PARTE DOIS

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PARTE DOIS

Deste lado do mundo, continuávamos com as musiquinhas simples, de refrão gostoso e fácil de guardar.

Já tínhamos problemas sociais demais em nosso País para nos enveredarmos por caminhos musicais difíceis de serem assimilados embora o descontentamento com o regime, já estivesse se tornando evidente.

Em 1967, o Santos se torna Bicampeão Paulista, o décimo título do Peixe.

Nesse ano a torcida conhece Clodoaldo e Edu, um ponta-esquerda de apenas 16 anos revelado nas praias santistas.

Revolução no mundo do Rock

Os Beatles, seguindo a política do trabalho em estúdio, após algum tempo, sem aparecer na mídia, surgem com aquele que seria o divisor das águas da música mundial:

"Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band".

Um álbum conceitual onde as músicas "Sargent Peppers", "With a little help from my friends" e Lucy in the sky with diamonds" eram interligadas contando uma história. A história Sargento Pimenta e o Clube dos Corações Solitários.

Entrava a era do psicodelismo, do Flower Power.

Mais tarde outros grupos fariam a mesma coisa (The Who com Tommy e Pink Floyd com The Dark Side Of The Moon) entre outros.

Roberto Carlos lança o álbum Em Ritmo de Aventura (a única música em parceria com Erasmo é: Eu Sou Terrível). Porquê?

Aqui cabe a explicação de um expert no assunto, Paulo Cesar Araújo, autor da biografia não autorizada de Roberto Carlos.

"Quando eles começaram a carreira, a imprensa achava que o compositor de verdade fosse Erasmo. Roberto ficava chateado e não queria que isso se propagasse.

Em 1966, o Erasmo foi homenageado no programa de Wilson Simonal como melhor compositor e ninguém mencionou o nome de Roberto que reclamou e eles ficaram brigados por um ano.

Nesse período Roberto compôs "Namoradinha de um amigo meu", "Quando", "Como é grande o meu amor por você" e outras canções de sucesso.

Depois eles fizeram as pazes e estouraram com "Eu sou terrível", e Erasmo disse que a briga acabou solidificando a amizade "

Renato havia arranjado uma namoradinha, Léa e junto com o amigo Gil, e a irmã dela, Cléa, iam quase todos os domingos à praia, onde se divertiam a valer com pouco dinheiro.

Tinha em dezembro de 67, terminado a 5ª série uma espécie de Curso de Admissão ao Ginásio na Escola Olavo Bilac.

A Tropicália

A Jovem Guarda vai perdendo força dando lugar a um outro movimento: O Tropicalismo que teve sua eclosão com as ruidosas apresentações, em arranjos eletrificados no III Festival de MPB da TV Record em 1967, tendo como baluartes Gilberto Gil e Caetano Veloso.

Na esteira de Caetano e Gil, vinham Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes, o maestro Rogério Duprat, Nara Leão e os letristas José Carlos Capinam e Torquato Neto, tendo também o artista gráfico, compositor e poeta Rogério Duarte como um dos principais mentores intelectuais.

O Tropicalismo misturava rock, samba, bossa nova, rumba, bolero, baião, marcha (vide Alegria, Alegria) e música de capoeira (vide Domingo no Parque).

Sua atuação quebrou as rígidas barreiras que permaneciam no País.

No ano seguinte, o festival, foi integralmente considerado tropicalista com Tom Zé apresentando a canção "São Paulo".

No mesmo ano foi lançado o disco Tropicália ou panis et circenses, considerado quase como um manifesto do grupo.

Renato costumava dizer já que não era muito adepto do tropicalismo e que Caetano, Gil e Gal, nem se comparavam a Roberto, Erasmo e Wanderléa.

Claro que era uma comparação sem sentido, pois os tempos eram outros e esse movimento falava irreverente de política, moral, comportamento do corpo, sexo, vestuário.

A contracultura hippie foi assimilada com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas. Também tínhamos a exemplo dos Beatles, nosso psicodelismo e flower power tupiniquim.

O movimento libertário por excelência, durou pouco mais de um ano e acabou reprimido pelo governo militar.

Seu fim começou com a prisão de Gil e Caetano em dezembro de 68.

A cultura do País, porém, já estava marcada para sempre pela descoberta da modernidade e dos trópicos.

Em janeiro de 1968, Roberto Carlos, passa a se tornar um cantor internacional, após ter ganhado o Festival de San Remo, com a música Canzone Per Te.

Era o primeiro cantor das bandas de cá a ganhar tal festival.

Por causa disso talvez, Roberto começasse a se envolver mais com músicas românticas e dançáveis, que a partir dali, seriam sua marca registrada.

Finalmente o filme em Ritmo de Aventura, chega a Santos. Vai ser exibido no Cine Ouro Verde na Rua Carvalho de Mendonça.

A namoradinha e a irmã querem assistir, Renato e Gil também. Estão fora da época de pagamento e mais duros do que p... de noivo como diria seu Carlos em suas máximas.

Renato e Gil bolam um plano para não ter que pagar as entradas das namoradas.

Inventam que vão trabalhar até mais tarde e só por volta das 14h00 estarão livres, exatamente no horário da exibição do filme.

- Mas no domingo, pergunta incrédula, Lea?

- É plantão mentem os dois.

Eu vou ter que receber um estoque de café no armazém onde trabalho, e o Gil, vai ficar de plantão no prédio onde trabalha.

- Vocês fazem assim: Ficam na fila e se nós não chegarmos a tempo, vocês entram, e guardam dois lugares para nós. Renato não tem dinheiro nem para a pipoca que com certeza as meninas vão querer. Gil tem menos ainda, só dá mesmo para a entrada.

Pedir que elas pagassem seus ingressos já seria demais.

Da esquina os dois observam quando elas se aproximam do guichê, que fica localizado em frente à calçada.

Alguns minutos depois eles também já estão com as entradas na mão.

As luzes ainda não se apagaram por isso é fácil localizá-las, (graças a Deus elas já estão com o saquinho de pipocas na mão).

Entre beijos e pipocas, eles observam o Rei na telona, se desdobrar para se livrar dos bandidos que querem roubar suas músicas.

É um filme meio sem nexo, mas cheio de efeitos, com bombas explodindo, guerra simulada, Roberto no espaço etc, e o som gostoso da trilha musical.

Mais uma mudança radical

Estamos em meados de 68 e seu Carlos chega em casa com mais uma de suas surpresinhas.

- Gisa, recebi uma proposta para trabalhar no interior de São Paulo.

A cidade chama-se Garça e fica a 75 quilômetros de Bauru. Vou ganhar uma boa diária durante todo o tempo que lá estiver.

- Mas, Carlos, e o trabalho do Renato, a escola do Reinaldo, vamos jogar novamente tudo pelos ares?

- Trabalho ele consegue lá, e se não conseguir eu estarei com ele para apoiar. Quanto aos estudos, o Renato já vai ingressar no Ginásio, e o Reinaldo pode fazer o ginásio sem ter que passar pelo 5° ano e pode apenas fazer o exame de admissão .Eu não posso deixar passar esta oportunidade, pois representa um salto muito grande no meu salário, além do mais, vamos respirar novos ares, e sair um pouco da cidade grande e de todo esse problema político que envolve o País, e principalmente aqui em Santos onde os olhos do regime estão sempre vigilantes por causa do porto.

Como sempre, com os argumentos fortes de seu Carlos e desta vez mais fortes, só resta à dona Gisa acatar.

Quando chega em casa, Renato vê o irmão no quarto, chorando. Pergunta o que houve, e tem como resposta, a ideia do pai de se mudar.

Renato fica perplexo.

- Mas de novo? O pai não sossega mesmo hein?

Mais uma vez vai ter que largar tudo o emprego e agora a namorada e se aventurar sabe Deus, onde.

Diferentemente de Jaguaré e Araraquara, Renato não quer mais esse tipo de coisa. Quer sim se formar, arranjar um bom emprego, e se firmar na vida.

Mas está com 17 anos e sendo ainda menor de idade, tem que acatar as decisões do pai.

Morar em casa de parentes novamente, é uma coisa que não passa por sua cabeça.

As coisas acontecem rápidas demais, e em poucos dias já estão embarcando para São Paulo e de lá para a tal cidade de Garça.

Seu Carlos e Reinaldo haviam ido dias antes, ficando em um hotel até conseguirem alugar uma casa.

Nesse mesmo tempo ele se apresentou ao seu novo local de trabalho, o armazém do IBC na Cidade.

Agora já no ônibus, Renato ao contrário da viagem à Araraquara, não vê beleza alguma na paisagem.

Seu pensamento está voltado para o final de semana que antecedeu a viagem, quando os amigos resolveram fazer um baile de despedida na casa de Gil.

Ao som de "E por isso estou aqui", "Eu sou terrível", "Por isso corro demais", e outras do LP Em ritmo de aventura, Renato abraçado à namorada, chorava como criança, e em outro canto via Reinaldo triste.

O que era para ser uma festa alegre de despedida acabou sendo o momento mais doloroso de sua vida. Não que a namorada fosse a grande paixão de sua vida, mas era sua namorada e gostava dela.

Paixão mesmo daquelas fortes, ele ainda não havia conhecido... ainda.

Renato chorava baixinho, (não queria ter ido).

A mudança havia ido no dia anterior e junto com ela, na cabine do motorista o periquito australiano da mãe, que recomendava ao motorista todo cuidado com o bichinho.

- Pode deixar senhora, ele vai chegar lá do jeito que está saindo. São e salvo, brincou o motorista.

Será que ele vai aguentar essa viagem, pensou Renato.

Seis horas depois, já se encontravam na rodoviária de Garça e de lá subiam a pé até a casa que ficava a algumas quadras do centro.

O novo endereço: Rua Melchiades Nery de Castro, 220.

A casa era bonitinha e pequena, parecida com aquelas casas de boneca e quem passasse pela calçada certamente perguntaria se cabia alguém nela.

Porém lá dentro era bem confortável, com uma sala e dois quartos, uma copa grande, e um quintal enorme que pegava meia quadra, com vários tipos de árvores frutíferas.

A mudança já havia chegado e estava amontoada nos cômodos, a tarefa de arrumá-la ficaria por conta da mãe e dos meninos, pois o pai já teria que se apresentar no serviço.

- Monta o que você conseguir, dos móveis e mais tarde eu venho para ajudar diz seu Carlos.

Num canto da sala, o Compacto Simples dos Beatles, I'm The Walrus e Hello Goodbye, que Renato havia comprado em Santos (claro, escondido do pai).

Procurou pelo Beatlemania, mas não o encontrou. "Deve estar no meio dessa bagunça toda", pensou.

O periquitinho, no quintal, cantava e fazia o seu barulho costumeiro.

Aparentemente não havia sentido o peso da viagem.

Garça "Sentinela do Planalto"

O município de Garça situa-se na região Centro-Oeste do Estado de São Paulo (415 km da capital), ao longo do espigão onde nascem duas importantes microbacias hidrográficas: Peixe e Aguapel propiciando abundante presença de matas, grotões e mais de 80 cachoeiras com alturas variáveis.

Apresenta grande potencial turístico com 18,50 hectares de Mata Atlântica preservada dentro da cidade (Bosque Municipal) e um número altamente significativo nas propriedades rurais adjacentes. Sua população está em 44.019 habitantes (estimativa de julho de 2004).

Tem como Distrito, Jafa com 2.753 habitantes. Seu clima é sub-tropical com temperaturas máxima 28,5ºC e mínima de 17,8ºC. Seus limites são: Norte: Álvaro de Carvalho e Pirajuí, Sul: Gália, Alvinlândia e Lupércio, Leste: Gália e Presidente Alves, Oeste: Vera Cruz.

Em julho de 1916 partiu do município de Campos Novos Paulista, uma caravana de aproximadamente 20 pessoas, chefiadas pelo Dr. Labieno da Costa Machado. Em terras ainda selvagens a comitiva se instalou às margens do Rio do Peixe. Ao descobrir um novo afluente, mudaram o rumo, seguindo o curso do novo rio, denominado mais tarde Ribeirão da Garça.

A denominação se deu devido ao grande número dessas aves no local.

Garça teve no princípio o nome de Incas, depois Italina. O nome Garça foi inspirado no ribeirão que nasce no seu perímetro urbano.

Labieno fundou a cidade de Garça em 4 de outubro de 1924, mas em 05 de maio de 1929 aconteceu a instalação do Município, por isso no dia 5 de maio é comemorado seu aniversário. porém sua fundação não se deve apenas a ele, pois a cidade se originou de dois núcleos distintos: o primeiro formado por Labieno (Labienópolis) e o segundo por Carlos Ferrari (Ferrarópolis).

Garça foi se desenvolvendo principalmente com a cultura do café e ao longo do século XX se tornou um dos principais pólos de produção cafeeira do Brasil.

Em 09 de abril de 1960 a Lei n.º 0620/60 autoriza a doação de terreno ao Instituto Brasileiro do Café destinado à construção de armazém.

Em 21 de abril de 1962, o município viu nascer uma das mais importantes cooperativas cafeeiras do País: a Garcafé (Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Garça), projetando a cidade nacional e internacionalmente como um dos principais produtores de café do Brasil. Na época em que Renato e Reinaldo lá estiveram seu slogan era "A Sentinela do Planalto", e o povo costumava dizer que enquanto Garça ficava de sentinela, Marília (a 35 quilômetros dali), crescia.

Pura maldade.

      Hoje seu slogan é "Capital da eletro-eletrônica" por investir sua economia nesse setor desde a década de 80.

Dentre as pessoas ilustres de Garça, estão: Roberto Carlos, lateral da Seleção Brasileira e Waldir Perez goleiro.

A primeira providência a ser tomada seria matricular os meninos. Dona Gisa se encarregou de procurar uma escola, mas como estavam próximos das férias de meio de ano, eles só poderiam voltar a estudar no início de 1969. Iriam ficar seis meses sem ter contato com os livros.

Mas para a "infelicidade" deles o pai resolveu que iriam ter aulas particulares, ministradas por uma professora aposentada, esposa de um dos amigos do IBC.

Uma tarefa nada agradável

Intercalando as aulas particulares que a professora batizara de reforço, os irmãos por determinação de seu Carlos, que queria fazer daquele imenso quintal, uma horta com todo tipo de legumes e verduras, iriam sair pelas ruas da cidade, catando esterco de cavalo, já que era comum os animais andarem soltos pelas ruas.

A falta de amizades somadas àquela tarefa humilhante, fazia com que se sentissem tristes.

Por diversas vezes ouviam risinhos disfarçados de meninas e meninos nas ruas, porém ninguém comentava nada, não por medo, mas pelo fato de ainda não os conhecerem.

Além do fato de não serem somente eles a recolher cocô de cavalo nas ruas.

Com o tempo a horta já começara a render alguns frutos, ou melhor, legumes e verduras e Renato e Reinaldo se sentiam mais animados.

A prática do Footing e a primeira namoradinha em Garça

Começavam a ter alguns amigos conquistados na Praça Pedro de Toledo, a principal da cidade, que tinha uma fonte luminosa e ali aos sábados e domingos a noite, se praticava o footing.

Footing em inglês significa exatamente ir a pé.

As meninas andavam em volta da fonte luminosa por um lado, enquanto os meninos faziam o caminho inverso (hoje já não existe mais essa prática, pois com a criação do lago artificial J.K. Willians inaugurado em 28 de agosto de 1980 os jovens preferem ir paquerar por lá).

O objetivo do footing era o flerte e quando um rapaz se interessava por uma garota no meio de tantas, jogava um sorriso para ela ou uma piscadela.

Na próxima passada, os sorrisos e piscadelas continuavam.

Normalmente isso durava, duas ou três passadas, e em seguida ele a convidava a se retirar daquela procissão (parecia de fato uma procissão).

Saiam dali para um banquinho da praça e ali passavam a trocar ideias.

Mas às vezes as coisas não eram tão fáceis assim e o observador levava semanas e até meses para poder tirar a garota que lhe interessara, da procissão.

Em muitos casos até casamentos eram realizados através dessa prática.

Foi numa dessas passeadas pela praça, que Renato conheceu Mariana, uma garota bonitinha e sorridente.

Não houve muito esforço para conquistá-la e em poucos dias já estavam namorando.

Gostavam de ficar isolados, em ruas pouco movimentadas e semi-escuras, mas naquela época ainda havia o respeito mútuo e nenhum dos dois se atrevia a passar daqueles simples amassos sem maiores consequências.

Reinaldo gostava como se diz hoje em dia, de "ficar", sem se apegar a nenhuma garota, hoje uma amanhã outra e assim por diante. Com 15 anos queria mais era viver a vida.

Como uma rede (vide os sites de relacionamento de hoje em dia), os meninos através de amigos e amigas iam multiplicando suas amizades.

Todos queriam ouvi-los falar, pois tinham um sotaque diferente.

Era um tal de "tu" prá cá e "tu" pra lá que soava estranho a eles acostumados a falar "ocê".

Algumas meninas os convidavam a irem às suas casas, conhecerem os pais, que por sua vez, adoravam perguntar sobre as praias, a Vila Belmiro e principalmente sobre Pelé.

Falavam sobre a alegria de irem à Vila ver o Santos jogar porque sabiam que iam assistir a um grande espetáculo.

Renato gostava de contar a história da queda do alambrado, e cutucava o irmão:

- Ele se machucou na queda e foi atendido pelo goleiro do Corinthians.

Os meninos deram a ele o apelido de Testa Larga, por causa do calombo na testa, brincava Renato.

- É e o teu apelido era Foca, por causa do teu narigão, retrucava Reinaldo.

Estavam se sentindo os reis da cocada preta naquela cidade de pouco mais de 30 mil habitantes.

Amizades e inimizades

Se por um lado estavam fazendo muitos amigos, por outro as inimizades cresciam.

Muitos não gostavam de ver suas meninas se jogando para cima de dois moleques, só por que eles haviam vindo de Santos.

Assim, as brigas tornavam-se inevitáveis e por várias vezes os meninos eram acuados na rua onde um grupo de ciumentos os ofendiam e agrediam.

Como eles nunca estavam sozinhos as coisas se equilibravam e no final só sobravam alguns olhos roxos e arranhões.

O que mais preocupava Renato não era o ciúme dos rapazes e sim o ciúme de Mariana, que não admitia que seu namorado ficasse frequentando a casa de outras garotas, para exibir seu vocabulário santista.

As garotas agora mandavam músicas através da rádio local, para os santistas (como elas os haviam batizado), e isso deixava Mariana fula da vida.

- Mariana, quando te conheci, eu falei que as coisas eram assim e não tenho como mudar isso agora.

- Se estou com você, é porque sinto alguma coisa mais forte, senão não estaria aqui, se quiser continuar comigo vai ter que deixar esse ciúme de lado.

Renato sabia que não era amor que sentia por ela, mas se sentia bem ao seu lado.

Mariana sempre concordava com ele e o abraçava, mas no final de semana seguinte era a mesma conversa.

-Ouvi aquelas assanhadas mandando música para você de novo. Até quando vou ter que dividir você com elas?

Namoraram apenas 2 meses e Renato preferiu sua liberdade.

Um dia ao chegarem em casa depois de conseguir uns bons sacos de cocô de cavalo, os meninos foram como sempre faziam, brincar com o periquitinho.

Viram a gaiola aberta e vazia, e foram perguntar à mãe onde estava o periquito.

- Chorando a mãe disse que ele havia morrido.

O pai que estava em casa para almoçar, disse que sua morte era devido a idade ou talvez pela longa viagem a que havia se submetido.

Os irmãos se sentiram tristes com a perda do xodozinho da casa, mas seu Carlos rapidamente se prontificou a comprar outro periquito.

Ao invés disso um dia apareceu com um filhote de papagaio em casa que foi recebido com muita alegria pelos meninos.

Tempos depois, seu Carlos contratava uma empregada, para os serviços pesados da casa, enquanto dona Gisa se ocupava apenas da cozinha.

Acontece que essa empregada vivia reclamando do papagaio que andava solto pela casa, e sujava o chão que ela acabara de limpar.

- Eu limpo, ele suja, limpo ele suja, porque vocês não o prendem em uma gaiola?

- Ele não foi acostumado preso na casa onde meu marido comprou, retrucou dona Gisa.

A verdade é que um dia o pobrezinho apareceu morto, atrás do sofá da sala.

A empregada gritou à dona Gisa que o papagaio estava morto, mas ninguém tirava da cabeça que fora a empregada que o havia matado.

Como não havia provas ela continuou no trabalho.

A partir dali seu Carlos nunca mais comprou qualquer animal que fosse.

Mesmo aliviada do serviço pesado da casa, dona Gisa estava precisando fazer uma cirurgia para a retirada de um cisto.

Teve que ficar internada para alguns exames até que pudesse fazer a cirurgia.

Como seu Carlos não tinha a menor ideia de cozinha, e não queria que a empregada cozinhasse, optou por comer de marmita que iam buscar em uma pensão próxima do centro da cidade.

Comida sem graça com um arroz branco, e muito óleo, frango ou carne.

Salada nem pensar.

Preferiam pegar da própria horta, (esse era o menu de todos os dias).
No domingo variava um pouco: macarronada com frango e... muito óleo.

Uma irmã postiça

Dona Gisa ficou quase uma semana internada, entre os exames preliminares e a cirurgia.

Voltando para casa, só não podia fazer esforço físico.

Seu Carlos conseguiu alguém para lavar e passar as roupas de todos, deixando a empregada apenas com o trabalho de limpeza da casa.

A senhora que fora contratada por seu Carlos era viúva e morava na roça, muito distante da cidade e vinha uma vez por semana para pegar as roupas.

Quando ela voltava, sempre trazia a filha (Débora) de 11 anos, que a ajudava nas tarefas.

Dona Gisa aos poucos se recuperava e seu Carlos conversando com ela resolveu que adotaria uma menina, para que lhe fizesse companhia e a ajudasse.

Tiveram então a ideia de falar com a senhora que lavava as roupas, pois sabia que para sua filha era melhor estar no centro da cidade, onde podia estudar e ter um futuro melhor.

Conversando dias depois com a senhora, ela aceitou, pois não tinha muito a oferecer à filha.

Seu Carlos acertou tudo com ela, mas frisou, que a menina ficaria umas semanas como experiência, para que se adaptasse, à nova família e a nova família se adaptasse a ela.

Logo na primeira semana, sentia-se que não ia dar certo, pois a garota, só fazia dormir até tarde levantar e comer.

Ajudar dona Gisa, que estava novamente sozinha, pois com a vinda da menina, seu Carlos resolvera demitir a empregada.

- Ora, eu quero alguém que me faça companhia, e me ajude, e ela nem faz companhia, nem me ajuda, pois, vive dormindo, e quando acorda sai para a rua, com os meninos.

- Calma, vamos dar uma chance a ela, pois ainda não está adaptada ao nosso modo de viver, amenizava seu Carlos.

Mas a gota d'água veio quando a irmã (Maria) e um irmão de seu Carlos (tio Moacir) chegaram de Santos, para passar uns dias com ele.

No domingo á tarde, resolveram jogar cartas e o jogo foi se prolongando até umas 18 horas mais ou menos, quando de repente a menina entrou na sala brava, perguntando se aquela porcaria de jogo ia continuar por muito tempo pois ela estava com fome.

Criou-se um mal-estar entre presentes.

Foi o bastante para no dia seguinte, seu Carlos leva-la de volta para sua mãe, que ainda retrucou, dizendo que iria acionar um advogado.

Alegava ter feito um contrato para que a menina ficasse com eles, mas esqueceu que o contrato só teria validade se estivesse assinado coisa que seu Carlos faria, assim que ela estivesse aprovada por todos e adaptada aos costumes de seu Carlos que eram muito difíceis de se adaptar.

A vida voltava novamente a rotina de sempre. Tia Maria foi embora para Santos, e o tio havia vindo prá ficar e tentar a sorte na cidade.

Renato e Reinaldo começaram a frequentar um rio (Gaia) que passava próximo da cidade.

Para chegar lá tinham que percorrer um longo trajeto através de uma fazenda e um enorme milharal, em seguida passavam por um pasto onde bois e vacas pastavam tranquilamente.

O rio era frequentado por muitas pessoas que iam ali, fazer pic-nic, ou namorar.

Os meninos iam mesmo para nadar e perturbar o sossego de vacas e bois que enfurecidos, corriam deles indo cair no rio.

Todas as tardes depois da aula de reforço lá iam eles para o tal rio, até o dia em que tiveram, junto com mais uma turma a infeliz ideia de tocar fogo no milharal que havia sido colhido e agora estava com suas folhas ressecando ao sol.

No começo estava uma maravilha aquele crepitar de chamas e aquela bela fogueira.

Eles só não contavam com o forte vento que começou a soprar, justamente em direção ao restante da plantação que ainda estavam por colher.

Sem nada que pudessem fazer para apagar o fogo, só restou correram desembestados, cada um para sua casa, antes que o fazendeiro, capataz ou sei lá quem viesse ver o que estava acontecendo.

Por muito tempo eles e os amigos deixaram de ir ao rio, por medo de serem reconhecidos pelos peões da fazenda.

Saindo do sério em cidade alheia

Em um sábado à tarde Renato e Reinaldo foram convidados por outros amigos, a visitarem a cidade de Gália, cidadezinha próxima.

Lá chegando foram passear pelo centro da cidade.

Era pequena, mas, muito bonita, com sua praça principal que tinha ao centro uma Igreja.

Era uma festa que se comemorava na cidade e muitas pessoas de fora se dirigiam para lá.

As barracas fervilhavam de gente. Renato, seu irmão e os amigos, que não eram acostumados a ingerir bebida alcoólica, começaram a se encher de quentão e vinho quente, misturado com cerveja, passando dos limites.

Por volta de 21 horas, acabaram indo parar na delegacia por bagunça em via pública.

Lá, o guarda de plantão pediu os documentos de todos, mas só quem estava com o RG era Renato.

- Ah, você já tem dezoito anos é? Então pelo que parece você é o único maior de idade aqui, e portanto, responsável por esses garotos, disse o guarda enquanto ligava para o delegado que deveria estar de plantão naquela hora, mas estava em casa dormindo. (na cidade pelo visto não acontecia nada que merecesse um plantão noturno).

Renato começou a argumentar com o guarda que realmente haviam se excedido, pois era a primeira vez que ingeriam bebida alcoólica naquela quantidade.

- Será que o senhor também na sua juventude nunca se excedeu em alguma coisa.

O guarda comentou que para sua idade, Renato falava muito bonito, e acabaram por conversar sobre vários assuntos enquanto os meninos assustados se encolhiam num canto da delegacia.

Quando o delegado chegou, a primeira coisa que perguntou foi se havia tido resistência, e se estavam com maconha nos bolsos.

Não, pelo contrário, esse aqui que tem dezoito anos, tentou acalmar os outros. Ficamos conversando bastante. Seu pai trabalho no Instituto Brasileiro do Café lá em Garça.

Parecem ser de boas famílias, todos eles.

Só não trouxeram documentos. Só ele, completou apontando para Renato.

- Eu devia deixar vocês passarem a noite aqui na delegacia, e ligar para seus pais virem buscá-los amanhã, não pela bagunça que vocês fizeram na cidade, mas por terem me tirado da cama a essa hora da noite, mas vou liberá-los.

- Daqui a pouco passa o último trem para Garça, vão e nem olhem para trás.

- Outra coisa, disse quando os meninos já estavam saindo. Quando vierem novamente para cá tragam pelo menos os documentos.

Renato viu quando ele chamou o guarda e deu alguma instrução a ele.

Percebeu que o mesmo guarda os seguia a uma certa distância, mas não se atreveram a olhar para trás.

Àquelas alturas até a bebedeira já havia ido embora.

- Cara, já pensou se o pai fica sabendo disso? Perguntou Reinaldo.

- Não quero nem pensar.

Um passeio por Ribeirão Preto

Dias depois seu Carlos, teria que realizar um serviço na cidade de Ribeirão Preto, por uma semana e resolveu levar todos para lá.

Enquanto eu trabalho vocês podem conhecer a cidade que é muito bonita.

Se hospedaram em um hotel no centro da Cidade, e durante aquela semana, dona Gisa levou os meninos para diversos lugares turísticos.

No domingo antes de retornarem a Garça, foram os quatro conhecer o Zoológico, onde tiraram fotos, e se divertiram a valer.

A noite pegavam o ônibus e poucas horas depois estavam em Garça novamente.

Seu Carlos sabia aproveitar cada minuto de sua vida como ninguém, e fazia questão que a família também aproveitasse.

 Santos F.C. x Beatles 

1968 estava chegando ao fim. Em 10 de dezembro o Santos F.C. se tornava campeão da Taça de Prata (Torneio Roberto Gomes Pedrosa ou Robertão como era conhecido. Um ensaio do futuro Campeonato Brasileiro) que entrara no lugar do Torneio Rio-São Paulo.

Na final o Santos venceria o Vasco da Gama por 2x1.

Ainda em novembro os Beatles lançavam o White Álbum (Álbum Branco).

Um duplo com um som muito pesado. Nem de longe se pareciam com aqueles 4 garotos do início de carreira.

As músicas falavam de revolução, de paz e amor e de política.

John Lennon estava revoltado com o estado de coisas que via.

Paul McCartney continuava com seu jeito romântico.

George Harrison entrou numa fase zen, com muita cítara e música indiana.

Ringo Starr, "parecia" viver alheio a tudo, mas como ele mesmo diria anos depois: "Sou o melhor baterista do mundo, porque toquei na melhor banda do mundo".

Misturando bem todos esses sentimentos diferenciados, o White Álbum só poderia dar num puta som.

A professora continuava com as aulas de reforço e gostava de presentear os alunos com livros.

- Ler faz bem para o nosso raciocínio dizia ela.

Na verdade, o que os dois mais gostavam naquelas aulas, era o lanche que a professora preparava no café da tarde.

Aquilo não era aula de reforço, era uma mordomia.

O Ginásio Industrial de Garça e o amigo Waldir Perez

Finalmente entra o ano de 69 e dona Gisa matricula os meninos no Ginásio Industrial de Garça.

Agora sim estão adaptados ao ensino, por causa das aulas de reforço.
Já que haviam deixado de frequentar o rio Gaia, nada melhor que ver os jogos do Garça, aos domingos.

Foi assim que Reinaldo e Renato conheceram e fizeram amizade com o goleiro do time Waldir Perez de Arruda que mais tarde jogaria na Seleção Brasileira.

Waldir era um mês mais velho que Renato.

A amizade era grande a ponto dos meninos irem a sua casa onde ele em seu quarto gostava de improvisar uma bateria fictícia, com pentes, calçadeira, e outros objetos que dessem um bom som.

Acho que Hermeto Pasqual roubou essa ideia dele.

A mãe de Waldir ficava maluca com todo aquele

barulho.

Logo sua família fez amizade com a família dos meninos.

A primeira e verdadeira paixão

Numa das visitas à sua casa estava lá uma garota linda de cabelos negros e longos, tinha estatura mediana, e um corpinho lindo.

Mas dentre todos esses atributos o que mais chamou sua atenção foi o seu sorriso, quando lhe foi apresentada pelo amigo Waldir.

- Renato, essa é Cintia, minha vizinha.

- Olá, muito prazer. Renato retribuiu o cumprimento, tímido e atrapalhado. Só fazia olhar para o seu sorriso.

- Eu conheço você do Ginásio pois, também estudo lá com meu irmão Lucas.

O pessoal fala muito em você lá no colégio. É de Santos, não é?

- Sim, chegamos em junho de 68, mas só agora pudemos começar a estudar.

- Bem, preciso voltar para casa, outra hora a gente conversa lá no ginásio.

Os amigos voltaram para dentro da casa.

- Caramba Waldir que garota linda hein?

- É, e você só faltou babar em cima dela.

- Pô, e não era prá babar?

Quando saiu da casa do amigo seu pensamento era um só:

Preciso conhecer melhor essa garota, rapaz, que sorriso, que rostinho, que cabelos.

Se deu conta que estava mais do que encantado com ela.

Ao chegar em casa a primeira coisa que fez foi contar ao irmão sobre ela.

- Tu vais ver com teus próprios olhos, ela é linda demais.

No dia seguinte lá estavam os dois, na casa do amigo.

E a garota também.

A reação de Reinaldo foi idêntica à sua quando a viu.

- Caramba, ela é muito linda mesmo, disse baixinho.

A partir dali, para desespero da mãe de Waldir, não havia um só dia que eles não fossem a sua casa, e a garota sempre lá.

Na escola os dois sempre que podiam estavam juntos conversando e rindo.

Ela rindo das palhaçadas dele e do seu jeito diferente de falar, e ele rindo de sua própria timidez.

A família dela fizera também amizade com seus pais, e aos domingos quando dava, lá estavam eles no bosque municipal.

Antes Renato ensaiava o que iria dizer a ela quando estivessem juntos.

Costumavam levar bolo, refrigerante e outros tipos de guloseimas, onde após estender uma toalha no chão faziam seu pic-nic.

Renato sempre dava um jeitinho de ficar a sós com Cíntia, mas quando estavam próximos a coragem lhe faltava e tudo o que havia ensaiado dizer, se tornava um estúpido silêncio tímido.

Ás vezes seus rostos ficavam tão próximos que Renato podia sentir sua respiração e ela como que pressentindo o próximo passo se afastava rindo e correndo por entre as árvores.

Ele sentia ali um jogo de sedução e tinha vontade de agarrá-la de uma vez e roubar-lhe um beijo, mas a maldita timidez o atrapalhava na hora decisiva.

Seu medo era que se assim o fizesse poderia perder sua amizade, ou então ela gostasse e aceitasse namorar com ele.

O medo da perda era mais forte e ele acabava por deixar a chance passar.

Assim a amizade continuava e as conversas e risos no ginásio também, embora Renato pedisse mentalmente que ela o visse como ele a via.

Com os olhos muito além de uma simples amizade.

Como ele só conseguia pedir isso mentalmente, ela acabou por não olhar para ele de outra maneira e assim o bonde de Renato passou, e ele não soube pegá-lo, deixando-o triste.

Pior ainda foi saber que a garota havia arranjado um namorado no ginásio, aí sim seu mundinho desabou.

E para piorar mais a situação, Roberto Carlos que havia lançado o romântico álbum O Inimitável em 68 trazia em quase todas as letras palavras que falavam exatamente do sentimento de amor que Renato estava sentindo.

Músicas como "E nunca mais vou deixar você tão só", escrita por Antonio Marcos para o amigo.

"Nem mesmo você", "Ciúme de você" e outras, pareciam ser direcionadas a ele.

Dona Gisa percebendo seu comportamento começou a ficar preocupada e ao perguntar o que estava acontecendo teve como resposta, que era saudade de Santos.

As férias em São Vicente e um amor impossível

As férias de meio de ano estavam se aproximando e seu Carlos decidiu que os meninos as passariam em São Vicente.

E agora? Como dizer ao pai que o que ele estava sentindo não era saudade de Santos e São Vicente coisa nenhuma e sim tristeza por estar apaixonado por uma garota que nem sabia o que lhe ia no coração, por causa de sua incompetência e de sua timidez e que talvez cansada de esperar uma decisão sua passou a se interessar por outro rapaz (infelizmente naquele tempo as mulheres não eram tão atiradas e esperavam que o primeiro passo fosse dado pelo homem).

      Como dizer isso ao pai, que embora desse abertura para que os meninos se abrissem com ele (como quando Renato pegou uma doença típica daquelas que o homem pega quando procura uma mulher da vida, naquela época Renato nem sabia o que era preservativo).

Seu Carlos exigiu que Renato contasse o que estava acontecendo, e ele meio sem jeito contou e mostrou a dita doença, fazendo com que seu Carlos o levasse imediatamente ao médico.

O pior foi a injeção no referido local.

Mas agora o assunto era outro, era paixão, amor, e estava apenas dentro do seu coração, por isso ninguém nem seu pai, conseguiria arrancar nada dele.

Somando a timidez em falar com o pai, e a alegria de Reinaldo em saber que iria para Santos nas férias, Renato preferiu se calar e seguir o destino que lhe estavam reservando.

Quem sabe não fosse melhor assim, e essa viagem tirasse de vez aquele sofrimento e ele voltasse a ter uma vida normal e mais feliz.

No dia da viajem, os meninos não se despediram de ninguém.

Ainda estavam com aquele gostinho amargo daquela despedida em Santos, embora a situação fosse outra, e em um mês estariam de volta.

Seu Carlos já havia providenciado junto com dona Ioná irmã de dona Gisa e madrinha de Renato, que morava em São Vicente, uma casa em frente a sua que era alugada em período de temporada e férias de meio de ano.

Tia Ioná, havia insistido para que os meninos ficassem em sua casa, mas seu Carlos não queria incomodar pois sua casa era pequena, e além do padrinho seu Antonio e da madrinha, ainda tinham cinco filhos, Mário, Mauro, Marcelo, Mateus, e a caçulinha Mirian (tudo com M para que os pais não se perdessem nos nomes). Assim mesmo quando o pai estava meio "encharcado" de cana, costumava chamar urubu de meu louro confundindo o nome dos filhos.

Renato e Reinaldo viajaram durante o dia, chegando a São Paulo ás 16h00 para poder embarcar para São Vicente, em uma das empresas que ficava na Praça Clóvis Bevilácqua (o caminho inverso ao que haviam feito quando se mudaram para Garça).

Naquele tempo não existia ônibus direto, e muito menos uma rodoviária central como existe hoje.

Por volta de 18h00, já se encontravam em frente à casa dos padrinhos que os receberam com alegria, juntamente com os primos.

A tia já havia preparado a casa que se encontrava aconchegante.

Havia três cômodos, o quarto com uma cama de casal, um beliche e um pequeno guarda-roupa onde a madrinha tinha colocado lençóis e cobertores, a cozinha com uma geladeira pequena, fogão (que eles nunca usariam), uma mesa e um armário de parede.

A sala apenas com um sofá (sem poltronas) e uma TV em preto e branco.

Dali com certeza eles só usariam os móveis do quarto e a geladeira.

Os dois primos mais velhos resolveram ficar com Renato e Reinaldo na casa.

Por ser época de frio, as idas à praia se resumiam apenas quando tivesse muito sol, e as diversões ficavam mesmo por conta de quermesses, festas de aniversário em casa de amigos dos primos, regadas a muito quentão, vinho quente, e comidas típicas da época.

Foi numa dessas festas de aniversário que Renato se encantou com a aniversariante, Luciana.

Naquela noite dançou e conversou a noite inteira com ela como se não houvesse mais ninguém ali.

Dois dias se passaram e Mário o mais velho dos primos chamou Renato a um canto e disse.

- A Luciana quer falar contigo, e pelo jeito ela está parada na tua (gíria da época).

- Xiii!! Que barra hein? Eu não posso me envolver com ninguém, daqui a pouco as férias acabam e aí?.

- Bom vai lá e fala isso prá ela.

De noite, Renato foi a casa de Luciana e conversaram.

- Sabe Renato, não sei o que está acontecendo comigo, mas desde sábado (dia do seu aniversário), eu só penso em você.

Engraçado que quando não se está envolvido emocionalmente com uma pessoa, as palavras saem sem timidez e sem gagueira, (ao contrário do que acontecia em relação a garota de Garça, onde ele não conseguia esboçar uma palavra para faze-la perceber que a amava).

Com Luciana era diferente, ele não a amava, e não queria se envolver com ela, pois sabia que sua estada ali era passageira.

- Eu também gostei muito de você, de ter dançado e conversado com você, você é uma garota de bom papo. Uma ótima menina prá se namorar, pena que eu esteja aqui apenas em férias e logo terei que ir embora.

- É, eu sei, mas a gente pode sair como amigos, ir às festas, praia, cinema, sem compromisso, eu só quero sua companhia.

- Claro, quanto a isso não há problema nenhum, só não podemos nos envolver para que não fique nenhuma tristeza quando eu for embora.

Assim, Luciana e Renato passaram a ficar juntos quase que as férias inteiras e ele se sentia bem ao seu lado, pois ela que tinha por meta tornar-se professora, sempre tinha bons assuntos para conversar.

Quem não estava gostando nada daqueles passeios era sua mãe, dona Tereza, que sentia sua filha envolvidíssima com ele.

Um dia chamou-o aproveitando que a filha não se encontrava em casa, e o questionou perguntando o que ele estava fazendo com os sentimentos dela.

- Não se preocupe dona Tereza, sua filha tem os pés no chão, e nós já conversamos sobre não nos envolvermos além da amizade (claro está que quando estavam juntos sempre rolava uns beijos e abraços mais fortes), mas nada que caracterizasse um namoro mais firme, pelo menos da parte dele.

Mal sabia Renato que Luciana, estava sim cada vez mais envolvida a ponto de chorar em seu quarto quando ele preferia sair com os primos e amigos.

Já que não estavam namorando, e saiam como amigos, era seu direito viver sua vida e passar suas férias à sua maneira.

O homem na Lua

20 de julho de 1969, o maior acontecimento da face da Terra, estava sendo realizado.

A bordo de um potente foguete Saturno V, o maior já construído, com mais de 110 metros de altura (um prédio de 36 andares) e 3 mil toneladas, o equivalente a 8 Boing 747-100 com sua capacidade máxima, três astronautas em uma missão chamada Apollo 11, conquistam a Lua. (Neil Armstrong (comandante), Edwin Aldrin (piloto do módulo de descida) e Michael Collins (piloto do módulo de vôo).

Dos três apenas Collins não desceu pois tinha que esperar o retorno dos companheiros.

Assim o mundo via pasmado e ao mesmo tempo fascinado os três romperem as fronteiras do espaço, cuja promessa tinha sido feita ainda em 62 por J.F. Kennedy.

Renato abraçado a Luciana comentou olhando para o céu e observando a Lua, linda e distante.

- A Lua já não é mais dos namorados, até isso estão tirando de nós (referindo-se intimamente à censura imposta pelo Regime Militar com o advento do AI-5 á alguns meses atrás).

Luciana não havia entendido a comparação, e Renato preferiu ficar calado, não era hora nem momento de se falar de política e brincou, dizendo que para se beijarem teriam que se esconder, pois lá em cima além de Deus, agora havia mais três para assistir.

Renato já começava a entender um pouco mais, o que significava o tal AI-5, e compreender melhor ainda porque o pai havia preferido um lugar distante no interior, a trabalhar no porto de Santos, considerada Área de Segurança Nacional.

As férias estão chegando ao fim e Renato está preocupado com Luciana que está cada vez mais apegada a ele.

Reinaldo é que é feliz, não se envolveu com ninguém mais sério durante as férias toda, e, portanto, não vai machucar o coração de ninguém.

Renato não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto, e por diversas vezes preferia sair com os primos para ver se amenizava aquele problema.

Luciana quis fazer o teste achando que seria forte o bastante para na hora certa, sair daquela situação numa boa.

Mas não era o que estava acontecendo, e sentindo próxima a despedida, sentia-se alarmada.

Dois fatores impediam que Renato se entregasse totalmente àquele amor que Luciana sentia por ele.

O de não estar emocionalmente envolvido com ela, e pelo fato de ainda estar pensando na garota de sorriso lindo.

Quantas vezes estando abraçado com Luciana, não se pegou pensando nela.

Fim de férias. Luciana foi junto com os primos, para se despedir (a agência ficava próxima à Praça 22 de Janeiro em São Vicente, hoje Praça Hipupiara).

No caminho, abraçada a Renato, pedia para que ele não a esquecesse, pois, passasse o tempo que passasse, ela estaria sempre esperando por ele.

Evidente que Renato a esqueceria, pois, a distância era muito grande para que ele alimentasse aquele amor.

Mas lembraria dela com muito carinho, apenas como uma grande amiga.

Luciana era o tipo da moça como se diz boa para se ter como esposa e constituir família, pena que ele fosse para tão longe.

Um dia antes, ainda na casa dela, ouviam abraçados uma música de Jerry Adriani, cujo nome sugestivo era "Tudo que é bom dura pouco" e sua letra dizia exatamente o que Luciana estava sentindo.

Agora no ônibus Renato comentava com Reinaldo, sobre os últimos acontecimentos.

A preocupação passava a ser com o segundo semestre no Ginásio, e a apresentação de Renato na Junta Militar.

Afinal já havia completado 18 anos.

O pensamento de Renato era um só. Ir à casa do amigo, e rever a garota dos seus sonhos.

Era difícil para ele, esquecer tão rapidamente do primeiro amor, e seu coração estava aos pulos só de pensar que logo a veria de novo.

Havia decidido que com ou sem namorado, ele ia se declarar.

- Seja o que Deus quiser, pensou.

Estava perdendo a timidez idiota que o acompanhava.

Tomaram o ônibus para Garça novamente na Praça Clóvis Bevilácqua e já estava escurecendo quando chegaram à Cidade.