as raízes das árvores (destocar) como ele dizia, para que as mesmas não crescessem mais.

Dois fatores estavam cansando a família, mas principalmente seu Carlos e dona Gisa. Primeiro o fato de terem que se deslocar todo o sábado e domingo para lá. Segundo que tinham de pagar o aluguel da casa e mais as prestações do terreno.

-Se ao menos pudéssemos construir uma casinha pequena, apenas para que saíssemos do aluguel, disse ele a dona Gisa.

- É! Mas para isso teríamos que abrir mão de várias coisas, inclusive o curso de Aeronáutica que o Reinaldo está fazendo, retrucou dona Gisa.

- Mas Ribeirão Pires não fica tão longe que uma viagem de trem não resolva, respondeu seu Carlos, além do mais até construirmos essa bendita casa, Reinaldo já pode ter terminado o curso.

Morando no meio do mato

Num sábado em que lá estavam, notaram um grande movimento no terreno abaixo, onde havia uma modesta casa.

Vários carros estacionavam em frente ao local com pessoas rindo e falando alto.

- Na hora em que pararmos para comer eu vou dar uma chegada lá como quem não quer nada, só por curiosidade, afinal é a primeira vez em um mês que alguém resolve vir aqui, disse seu Carlos.

Assim, depois do almoço, lá foi ele e dona Gisa, conversar com o vizinho que junto com os demais, se divertia cantando ao toque de cerveja e churrasco.

Logo estavam diante dele. Pedro era seu nome. Era de Santos e só de vez em quando vinha com os parentes e amigos para a chácara.

Chácara esta que tinha um pequeno lago, a casinha modesta que mais tarde seu Carlos soube se tratar de apenas um cômodo que tinha um fogão a lenha.

-Minha ideia é criar patos e galinhas aqui aproveitando esse lago, além de plantar algumas árvores frutíferas, mas eu não tenho tempo de vir sempre aqui, por causa de meu trabalho em Santos e não conheço ninguém de confiança que tenha disponibilidade para morar aqui e tocar meu projeto.

Rapidamente os neurônios de seu Carlos começaram a funcionar.

- Olha! Eu tenho uma chácara no terreno acima, mas moro em São Paulo e só venho aqui aos sábados e domingos, para limpar o terreno que pelo andar da carruagem para ficar do jeito que eu quero vai levar muito tempo ainda. Dias atrás conversava com minha esposa a respeito de como seria bom se já tivéssemos uma casinha construída para podermos mudar para cá de vez. Podemos unir o útil ao agradável, eu venho morar em sua casa, cuido dos animais que você comprar e continuo meu trabalho no meu terreno. O que me diz?

O proprietário olhou para sua esposa que estava ao lado, perguntando o que ela achava.

Imediatamente ela respondeu que concordava, concluindo que nos finais de semana em que viessem com os parentes e amigos, seu Carlos certamente estaria cuidando de suas terras.

-Mas quero deixar claro uma coisa disse seu Carlos, o serviço pesado eu não vou fazer no seu terreno, esse eu reservo para o meu terreno, ok?

- Fechando negócio, quando vocês se mudariam para cá?

- Nessa semana que entra mesmo, não sou de esperar muito para fazer as coisas.

- Então está combinado, quando formos embora eu subo lá e deixo a chave da casa, mas lembre-se que o cômodo é pequeno e vocês terão que ver o que vão trazer para cá.

- Não se preocupe, só vamos trazer camas, mesa, um armário o guarda roupa e nosso fogão, apesar de vocês terem um a lenha aqui, televisão e geladeira eu vou vender.

Da teoria à prática não se passou nem três dias e já na quarta-feira da semana seguinte, por volta de 10h00, após terem pedido licença do serviço, um caminhãzinho parava defronte à chácara de seu Pedro.

Imediatamente se Carlos o irmão e o pai se encarregavam de montar as camas, enquanto os meninos faziam alguma pequena limpeza na casa, e dona Gisa se apressava em recolher lenha para fazer o almoço.

Ela tinha uma grande prática em lidar com fogão à lenha, pois, não esquecera de seu fogão em Araraquara.

Depois do almoço subiram ao terreno para pegar as ferramentas que estavam espalhadas pelo mato.

A vida da família corria tranquila, embora as dificuldades fossem maiores, pois Renato, seu Carlos e o tio Moacir continuavam trabalhando em São Paulo, e Reinaldo ainda continuava no curso.

No sítio só ficava dona Gisa e seu Luiz que bem cedinho ia para o terreno continuar o desmatamento.

Seu Carlos resolveu pedir para que o tio Moacir deixasse o serviço no armazém para se dedicar junto com o pai, ao terreno, para ver se assim as coisas andavam mais depressa.

Moacir concordou e passou a ajudar o pai, além de cuidar das aves que Pedro já havia levado para lá e também das mudas das árvores frutíferas.

No sábado e domingo todos se reuniam no terreno para cuidar do terreno, menos dona Gisa que ficava por conta de fazer o almoço.