Tentando uma separação amigável
Às 7h00 do dia 2 estava desembarcando na rodoviária de BH.
Ainda em São Paulo havia iniciado um jejum à meia noite com o consentimento do presidente. Queria sentir-se forte e preparado para quando estivesse diante de Marisa.
Quando chegou à igreja as crianças já estavam acordadas e ficaram felizes ao vê-lo.
Eram inocentes e sequer imaginavam o que estava acontecendo.
Há algum tempo não viam a mãe, e o pai sempre ás voltas com as viagens agora parecia para eles um porto seguro.
Mentalmente pedia que tudo se resolvesse logo, e que Marisa caísse em si e voltasse atrás para o bem deles. Era nesse fio de esperança que ele se agarrava.
-Marisa o espera em frente ao Fórum disse dona Marina, tirando-o de seu devaneio.
10h00 da manhã dona Marina e Renato estavam sentados em um banco do jardim em frente ao Fórum de BH, já estavam ali há meia hora e nada de Marisa aparecer.
Esperaram ainda quase duas horas e como ela não chegava, voltaram para casa.
Á noite ela ligou para a igreja querendo falar com Renato. Pedia que ele se encontrasse com ela no dia seguinte ás 20h00 no Parque Municipal sozinho, pois, tinham muito o que conversar.
Era meia noite e ele fazia o dejejum pensando no que fazer quando estivesse diante dela.
-Porque será que ela quer que eu vá sozinho e porque nesse horário?
Na noite seguinte estava diante dela.
Seu coração bateu acelerado e seu primeiro impulso foi de abraçá-la, porém se conteve.
A saudade era grande e Marisa estava agora na posição de Eva, tentando compartilhar sua vergonha com Adão.
Tinha a voz e o olhar sedutores e o esforço de Renato para não fugir do controle era muito grande.
Em poucos minutos passou por sua cabeça, a tentação que havia sofrido com a garota de Boa Vista, todos os problemas que ele e os irmãos passaram em Porto Velho, Brasília e Goiânia. Rapidamente retomou o controle da situação.
-Não posso fraquejar, pensou, tenho que me manter lúcido senão ela me arrasta para fora da igreja e aí todo o meu esforço para trazê-la de volta será em vão.
-Renato!!! Oi Renato, está me ouvindo? Gritou Marisa tirando-o de seus pensamentos.
-Estou sim, escuta! O que te levou a tomar essa decisão justamente agora que estávamos prestes a receber a benção?
-Não acredito em mais nada que se refira à Igreja, quero distância de lá.
-Nós tínhamos um trato para salvar nosso casamento e construirmos um lar mais feliz e você está pondo tudo a perder.
Marisa criticava a tudo e a todos como se ela fosse vítima de algum mal que alguém da igreja tivesse feito.
-Eu vim aqui para tentar te fazer voltar atrás em meu nome e no nome de nossos filhos. Ainda podemos remediar isso.
-Não pretendo remediar nada. Estou bem do jeito que estou.
-Você sabe que se eu virar as costas e você não me acompanhar será o fim de nosso casamento não sabe?
-Sei e já me preparei para isso. Pode voltar lá para a sua igreja, tenho quem me apoie retrucou ela se referido com certeza à família do irmão que junto com ela havia também deixado a igreja.
-É sua última palavra?
-Sim, pode ir.
-Bom, então nosso próximo passo é procurar um advogado que cuide de nosso desquite.
-Faça como quiser.
Marisa foi embora.
Sua frieza nas respostas não deixava dúvidas de que aquela era uma causa perdida.
Com o coração apertado, viu-a se afastar. Sua vontade era a de correr para ela, mas não podia fazer isso. Estava claro que o amor dela por ele, também tinha ficado na igreja.
Ficou ainda algum tempo no parque com lágrimas nos olhos e passava das 22h00 quando retornou à igreja.
Tanto a pastora quanto dona Marina estavam preocupadas.
-Pensamos que você também estava abandonando a igreja.
-Calma, só fiquei fora duas horas. Não houve acordo e estou procurando um advogado para resolver essa situação.
Ambas notaram seus olhos vermelhos, mas, nada comentaram.
Dona Marina preparou uma janta e chamou-o a cozinha para comer.
-Você está péssimo hein? Marisa é cabeça dura e vai se arrepender da atitude que está tomando.
-Pois é disse Renato. Não cedeu um milímetro sequer de sua convicção.
Combinei de encontrá-la na segunda-feira para procurarmos um advogado.
Infelizmente acabou. Triste vai ser falar isso para os meninos.
-Deixe comigo, aos poucos quando perguntarem pela mãe, eu vou explicando
.
À meia noite todos se reuniram para a oração e todos contaram suas experiências do dia.
A experiência de Renato não precisava ser contada.
No dia seguinte Renato foi ao Fórum pegar uma ficha para contratar um advogado do Estado.
Ligou para Marisa combinando de se encontrarem na segunda feira seguinte.
Sinuca de bico
As coisas pareciam bem encaminhadas, porém, no domingo recebeu um telefonema dela sendo informado de que estaria viajando para São Paulo.
-Mas você tem um compromisso amanhã, esqueceu?
-Não conte comigo, não tenho o menor interesse em procurar um advogado. Estou indo agora para São Paulo.
-Mas desse jeito você está complicando uma situação que estava praticamente resolvida. Aí vou ter que fazer o desquite no litigioso, você não pensa no trabalho que isso vai dar? Porque não espera mais um pouco?
-Já estou com a passagem comprada. Você resolve esse problema a sua maneira.
Sem ação, Renato que não tinha tempo disponível nem se tivesse sido feita a separação amigável, agora se encontrava num mato sem cachorro.
Comentou o fato com a pastora que o aconselhou a ligar para o presidente, colocando-o a par da situação.
Renato ligou e pediu mais um tempo.
Precisaria agora de testemunhas, sua certidão de casamento que havia ficando na casa dos pais em Uberaba e principalmente de um bom advogado.
Ligou para o seu Carlos para que ele enviasse a certidão.
A única coisa boa nessa situação era que podia ficar mais tempo com os filhos e também com os filhos espirituais que lá estavam: Silvia, Patrícia e Clovis.
Enquanto a certidão não chegasse, ele nada podia fazer, então procurou relaxar, fazendo RM para a igreja e treinar conferência.
Passados alguns dias recebeu a certidão e de posse dela entrou com o processo de separação.
Havia conseguido uma advogada do Estado, Drª Lídia que pedia que ele providenciasse as testemunhas.
Dia 17 de fevereiro, aniversário de Vinícius. Renato pediu licença à pastora para passar o dia com os filhos e a sogra.
Embora todos ali fossem considerados irmãos, parentes mesmo, só dona Marina e seus filhos.
Foram conhecer alguns pontos turísticos de BH.
Agora tinha tempo de conhecer melhor a cidade, saber sobre sua história e ver quão bonita era, resumida num escrito do Prefeito Célio de Castro.
Belo Horizonte - Uma metrópole diferente
"Na origem de toda cidade existe um sonho.
Deixando para trás o que têm, os aventureiros que partem para fazer a vida em um local desconhecido, carregam a esperança de dias melhores. Para eles só o futuro importa".
"Misterioso, ele desafia o homem ao mesmo tempo, prometendo prosperidade e ameaçando com incertezas e dificuldades".
A história de BH é bonita, porém, longa, e não pretendo me aprofundar no tema para não tornar esse escrito cansativo.
Basta dizer que Belo Horizonte é uma metrópole diferente, cercada por exuberantes paisagens da natureza, belíssimas cachoeiras e grutas.
Com clima privilegiado e cercada pelas montanhas da Serra do Curral, Belo Horizonte tem despertado a atenção pelo potencial eco turístico.
A poucos quilômetros do centro existem diversos roteiros para inesquecíveis passeios ecológicos, com trilhas que escondem centenas de nascentes e riachos, cachoeiras e poços de águas cristalinas.
Pequenos bares e restaurantes próximos às trilhas oferecem a típica comida mineira em fogão de lenha. Para quem gosta de adrenalina, a região é ideal para a prática de diversas modalidades de esportes de aventura. Belo Horizonte é ponto de partida também para passeios históricos.
Nas cidades históricas, pode-se apreciar a riqueza da arquitetura e do barroco mineiro, que traduzem a história do estado e do país.
No dia seguinte, Renato viajou para Uberaba para dar conferência para dez pessoas, convidadas do sr. Mauricio através do Projeto Igreja no Lar, implantado lá por ele e pela esposa Marisa.
O diretor Marcio estava em São Paulo participando de um seminário de 21 dias e havia fortes indícios de que ele e outros missionários tornar-se-iam pastores em vários Estados do Brasil.
Às 6h00 já em Uberaba dirigiu-se à casa do Sr. Mauricio no Conjunto Alfredo Freire, que juntamente com dona Laurinda e os filhos menores havia se tornado membro externos da igreja e assumiram a cidade para que dona Marina pudesse ir para BH cuidar de Eduardo e de Vinícius.
Eles já o esperavam no portão da casa, como filhos que esperam a chegada do pai.
Abraçaram-se e entraram.
Igreja no Lar em Uberaba e a força dos Filhos Espirituais
Enquanto dona Laurinda passava um delicioso café Renato os colocava a par dos últimos acontecimentos referentes a ele e Marisa.
- Não se preocupem com isso. Tenho uma providência muito maior para realizar e não posso me apegar a problemas pessoais.
Depois dona Laurinda começou a preparar o almoço para o seminário enquanto aguardavam os convidados.
Renato se sentia feliz, eram pessoas simples que não mediam esforços para agradar a Deus na sua providência.
Estavam fazendo o máximo para que aquela conferência saísse da melhor maneira possível.
O Sr. Mauricio convidou-o para ir à casa de dona Cleide e o sr. Artur, outros filhos espirituais fruto da Igreja no Lar.
Solange sua filha já assumira a igreja e estava interna e participando de um seminário em Riacho Grande.
Conversou o mesmo com eles e a razão de estar batendo na mesma tecla era porque eles a exemplo de dona Laurinda e seu Mauricio também era filhos espirituais de Marisa e Renato não queria que eles tivessem um sentimento de abandono.
Assim tentava mostrar a eles que sendo ele o principal alvo de todo aquele problema, estava forte (pelo menos tentava aparentar isso) e que já que o objetivo de se unir a ela através da benção havia se esvaído, seu propósito agora era de lutar mais e mais para que outros casais como eles pudessem ter essa chance.
Para que isso pudesse acontecer, eles (filhos espirituais) teriam de ser fortes também.
O sr. Mauricio colocou-o a par de quantas pessoas já haviam aceitado a igreja dentro do Projeto Igreja no Lar.
Tinha feito um mapa com endereço das famílias, a situação de cada um mostrando quem havia assumido totalmente, quem ainda estava em dúvida e precisava de uma melhor atenção.
-Dona Marina deixou tudo anotado eu só tive o trabalho de passar para um mapa e atualizá-lo todos os meses.
-Depois quero uma cópia desse mapa.
- Sem problema, quando formos à cidade eu tiro.
Diante dessa boa notícia, Renato sentiu-se forte para a conferência que se aproximava.
A conferência teve início as 9h00 e na hora do almoço ninguém estava interessado em parar, fazendo com que Renato prosseguisse até 16h00 sem intervalo.
No final, todos foram para a sala para almoçar e os comentários variavam.
Uns aceitaram incondicionalmente e outros não abriam mão de seus conceitos religiosos.
Porém não houve nenhuma discussão acirrada.
Caberia agora ao sr. Mauricio dar atenção àqueles que não aceitavam e aos outros alimentar aquele comprometimento.
Uma reunião para o fortalecimento da fé
Antes da conferência haviam combinado ainda na casa de dona Cleide de convidarem o maior número de pessoas que já haviam passado pela igreja para uma reunião em sua casa.
Renato queria antes de voltar para BH, dar um sermão.
Ás 20h00 todos estavam reunidos no quintal da casa, já que dentro era impossível acomodar todos.
Começou falando justamente das pessoas que por causa de um obstáculo abandonam sua meta, e não só na religião, mas em todos os segmentos da sociedade.
Em seguida falou sobre um método que estava sendo muito usado principalmente nas capitais chamado outline.
Esse método consistia na utilização da introdução ao Princípio Divino dadas pelo presidente e gravadas em vídeo cassete. Era uma maneira fácil e gostosa de se aprender a ser um bom conferencista.
Renato deixava a promessa de enviar alguns vídeos para algumas famílias.
Depois do sermão que se estendeu até perto de meia noite todos fizeram oração ali no quintal e cada um voltou para sua casa.
Renato a convite do Sr. Artur dormiu em sua casa.
Pela manhã foi com o Sr. Mauricio a Uberlândia para pegar algumas coisas que havia deixado quando saiu para o I.O.W.C.
Lá chegando encontrou Marly e Roger. Apesar da ausência de Marcio ambos estavam cuidando muito bem da igreja.
Como as circunstâncias haviam mudado seus planos, pegou somente o necessário encarregando o Sr. Mauricio de vender ou doar o restante visto que Marisa também não iria querer nada dali.
De volta a Uberaba foi para a casa dele e pela manhã dona Laurinda preparou aquele delicioso café que só mineiro sabe preparar.
Depois disso foram ao centro da cidade onde seu Mauricio alugou uma Caixa Postal para que pudesse receber livros, revistas e jornais da igreja, além claro das correspondências.
Renato acabou aproveitando para visitar uma vizinha amiga da época em que morava no Conjunto Boa Vista, outro bairro de Uberaba e por ela ficou sabendo que Marisa estava na cidade morando com o pai.
Novamente bateu aquela tristeza, pois, o bairro e a cidade cheiravam a um passado não muito distante e ele teve o impulso de procurá-la, porém se conteve.
Seu sentimento estava ainda muito forte e tinha medo de ceder à tentação por causa daquele ambiente de saudade em que se encontrava.
Na volta ao Alfredo Freire passou em frente à casa onde com o coração amargurado viu que onde antes vivia uma família tentando ser feliz, agora estava cheia de mato, sem vida e abandonado. Ainda podia ouvir os gritos de Eduardo e Vinícius correndo no quintal.
Ir a Uberaba foi um teste muito forte para sua fé e queria provar a si mesmo que nada o abalaria.
Tinha ainda um último teste para enfrentar. Estar frente a frente com ela naquele ambiente.
Falou com o Sr. Mauricio que iria sozinho pois não queria a influência de ninguém.
Ou assumia o controle ou não.
Um grande teste
Passou quase toda a manhã no centro da cidade. Sabia que a qualquer momento ela apareceria.
De fato, por volta das 11h00 ela surgiu cheia de sacolas. Provavelmente tinha ido a alguma loja.
Ela passou por ele de cabeça baixa e continuou seu caminho.
Renato por sua vez também permaneceu onde estava. Não havia motivos para tentar um diálogo. Tudo o que tinha de ser dito fora dito em BH.
Anos depois ele receberia uma carta onde ela dizia ter se arrependido de não ter parado.
Cheio de confiança, Renato sorriu. Havia vencido mais aquela batalha.
Voltou para a casa do Sr. Mauricio e contou a experiência.
Queria que eles o vissem como uma pessoa forte e dona da situação (pelo menos externamente.
Naquela mesma noite voltou a Belo Horizonte.
Estar em Uberaba palco de todos os acontecimentos da fase igreja na sua vida, foi muito gratificante. Estar com seus filhos espirituais, e dar-lhes um pouco de atenção não havia nada que pagasse.
Feliz por saber que tudo por lá estava sob controle já dentro do ônibus, adormeceu.
Se ele achava que encontraria uma Uberaba fria e triste com a falta de sua família enganou-se.
A cidade continuava linda principalmente naquela época do ano onde as chuvas deixam o verde mais verde.
Só não conseguiu ver seus pais que estavam de férias em Santos.
Na manhã seguinte já em Belo Horizonte, Renato deu entrada nos papéis. Agora era só aguardar.
Mais tarde a pastora pediu para que ele pegasse a Kombi e fosse ao Ceasa fazer compras para o seminário de sete dias que se iniciaria no sábado.
Distribuindo jornal anticomunista numa praça quase vermelha
Á noite o centro da Cidade estava intransitável. Na praça, uma multidão se reunia para ouvir um comício pelas eleições diretas, gritando palavras de ordem: "Diretas Já! ".
Isso estava acontecendo em todos os cantos do País. O povo queria mudanças, pois, já não aguentava mais os mandos e desmandos do totalitarismo militar.
Era o início da busca pela liberdade.
Como era de conhecimento da Igreja de Unificação, no meio do povo, estaria infiltrado aquele grupo mais radical, pedindo a liberação do comunismo no Brasil.
Renato então pediu permissão à pastora para que junto com outros irmãos fosse á praça distribuir o jornal da igreja "Tribuna Universitária" que justamente naquela edição publicara uma extensa matéria falando dos perigos do comunismo.
A pastora os liberou pedindo para que tomassem cuidado e não batessem de frente com ninguém.
A alegria no rosto das pessoas era nítida, todos pedindo pelo direito de votar.
Podia-se agora falar abertamente diferente do período pós-golpe, onde qualquer grupinho na esquina era taxado de comunista.
Período esse que prendia e deportava músicos, poetas, artistas jornalista, isso quando não os "deportava" para os "porões" do Deic/Dops.
Agora bandeiras do PC e do PCdoB tremulavam junto com as bandeiras do PT.
Essa força e determinação estava representada por dois brasileiros: Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, o Sr. "Diretas".
Embora a igreja fosse contra o comunismo, respeitava a garra e a vontade de se mudar o País.
O caminho era este mesmo, liberdade, mas, com responsabilidade.
Dentro desse conceito anticomunista foi publicado um livro intitulado CCCP-Comunismo, Crítica e Contraproposta de autoria de Sang Hun Lee aproveitando a sigla da agora extinta República Socialista Soviética.
O livro mostra o ideal do comunismo, e as teorias de Karl Marx, dando uma proposta baseada na Bíblia e nos ensinamentos da Igreja de Unificação de como seria o mundo ideal, sem fronteiras e sem divisões.
Era justamente isso que a Igreja passava para professores e alunos universitários, através de seus seminários.
Justamente por isso, os mais radicais, aqueles que não abriam mão dos seus ideais, criticavam e perseguiam a Igreja, acusando-a de praticar lavagem cerebral, aliciar menores e outras coisas já citadas nos capítulos anteriores, colocando o povo que em sua maioria se deixava levar por atos violentos quebrando e destruindo tudo, sem conhecer os ideais da Igreja e muito menos os ideais do comunismo.
Simplesmente iam no embalo.
Na praça, Renato e os irmãos notaram que todos os que pegavam o jornal davam uma rápida passada de olhos e os guardava em suas bolsas e mochilas, talvez para lerem mais tarde com calma.
Em nenhum momento se viu jornal jogado no chão ou nas lixeiras da praça.
No dia seguinte Renato pegou novamente a Kombi da igreja e foi à Betim com dona Marina e alguns irmãos para a RM.
Sabia dirigir, mas, não tinha habilitação por isso procurou dirigir dentro do permitido para não causar confusão. A pastora dizia que 'quem está lutando pelas coisas de Deus não tem nada a temer'.
De volta a São Paulo
Mais tarde após pegar suas coisas, foi para a rodoviária junto com a sogra e os filhos.
Estava voltando para São Paulo.
Na despedida novamente aquele aperto no coração já que estaria mais uma vez se distanciando dos filhos, mas diferente da época em que estava em Uberaba, agora ele se sentia forte, pois, estava lutando por eles.
Tudo havia sido encaminhado juridicamente falando, e agora era só esperar o desfecho do processo que separaria o casal.
No processo Renato pediu que constasse que dona Marina ficaria com a tutela das crianças.
No dia 26 de fevereiro (dia de seu aniversário) Renato estava no Terminal do Tietê e pouco mais tarde chegava à Sede Central, colocando o Presidente a par da situação, dizendo inclusive que mandaria todos os meses uma pensão para os meninos.
Havia iniciado um jejum em BH e agora estava tentando mastigar alguma coisa.
O presidente se aproximou e colocando suas mãos em seus ombros, pediu que ele se preocupasse agora em tirar o passaporte, pois, sua vida a qualquer momento poderia mudar, dizendo ainda que o fato de sua esposa ter abandonado o barco, não significava que ele não seria abençoado com o casamento.
Seria sim, só que agora claro, com outra pessoa.
Devido ao rebuliço em que se transformara sua vida nos últimos dias, não conseguiu dormir naquela noite, optando por ler o Principio Divino. Queria entender mais profundamente aquele livro.
Já passava das 4 da manhã quando tentou dar um cochilo, mas aí já era tarde, pois todos acordam às 5h00.
Por volta das 8h00, após um banho gelado para reanimar, e um bom café puro, foi ao Degram obter informações de como tirar o passaporte. (naquele tempo era mais demorado sem as facilidades do computador).
Na parte da tarde voltou ao sitio em Riacho Grande onde encontrou seus filhos espirituais de Uberaba, Belém e Manaus.
Agradeceu a Deus por vê-los fortes e decididos na fé, e nem sequer poderia pensar em abandonar o barco.
Naquela noite ele e mais sete irmãos fizeram vigília.
RM em Santos e a conjuntivite
No dia 5 de março o diretor Jair preparou uma equipe para a RM em Santos e chamou Renato para fazer a distribuição das turmas, já que ele era da cidade e conhecia bem os bairros.
Optou por levar um grupo para a Zona Noroeste e outro para bairros em São Vicente, para evitar o inimigo nº 1 de todo vendedor, o interfone, que estava em todos os prédios da orla e também de bairros próximos a ela.
No caminho, a maioria inclusive ele, pegou conjuntivite, e com muita dificuldade conseguiram levar o trabalho até as 17h00.
Depois de todos reunidos voltaram para São Paulo.
Quem estava com conjuntivite ficou no sítio e o restante foi para a Sede Central.
No sítio o pessoal entrou em fase de tratamento à base de água boricada, intercalando com treinamento de conferência.
Dias depois já curado, Renato retomou sua vida normal.
O Reverendo Kim queria que todos tivessem pelo menos o seminário de um dia na ponta da língua e assim iniciou-se uma nova maneira de se estudar o Princípio Divino, através de debates e pesquisas, para que entendessem melhor o que estavam lendo.
Foram formados quatro grupos de estudos e cada qual se revezava em perguntas ao outro grupo.
O motivo dessa prática era que o líder iria chamar de doze a trinta irmãos para se tornarem missionários em diversas cidades do País.
Missão em Ponta Grossa
Renato finalmente conseguia seu passaporte. Agora era só esperar que o chamassem para a benção ou na Coréia do Sul ou nos Estados Unidos.
Mas não estava com pressa para isso, pelo contrário, enquanto não acabasse de vez com aquele sentimento por Marisa que ainda persistia em incomodá-lo, tinha certeza que o reverendo Moon com sua percepção espiritual, não o chamaria tão cedo, e isso era algo que só dependia de Renato.
Com esse pensamento, foi ao Correio passar um telegrama ao pai que faria aniversário naquele dia 1º de abril.
Ainda em condição de RM, partiu com outros irmãos para as cidades de São José dos Campos, Jacareí e um pouco mais longe, Piracicaba.
Os tempos agora eram de muito treinamento de conferência e qualquer brechinha que dava, lá estava ele e outros irmãos treinando entre si. Haviam sido escolhidos pelo líder para saírem como missionários.
No dia 17 de abril todos se reuniram na Sede Central e o presidente foi chamando um a um, designando as cidades onde atuariam.
A missão de Renato seria em Ponta Grossa PR, aquela cidade que por erro do motorista do Jumbão acabara ficando fora da rota do I.O.W.C.
Outras mudanças aconteceram naquele dia e o diretor Marcio de Uberlândia seria agora pastor da Igreja de Maceió.
Do grupo do I.O.W.C. do qual Renato fizera parte saíram mais 5 irmãos, 3 deles incluindo Renato, para o Paraná: Ponta Grossa, Apucarana e Paranaguá.
Do dia 18 até o dia 20, esse grupo e outros que a partir da chamada eram agora pastores e missionários, dedicou-se exclusivamente à RM individual e o motivo para isso era que eles teriam de a partir dali arcar com suas próprias despesas, nas cidades a que foram designados.
Comprariam o material de restauração, roupas, aluguel de um local para ficarem na cidade e outros itens que fazem parte do dia a dia de um missionário. Sozinhos teriam de andar com as próprias pernas.
No dia 21, Renato os dois irmãos e mais uma irmã que não fazia parte do I.O.W.C., mas fora escolhida como missionária em Campo Mourão, desciam na rodoviária de Curitiba.
Dali ligaram para a igreja para que viessem buscá-los.
Pouco depois um rapaz vinha em uma Kombi para levá-los.
No caminho comunicou que tanto a pastora Ivete quanto o presidente se encontravam no Novotel, ministrando palestra num congresso para professores universitários.
-São 32 pessoas participando e todos eles aceitando muito bem as explicações, disse ele.
No dia seguinte pela manhã, antes de ir para o congresso a pastora reuniu o grupo missionário colocando-os a par do que iriam enfrentar em sua nova missão, e entre papeis e formulários a serem preenchidos por futuros participantes em suas cidades, desejou-lhes boa sorte. (Mansei) em coreano e (vitória) em português.
No dia 25 Renato já estava em Ponta Grossa, aproveitando a carona, no Jumbão que trazia alguns irmãos para a RM na cidade.
De todos os passos mais importantes na vida de um missionário, três eram fundamentais.
Alugar uma casa o mais rápido possível para ministrar as palestras, abrir uma conta em um Banco e alugar uma caixa postal, pois, cartas e telegramas era o que mais receberiam durante sua permanência na cidade.
A conta no Banco era pela necessidade de conseguir talões de cheques para aquisição de material de restauração.
Tudo isso Renato aprendeu ainda no decorrer do seminário de 40 dias que fizera antes de sair como missionário.
Naquele mesmo dia os irmãos voltaram para Curitiba.
Nesse meio tempo, Renato alugou um quarto de hotel onde tomou um banho e organizou todas as suas coisas.
Agora era somente ele e Deus, numa cidade ainda desconhecida para ele.
O primeiro dia como missionário
Iniciou um jejum de três dias pedindo a Deus que tudo pudesse correr conforme Sua vontade.
Todos os irmãos agora missionários fariam a mesma coisa e também uma condição de oração durante 40 dias com duração de 40 minutos, exatamente no mesmo horário determinado pelo líder da Igreja.
Na manhã seguinte, Renato resolveu que durante o dia se ocuparia somente com a restauração material deixando os testemunhos para a noite.
Naquele primeiro dia, por não conhecer direito a cidade optou por ficar ali pelo centro mesmo e como todo o centro, não obteve um bom resultado, apenas o suficiente para ir ao Banco e abrir uma conta.
A noite teve melhor sorte nos testemunhos, fazendo com que várias pessoas se interessasse em conhecer melhor aqueles fundamentos e dogmas da Igreja.
Sentiu que a cidade prometia coisas boas, por isso conseguir uma casa era sua prioridade número um.
No segundo dia saiu para a RM. Precisava de um mapa para detalhar seus passos nos bairros.
A noite não saiu para o testemunho preferindo fazer um resumo das conferências de que já havia participado.
Como tinha tudo anotado inclusive na época em que estava em Uberaba, isso agora com certeza lhe seria útil.
No terceiro dia, pela manhã mandou uma carta para dona Marina para saber como estavam as crianças, e também cartas para os filhos espirituais.
Á meia noite daquele dia, terminava o jejum e em um restaurante próximo tomava uma sopa leve para que o estômago voltasse a trabalhar normalmente.
No decorrer dos dias iria repondo alimentos mais sólidos.
No domingo fez sua primeira Cerimônia de Inclinação sozinho. Lembrou de sua primeira Cerimônia em Uberaba com os parentes e filhos espirituais juntos.
Agora estava só, mas, essa era uma Cerimônia de Inclinação especial, pois, marcava o início de uma nova fase em sua vida, onde só dependia de ele trazer membros que lhe fizessem companhia e o ajudassem a trilhar o caminho.
Ponta Grossa - Uma cidade de tropeiros
No dia seguinte foi à Prefeitura onde conseguiu um mapa. Em seguida foi à Biblioteca para conhecer um pouco mais da cidade.
Ligadas ao tropeirismo ainda no século XVIII, pequenas povoações começaram a surgir ao longo do caminho das tropas. Por onde eles passavam logo surgia outro morador fundando casa de comércio interessado em atender os tropeiros.
Assim iam surgindo pequenas vilas. Palmeira, Ponta Grossa, Piraí do Sul, Castro e Jaguariaíva.
Um teatro (1873), uma biblioteca (1876), indicadores do novo vigor e mentalidade arejada de seus habitantes. O núcleo urbano pontagrossense entrava em uma fase de expansão e a população local em 1890 atingia a casa dos 4.774 habitantes.
No início do século XX, a cidade respirava um "clima urbano" contando com bandas musicais que disputavam espaço para as apresentações, cinema, luz elétrica, associações beneficentes e hospital.
As praças também se constituíam em um dos principais pontos principais de encontro da sociedade local, principalmente a praça João Pessoa localizada diante da estação ferroviária (Estação Saudade), onde as pessoas se concentravam nas noites de verão.
A partir da década de 50 a cidade entra em uma nova realidade com o impulso econômico do café, trazendo riqueza e importância para a região.
Ponta Grossa faz limite com Castro ao Norte, Palmeira e Teixeira Soares ao Sul, Campo Largo ao Leste e Tibagi e Ipiranga ao Oeste.
Seu clima é subtropical úmido mesotérmico.
De posse do mapa e já com algum conhecimento dos bairros, traçou um plano de trabalho, sempre reservando a noite para a RE, pondo em mente que aqueles que se interessassem de fato por querer aprender mais, teria como opção ouvir as palestras em suas próprias casas (aulas em domicílio), até que Renato pudesse ter seu próprio local.
Durante as RM's não deixava de passar pelas imobiliárias para ver o que conseguia.
Queria uma casa com pelo menos 3 quartos para fazer de um deles um local para suas orações.
Já estava com um talão de cheques nas mãos e agora seria mais fácil conseguir material com pagamento para 15 ou 30 dias.
Reunião em Porto Alegre - Aprendendo a dar conferência
Por outro lado, precisava sempre de uma reserva de dinheiro para os casos de emergência como aconteceu já no seu 12º dia na cidade.
Haveria uma reunião em Porto Alegre e todos os missionários das regionais deveriam estar presentes.
Ás 10 horas já estava na rodoviária de Curitiba e as 19 entravam no Jumbão com destino a Porto Alegre.
A razão desse encontro era para que todos os missionários aprendessem a ministrar conferências em duas linguagens, pois a providência estava indo rápida demais.
Uma linguagem para professores e estudantes universitários que com certeza os colocaria em xeque com perguntas mais que apimentadas e eles teriam que ter o jogo de cintura e o Princípio Divino na mente para não serem apanhados de surpresa.
A outra linguagem mais simples, porém, não menos importante, para pessoas também mais simples e, portanto, uma linguagem de fácil entendimento, sem perder o conteúdo principal da evangelização.
Diante disso cada um teria uma hora para dar conferência das duas maneiras abordando temas de livre escolha dentro do Princípio Divino.
Renato daria sua palestra no dia seguinte e o tema de sua escolha: "A Queda do Homem".
No final de cada dia os pastores se colocavam na posição de júri assumindo um papel simbólico de professor universitário para analisar uma das linguagens, outros assumiam o papel de júri comum para julgar a outra linguagem.
Assim, cada um deles fazia sua pergunta de maneira a colocar o missionário numa situação semelhante a que um professor o colocaria.
Ao fim de todas as palestras haveria uma avaliação individual. A palestra de Renato por ser um tema mais complexo estendeu-se até 19 horas (duas horas de palestra).
Ao final todos chegaram a seguinte conclusão, inclusive os próprios missionários: Ainda teriam de percorrer uma longa estrada até poderem enfrentar as "feras" universitárias, por isso outras reuniões iguais aquelas iriam acontecer com certeza.
Já em Ponta Grossa recebeu uma carta da pastora de Belo Horizonte que o deixou feliz e triste ao mesmo tempo.
Seus filhos estavam aprendendo a escrever para poder mandar suas próprias cartinhas ao pai, mas por outro lado a saúde de ambos não estava muito boa e ela (pastora) estava pensando em mandá-los para a mãe, pois, dona Marina, devido ás constantes viagens para São Paulo e Uberaba, não tinha como cuidar deles.
Renato ligou em seguida para BH pedindo que ela tivesse um pouco mais de paciência até que ele conseguisse uma casa, pois, sua ideia era trazê-los para viver com ele.
Do outro lado da linha a pastora lhe dava 3 meses para resolver a situação.
Parecia um tempo suficiente para quem estivesse estabelecido na cidade, mas para Renato que não tinha emprego fixo e não conhecia ninguém que se propusesse a ser seu fiador era pouco tempo.
Encontrando uma casa
Porém, as coisas começariam a mudar a partir daquele telefonema. Na parte da manhã passou na Câmara Municipal pegando o nome de todos os vereadores e suplentes e também o nome do Prefeito. Depois os mandou para Curitiba junto com o relatório espiritual e material mensal, pedindo que enviassem a cada um deles o jornal Tribuna Universitária.
Na parte da tarde saiu para a RM e acabou sabendo que ali na Vila havia uma casa para alugar.
Conversando com a dona descobriu que a casa era mesma que em 1981 havia sido alugada para o missionário Willian agora pastor em Porto Velho.
Ela imediatamente concordou em alugá-la para Renato que só precisaria pegar o contrato na Imobiliária e mandá-lo para Curitiba para que fosse assinado pelo mesmo avalista de 81.
Por sorte o mesmo avalista de Willian ainda se encontrava em Curitiba e o pessoal da Imobiliária confiava nele. E isso facilitaria tudo.
A casa ficava afastada do Centro, mas, era grande, com 3 quartos uma sala enorme.
O quintal também grande abrigava várias espécies de árvores frutíferas, e uma edícula.
Logo um pensamento veio à sua cabeça. Fazer um belo de um canteiro como o pai fizera em Garça.
Ao voltar para o hotel encontrou um irmão de Curitiba esperando no saguão.
Sua missão era apresentar Renato a alguns universitários que iriam fazer um seminário nos próximos dias na Capital e a função de Renato era colocá-los a par do que seria abordado nesse seminário.
Assim foi feito e os jovens se mostraram interessados.
Dias depois já com o contrato nas mãos foi até a casa onde fez sua condição de oração de 40 dias.
A casa estava em perfeitas condições para se morar, agora era só questão de dias para mudar.
Dando palestra de uma maneira pouco convencional
Havia dado testemunho a uma moça que trabalhava em uma loja de móveis e prometeu ir à sua casa que ficava em um bairro afastado. Letícia seu nome.
No dia 19 de maio, um sábado, saiu atrás de um quadro negro pequeno e giz, mas não encontrou nada aberto.
Apelou para um Colégio de Freiras, porém, sem sucesso, conseguindo apenas uma caixa de giz.
No domingo, com um sol maravilhoso iluminando toda a cidade, por volta de 9 horas já estava em frente à casa de Letícia.
Pediu a ela que procurasse entre as amigas vizinhas, um quadro mesmo que fosse daqueles que as crianças brincam. Era melhor do que nada, mas, ninguém tinha.
O jeito foi improvisar com uma daquelas madeiras que fazem divisão em guarda roupas.
"Seja o que Deus quiser, pensou, não vai ser um mero detalhe que irá me fazer desistir, o importante é passar para ela o essencial".
Depois com sua sala de conferências já montada a convidaria novamente.
Iniciou sua palestra com Letícia e mais algumas primas e amigas que vieram conhecer o "professor de São Paulo", como ela o havia apresentado.
Como toda boa sala de aula, Renato teve que pedir silêncio que por diversas vezes era quebrado pelas meninas, tirando sua concentração.
Assim foi até a hora do almoço e após o mesmo, continuou até 18 horas, agora sem interrupções, pois, as meninas haviam ido para suas casas.
No final, como era de se esperar, Letícia estava boquiaberta com a revelação de que o Messias já se encontrava entre nós e queria saber mais detalhes, prometendo que iria fazer o seminário de sete dias.
Renato disse, porém, que ainda era cedo, pois, aquela não era a maneira correta de se ministrar uma palestra, e que brevemente a chamaria de novo já na casa nova.
Disse isso por perceber que Letícia estava mais interessada no "professor" do que na palestra propriamente dito e não queria perdê-la por acreditar que ela tinha um grande potencial e poderia vir a se tornar uma pessoa muito importante dentro da Igreja.
Letícia concordou.
Toda a mobília do Pastor Willian fora levada para um depósito em Curitiba, assim que ele partiu para Porto Velho.
Isso é uma prática comum entre os membros da Igreja.
Quem chega pega a mobília do outro e no fim da estada no local, deixa para o próximo e assim por diante. Apenas objetos pessoais são levados.
Renato só teria que acertar a mudança, e para isso foi à estação ferroviária saber o valor do transporte já que ficara sabendo que de trem saia mais em conta.
Ligou para a pastora em BH colocando-a a par das novidades dizendo que brevemente buscaria as crianças.
Sua cunhada Marli havia segundo a pastora, manifestado o desejo de vir morar com ele para assim tomar conta dos meninos.
Viagem para Curitiba
No dia 31 de maio mais uma vez viajava para Curitiba. Era a segunda vez em menos de um mês que ele tinha que se ausentar da cidade, deixando a RM de lado, e ficava evidente que quando seus filhos chegassem seria mesmo necessária outra pessoa para ficar com eles, além de redobrar sua reserva de dinheiro.
Uma coisa era estar só, outra era ter mais três pessoas sob sua responsabilidade.
Mas Renato era do tipo que se atirava com tudo em suas decisões. Dar certo ou não era outra história. O que não podia era deixar seus filhos passarem de mão em mão como objetos.
Queria os filhos com ele sob o risco de perdê-los para Marisa, da qual nunca mais tivera notícias.
A razão dessa nova viagem era para que todos participassem do Dia da Criação, pois, a Pastora queria todos reunidos para orarem numa grande corrente para que todos tivessem êxito em suas missões trazendo mais pessoas para a nova realidade que era a Igreja de Unificação.
Somente no dia 14 de junho Renato conseguia um tempo para ir à estação ferroviária acertar a mudança. Antes aproveitou para fechar a conta do Hotel e levar suas coisas para a casa.
Porém, mais uma vez a emenda saiu melhor que o soneto. Antes de se dirigir à estação, o carteiro lhe entregava um telegrama. Dentro dizia: "Venha a Curitiba, iremos levar seus móveis".
Ir a Curitiba saia mais em conta do que pagar para que os móveis viessem até ele.
Além do mais, indo buscá-la, esta chegaria bem mais rápido.
Já em Curitiba escolheu só o que realmente precisava. Um fogão de 4 bocas, mesa e cadeiras, um botijão de gás, um armário, alguns cobertores e lençóis, um tapete, e o principal, um enorme quadro negro com muitas caixas de giz.
Já no Jumbão, removeram alguns bancos para que tudo coubesse direitinho, e partiram para Ponta Grossa.
Junto vinham alguns irmãos do I.O.W.C. para fazer RM e depois dos moveis montados, Renato improvisou um almoço para todos.
Mais tarde os irmãos voltaram a casa para se despedir desejando a Renato sucesso na nova morada.
No dia seguinte foi verificar sua caixa postal. Entre as cartas, uma de dona Marina que dizia que Marisa havia ido para Santos com o pai.
Dona Marisa por outro lado, teria que voltar para Uberaba para ficar com o filho Mike que precisava dela.
Por isso se fazia mais que urgente ir buscar as crianças.
Mike não pertencia à Igreja, mas, assim como seu Jaime não interferia nas decisões dos outros membros da família e apenas queria sua mãe para cuidar dele, como todo bom filho.
Em busca dos filhos e a decisão do Juiz
No dia seguinte 20 de junho, Renato foi à Prudentópolis, cidadezinha próxima de Ponta Grossa, conhecida pelo seu excelente mel, para a RM.
Depois de um dia cansativo conseguindo apenas um resultado razoável, voltou para casa viajando à noite para São Paulo para de lá ir a Belo Horizonte.
Havia recebido uma convocação para estar diante do juiz, afim, de resolver o problema do desquite.
Na viagem passou por Castro, Jaguariaíva e cidadezinhas do interior de São Paulo e lhe ocorreu a ideia de fazer um trabalho de RM por essas cidades, assim que retornasse de BH.
Ainda iria estudar que tipo de material usaria nessa RM.
Com esses pensamentos pegou no sono e teve uma viagem tranquila.
Em 22 de junho já em BH foi com dona Marina e mais dois membros da Igreja como testemunhas ao encontro de sua advogada que o esperava no Fórum.
Foram orientados sobre o que falar diante do juiz, já que nenhum deles havia passado por qualquer experiência nesse sentido e era comum que estivessem nervosos.
Já diante do juiz, uma decepção: alegando haver a possibilidade de uma reconciliação este simplesmente adiou a audiência sem sequer os receber.
Apenas comunicou a advogada que lhe enviaria uma nova convocação.
Sem poder dizer ao juiz que uma reconciliação estava totalmente fora dos propósitos, Renato teve de aceitar, pois, conforme a advogada o que o juiz decide é o que vale e argumentar que ele havia se deslocado do Paraná para esse encontro seria perda de tempo.
O aborrecimento de Renato só não foi maior porque tinha vindo para buscar seus filhos.
No dia 26 acompanhado de Marli, já estava em casa.
Uma gostosa responsabilidade
Apesar de sua responsabilidade ter agora triplicado, estava feliz, pois, tinha Eduardo e Vinícius ao seu lado.
Podia passear e brincar com eles a hora que quisesse.
Estava como dizia seu Carlos "com a vida que pediu a Deus".
No dia 28 viajava para Guarapuava para participar de um trabalho de evangelização junto com o missionário Júlio e outros missionários da região.
Antes havia ido a Castro com quadrinho pois precisava deixar dinheiro com Marli para que ela cuidasse da casa.
Não sabia quanto tempo ficaria em Guarapuava.
Chegou à cidade na madrugada do dia 29 com a temperatura beirando os 3ºC negativos.
Tinha o endereço de Júlio, porém, àquelas horas sem uma condução ou taxi ficava difícil localizar sua casa. Resolveu ligar para ele, mas, não conseguiu completar a ligação, parecia que as linhas estavam literalmente congeladas.
Quem o ajudou foi a Polícia Militar que passava com seu carro por ali, levando-o até o endereço.
Já com Júlio e mais sete missionários entre irmãos e irmãs, tomava um chocolate bem quente para tentar amenizar o frio que estava sentindo.
Conversando, colocaram o esquema de trabalho que iriam realizar. Por volta das 3 da manhã foram descansar, pois, teriam um dia bem agitado pela frente.
A finalidade era a de dar o maior número de testemunhos possível para que, ouvindo as palestras ministradas pelo missionário Júlio, todos os participantes se comprometessem a fazer o seminário de sete dias em Curitiba.
Foi uma experiência positiva (incluindo-se aí um trabalho de evangelização no A.A. (alcoólicos anônimos), dando uma visão do Princípio Divino aos seus participantes), onde todos se deslocavam de suas casas não se incomodando com a temperatura baixíssima para ouvir aquele ensinamento diferente de tudo o que já haviam ouvido.
Dias depois todos voltavam para suas cidades, certos do dever cumprido.
Caberia agora a Júlio dar continuidade ao trabalho, visitando os participantes, afim, de manter acesa a chama até que o seminário de sete dias tivesse início.
No caminho para Ponta Grossa Renato ia observando o estrago que as geadas estavam causando às lavouras.
Estava fazendo um frio como segundo as pessoas da região disseram, nunca havia acontecido antes.
Já em casa um novo problema: Devido às fortes geadas durante a noite e o sol das manhãs, muitas telhas racharam provocando goteiras em vários pontos.
Imediatamente Renato foi comprar telhas novas e durante o dia todo se ocupou da troca.
Só por volta das 17 horas depois de todas as telhas trocadas foi que parou para descansar e ficar com as crianças.
Sonegação do Impostos
Em 14 de julho mais uma vez viajava para Curitiba para que no dia 15 todos estivessem em São Paulo para uma reunião.
Novamente teria de deixar as crianças com Marli e também seus afazeres diários.
Sabia que essas reuniões eram necessárias, porém, para ele que tinha três pessoas sob sua responsabilidade era mais complicado.
A situação financeira ficava um pouco comprometida, pois, boa parte era diluída nessas viagens que corriam por conta do missionário, além do que, quando estava em Curitiba, ou outra cidade, a RM que faziam era em prol daquela Igreja e nunca da sua.
Renato encarava tudo isso como um teste de Deus para checar sua fé e obediência, e sabia que tinha de superar estes obstáculos.
No dia 15 todos estavam em São Paulo com toda a Igreja Central completamente lotada.
Lá estava também o agora Pastor Marcio, de Maceió.
Reviu também seus filhos espirituais de Uberaba, Brasília, Belém e Manaus.
Assim todo aquele pensamento negativo dissipou-se como num passe de mágica.
A reunião foi para comunicar que apesar de todos os esforços feitos e do apoio de outras religiões, o reverendo Moon fora condenado por sonegação de impostos nos Estados Unidos, pois, a Corte não considerava a Igreja de Unificação de Utilidade Pública e por isso não a isentava como as outras.
Renato foi à Decolar onde comprou uma caixa de estampas, pois, queria assim que chegasse em casa, colocar seu plano de RM nas cidades em prática.
Descobrindo uma irmã desgarrada
Descobriu ainda que em Ponta Grossa morava uma moça que havia feito o seminário de sete dias em São Paulo, mas não havia se decidido a ficar na Igreja.
Procurando sua ficha, descobriram o nome (Silvia) e o endereço.
No dia 19 todos voltavam para suas cidades.
Já em casa passou todos os acontecimentos para Marli que nos seus dezessete anos se mostrava uma moça muito competente em relação aos deveres da casa e muito compenetrada nos assuntos da Igreja.
A preocupação de Renato agora era colocá-la em uma boa escola.
No dia seguinte de posse de seus documentos procurou um colégio próximo de casa. A ideia era que ela completasse aquele segundo semestre e no próximo ano entrasse firme nos estudos, porém, não acharia vaga nem ali e nem em outro colégio qualquer da cidade.
Infelizmente ela teria de ficar os seis meses longe dos cadernos.
Aproveitando que se encontrava no centro da cidade, pegou um ônibus e foi ao endereço de Silvia.
Ela não estava em casa e ele deixou um recado aos seus pais para que ela o procurasse.
Para sua surpresa ao entardecer Silvia bateu à porta da casa.
Em pouco tempo de conversa ela dizia-se insegura e indecisa quanto ao que fazer da vida, pois, após ter feito o seminário voltou para casa, mas, as coisas já não eram mais as mesmas.
Renato a convidou para ficar interna, porém, deveria, apesar de seus já 20 anos de idade, pedir o consentimento dos pais.
No domingo ela veio participar da Cerimônia de Inclinação. Seria sua primeira vez, mas, se considerava um membro externo.
Após a Cerimônia, ainda na sala de oração, conversaram sobre suas vidas e Renato a deixou à vontade para que se decidisse.
Falou que depois de ter feito o seminário, já não conseguia suportar o modo como as coisas andavam em sua casa, com pai bebendo e fumando muito.
-Você tem que ter calma, disse Renato. Tem uma frase que diz que "quem não conhece as leis, não está sujeito a elas". Seu pai não tem a mínima ideia do que a Igreja prega, como querer que ele siga algo que não conhece?
-Criticar o seu comportamento habitual só vai fazê-lo se afastar mais de você, e não é isso que a Igreja quer, completou.
-Mas o que devo fazer então? Perguntou Silvia.
-Continue vindo nos visitar, e você vai se sentir mais confiante e tolerante.
Uma filha espiritual
De fato, nos dias que se seguiram, Silvia não ficava um dia sem aparecer e seu modo de ver as coisas em casa ia melhorando.
Já participava inclusive das RM's junto com Renato, claro que com o consentimento dos pais e da pastora Ivete.
Antes de se decidir a ficar interna, Silvia pediu que Renato fosse visitar seus pais, para que eles o conhecessem.
Na noite do dia seguinte, Renato estava diante dos pais dela e depois de uma conversa informal, seguida de um delicioso café, Renato saiu da casa confiante de que havia feito novos amigos.
Seus pais podiam ficar tranquilos, pois, sua filha estaria em boas mãos. Nas mãos de Deus.
Agora com mais um membro interno, poderia colocar em pratica seu projeto de restauração pelas cidades.
Conseguiu uma escola para as crianças onde elas ficariam em tempo integral e assim os três poderiam sair para a RM.
Ao mesmo tempo enviava o jornal Tribuna Universitária ao comandante do 13º Batalhão de Infantaria Blindada, que alguns dias depois lhe respondia agradecendo.
Renato preferiu fazer a RM pelas cidades a princípio sozinho para sentir o clima e para isso traçou no mapa as cidades de Irati, Guarapuava e Prudentópolis.
Com uma sacola com estampas e um tubo de cola, passava em uma marcenaria onde comprava uma folha de madeirite, pedindo que o cortassem e furassem na medida certa, e depois em um banco qualquer de praça, colava as estampas para em seguida bater de porta em porta no comércio e nas casas.
Quem passasse e o visse com certeza pensaria tratar-se de um hippie dos anos 70, porem, de cabelo cortado e barba feita além de trajes mais adequados, afinal era a imagem da Igreja que ele tinha de passar.
Estava voltando à fase do I.O.W.C. e aquela experiência adquirida lá atrás estava tendo serventia agora.
A única diferença é que não tinha o Jumbão para se locomover e mesmo passar a noite optando por dormir na praça como foi em Irati, ou na própria rodoviária (Guarapuava e Prudentópolis).
Nesse meio tempo, Silvia fazia RM em Ponta Grossa enquanto Marli cuidava da Igreja e das crianças.
O campo de atuação com quadrinhos nas cidades era fértil por isso na volta Renato propôs que Marli o acompanhasse na próxima saída deixando Silvia por conta da Igreja, já que ela não tinha tanta experiência com RM ainda.
Comunicou à pastora sua decisão de se ausentar por vários dias, pois, precisava de dinheiro para manter a Igreja e todos que nela estavam.
Um projeto de restauração por outras cidades
A pastora consentiu pedindo apenas que ele sempre mantivesse contato para o caso de uma emergência.
Assim com Marli escolheu no mapa as cidades que seriam visitadas.
Castro, Pirai do Sul, Jaguariaíva no Paraná, Itararé, Itapeva, Itapetininga e Capão Bonito no interior de São Paulo.
Com duas sacolas cheias de estampas e vários tubos de cola e outras duas com quadrinhos já prontos, partiam para mais essa aventura.
Primeiro Castro, onde ficaram o dia todo, viajando à noite para Piraí do Sul onde dormiram na própria rodoviária.
Á noite seguinte partiam para Jaguariaíva onde ficaram em um hotelzinho.
Naquela mesma tarde iam para Itararé onde por causa de uma festa na cidade os hotéis e pensões estavam lotados conseguindo um quarto semiacabado ali no centro mesmo que um rapaz ofereceu, providenciando também dois colchões.
Depois de instalados, Renato pediu que Marli fosse dormir e passou a noite toda colando estampas para o dia seguinte.
Enquanto trabalhava observava seu sono tranquilo. Jovem, bonita e cheia de energia para enfrentar os problemas da vida.
Só com muita força de vontade e fé no que acreditava podia fazer com que uma garota na flor da idade pudesse largar todos os seus sonhos e objetivos para se enfiar em uma igreja que tinha como principal dogma, dar a benção do casamento com uma pessoa que ela nem conhecia ainda.
E se ela e outras moças da Igreja eram o que eram agora, só se podia agradecer ao líder reverendo Moon. Quantas garotas nessa idade não estavam agora num quarto de hotel com o namorado, ou se drogando e se prostituindo nas esquinas da vida?
Em um pensamento nada condizente com a Igreja, desejou que ela ao invés de Marisa pudesse ter entrado antes na vida dele.
Rapidamente mudou seu pensamento que já estava entrando em uma área perigosa de sua mente.
Pela manhã deixou-a dormindo e foi buscar pão e café.
Quando voltou ela já estava de pé, de banho tomado e enquanto ele ia para o chuveiro, preparou as sacolas com os quadrinhos.
Renato saiu do banho e sorriu para ela. Cada vez a admirava mais.
Tomaram o café e saíram. Como era de costume antes de iniciarem o trabalho entraram em uma Igreja para fazer suas orações.
Itararé é uma cidade pequena e linda, maior das que já haviam passado, por isso, ficaram dois dias na cidade fazendo com que suas estampas terminassem mais rápido do que haviam imaginado.
Renato pediu que Marli voltasse a Ponta Grossa para buscar mais estampas enquanto ele encomendava várias chapas de madeirite cortadas e furadas.
Como não tinha mais nada a fazer enquanto ela não voltasse, foi para o quarto passando o resto da tarde lendo o Principio Divino.
No dia seguinte, o terceiro em Itararé foi buscar os quadrinhos e às 11 horas se encontrava com Marli na rodoviária, toda atrapalhada com aquelas quatro sacolas cheias de estampas.
Ficaram a tarde toda colando os quadrinhos e de comum acordo viajaram para Itapeva conseguindo um hotel numa área não muito agradável do Centro, porém, era o único que haviam conseguido e não queriam ficar em praças ou na rodoviária, por estar fazendo muito frio.
Teriam de dormir na mesma cama, mas na verdade nem conseguiram dormir, pois, alguma coisa estava surgindo no ar e isso os estava amedrontando. Marli como toda mulher, pressentia que algo havia mudado no comportamento de Renato.
Pediu que ele nunca deixasse de pensar na razão pela qual ele estava lutando e que mesmo que o motivo principal (Marisa) já fosse carta fora do baralho, que ele se concentrasse em seus filhos, físicos e espirituais e no ideal da Igreja.
Renato sabia que ela tinha razão, pois, o que ele já havia passado e suportado até ali, não compensava qualquer deslize.
Passaram a noite toda conversando e, só por volta das cinco horas conseguiram pegar no sono apenas para levantarem às sete.
Arrumaram as sacolas, tomaram um banho para reanimar e saíram optando por tomar um café pelo caminho e depois procurar uma Igreja para suas orações.
Itapeva também é uma cidade pequena e bonita e até 16 horas já haviam passado por todo o Centro e principais bairros.
Foram para a rodoviária para em seguida partirem para Itapetininga, chegando lá por volta das 21 horas.
Sua rodoviária grande e bonita era um convite para que eles passassem a noite por ali mesmo. Não fazia tanto frio como na noite anterior e era uma maneira de economizar.
Cobertos com um cobertor que haviam trazido, se recostaram um no outro e sentados dormiram.
Pela manhã com as costas ardendo em brasa pela posição com que acabaram ficando, pagaram para tomar um banho e depois de um café saudável saíram para o trabalho.
Itapetininga é maior do que todas as cidades que já haviam passado, por isso, tinham certeza de obter um bom resultado.
Encomendaram mais chapas e foram para os bairros.
Mais tarde foram buscar os quadrinhos e para não sentirem as mesmas dores da noite anterior resolveram ser menos pão duros e alugar um quarto dessa vez com duas camas confortáveis (mais caro também).
Um sentimento diferente
No dia seguinte trabalharam até 18 horas. Ainda havia chão para mais dois ou três dias, mas, Renato preferiu ir para Capão Bonito e cumprir a rota determinada ainda em Ponta Grossa.
Itapetininga ficaria para uma próxima oportunidade.
Capão Bonito estava em festa e havia muitos motociclistas pelo centro da cidade fazendo um enorme barulho.
Conseguiram um hotelzinho próximo à praça principal e como tinham muitos quadrinhos prontos resolveram passear pela cidade e depois ir ao cinema para assistir um filme de terror classe B com muitas cenas violentas, fazendo com que Marli pedisse para sair no meio do filme.
Por causa do barulho das motos não conseguiram dormir.
Quando estava pegando no sono Marli o chamou dizendo que estava com medo por causa do filme.
Sem pensar, Renato foi para sua cama e abraçou-se a ela tentando fazê-la dormir.
Colocou sua cabeça em seu peito e passou a acariciar seus cabelos.
Sua respiração acelerada e seu corpo quente faziam com que Renato se sentisse dominado por aquele clima sensual e gostoso.
Já nem lembrava mais como era ter uma mulher em seus braços.
O desejo começava a dominá-lo e das carícias nos cabelos passou a acariciar seus lábios seu rosto e a beijar sua testa.
O sentimento era bom para ele, mas, muito ruim para os propósitos da Igreja e sabia que se continuasse, a situação ficaria incontrolável, pois, com certeza nenhum dos dois resistiria.
Quem o trouxe à realidade foi Marli, perguntando o que ele estava fazendo.
-Não sei o que estava tentando fazer, mas, com certeza nós dois iríamos nos arrepender mais tarde. Respondeu Renato.
Sem nada dizer, Marli acatou seu pedido para que fizessem uma oração pedindo a Deus que os colocasse no caminho certo, não permitindo que cometessem nenhum deslize.
Renato voltou para sua cama e os dois conseguiram pegar no sono apesar da barulheira das motos lá fora.
Contudo, Renato já sabia que as coisas não seriam as mesmas e que estava se apaixonando pela cunhada.
Às 8 horas levantaram. O corpo doído pela noite mal dormida só foi melhorar depois de um banho frio e um café no próprio hotel.
Saíram com os quadrinhos e como era feriado, conseguiram apenas um resultado razoável.
Por volta de 16 horas voltaram ao hotel para pegar as sacolas e viajaram de volta a Ponta Grossa.
Silvia tinha conduzido a Igreja da melhor maneira possível e os meninos não deram trabalho algum a não ser uma encrenca ou outra típica de irmãos.
Renato aproveitou para checar sua caixa postal onde havia várias cartas, e uma delas em especial chamou sua atenção.
Contato com a alta cúpula militar
Era do comandante do 13º Batalhão que se dizia agradecido pelos jornais e que brevemente lhe faria uma visita.
Renato ficou contente, pois, ele poderia vir a ser um importante aliado na propagação do trabalho de evangelização aos seus comandados.
Por outro lado, sentia-se apreensivo só de imaginar estar cara a cara com uma pessoa do alto escalão militar, pois, como bem sabia, ainda não estava preparado para enfrentar essas situações.
Decidiu que colocaria o Presidente da Igreja a par de tudo.
Na parte da tarde pegou as crianças e junto com Silvia e Marli foram ao cinema.
O filme agora era mais ameno, "A Turma da Mônica".
Nos dias seguintes começaram a notar algumas mudanças no comportamento de Eduardo agora próximo dos seus sete anos, principalmente quando Marli o levava para tomar banho e o deixava sozinho na banheira.
Por diversas vezes Renato e as garotas o ouviram conversando e rindo como se estivesse brincando com alguém.
Marli e Silvia estavam preocupadas, mas, Renato as acalmou dizendo que isso era normal, pois, a pureza de uma criança ainda que com o Pecado Original dentro de si, permite que ela veja o mundo espiritual mesmo que por alguns instantes, mas, com certeza com mais tempo do que os adultos, portanto, não havia motivo para pânico e nem Eduardo estava com problemas.
Letícia a garota que havia ouvido a palestra em sua casa veio enfim participar de uma explicação mais completa, juntamente com alguns convidados de Marli e Silvia.
As primas e amigas não vieram, por isso, não haveria interrupções.
Todos ficaram interessados prometendo fazer o seminário de sete dias assim que houvesse oportunidade.
Dias depois o Presidente aproveitando que vinha fazer uma visita a um irmão seu que era seminarista veio à Igreja e pediu a Renato que o apresentasse ao comandante, porém, este não foi encontrado e Renato ficou de comunicar assim que conseguisse agendar um encontro.
O Presidente trazia também a notícia de que a Pastora Ivete iria realizar já no domingo próximo o tão esperado seminário de sete dias.
Renato entrou em contato com o pessoal, mas, apenas dois confirmaram presença.
Letícia não pode ir, pois, segundo ela, seus pais e também o patrão não quiseram liberá-la por tanto tempo.
Renato ficou triste, pois, ela era a pessoa em quem ele mais acreditava para o seminário, porém, tinha todo o tempo do mundo e novos convites viriam.
Mais uma viagem dentro do projeto de RM
Devido a correria entre palestras, visita do Presidente e o envio das pessoas para o seminário, acabaram deixando a RM um pouco de lado e o estoque de alimentos estava acabando, por isso, mais uma vez Renato e Marli resolveram sair para as cidades nos mesmos moldes da primeira saída.
Escolheram Telêmaco Borba, Ibaiti, Santo Antônio da Platina, Jacarezinho Ourinhos e Cornélio Procópio.
Depois de passar o dia inteiro em Telêmaco Borba uma cidade razoavelmente grande, foram para Ibaiti onde alugaram um quarto, passando a noite colando quadrinhos.
Já na noite seguinte seguiam para Santo Antônio da Platina.
De Santo Antônio da Platina foram para Jacarezinho e só se deram conta de que haviam perdido a carteira com todo o dinheiro arrecadado até ali (trinta e três mil cruzeiros) quando resolveram ir para um hotel. O remédio então foi voltar para a rodoviária e dormir por lá mesmo.
No dia seguinte Renato ainda voltou à cidade para tentar recuperar a carteira com pelo menos os documentos indo ao Correio e o jornal da cidade, mas, sem sucesso.
O dinheiro era fácil de conseguir, pois, tinham os quadrinhos, mas, os documentos dariam mais trabalho.
Sorte que Renato carregava a identidade consigo.
Depois de acordarem saíram do jeito que estavam, sem banho sem café e com a cara parecendo maracujá de gaveta.
Por volta do meio dia aí sim com algum dinheiro pararam para tomar um café reforçado para em seguida voltarem à luta.
À noite já com um resultado se não satisfatório pelo menos razoável, viajaram para Ourinhos onde preferiram tomar um banho na rodoviária e ficar por lá para dormir.
Não queriam gastar o que conseguiram, pois, um hotel em Ourinhos devia ser o olho da cara pelo tamanho da cidade.
Ourinhos faz divisa com Jacarezinho no Paraná e por ser grande, resolveram ficar mais de um dia.
Na noite do dia seguinte voltavam para o Paraná e pararam em Cornélio Procópio.
Ali ficaram numa praça a espera do raiar do dia.
Já à noite voltavam para Ponta Grossa.
Tinham obtido um excelente resultado apesar da perda do dinheiro.
Um beijo inesperado
No ônibus, cansada como era de se esperar, Marli adormeceu recostando seu rosto no ombro de Renato.
Novamente aquela respiração e seu rosto quente mexiam com a imaginação de Renato que não resistindo, tocou seus lábios nos dela.
Marli abriu os lindos olhos verdes, espantada e ele esperou a bronca que não veio. Ela apenas sorriu e novamente adormeceu.
As coisas em Ponta Grossa a exemplo da outra vez tinham corrido bem e as crianças estavam se dando bem na escola.
Renato saiu com Silvia para fazer compras e aproveitou para ligar para o comandante dizendo que o Presidente iria visitá-lo assim que ele (comandante) tivesse um espaço em sua agenda.
Em seguida ligou para o Presidente colocando-o a par da situação e passando o número do telefone do comandante. Assim encerrou aquele assunto que agora seria apenas entre eles.
A ida de Silvia para Curitiba
Alguns dias depois, Renato recebia uma carta da pastora pedindo que Silvia fosse para a capital para ficar interna lá.
Renato ficou chateado, pois, não poderia mais contar com ela em seus novos projetos.
Podia considerá-la uma filha espiritual, pois, não se diz que pai é aquele que cria? Então, Renato era seu pai, pois, tinha contribuído para que ela voltasse à Igreja.
Mas ele sabia também que tudo isso fazia parte de todo o processo dentro da Igreja e a ida de Silvia para a Igreja de Curitiba significava seu crescimento espiritual, assim como ele crescera ao sair de Uberlândia para o I.O.W.C.
O remédio era lutar com as armas que tinha, e agora sozinho, pois, Marli finalmente conseguia entrar no colégio e estudaria no período noturno.
O trabalho teria de ser limitado aos bairros de Ponta Grossa mesmo e quando muito nas cidadezinhas mais próximas para que ele pudesse voltar a tempo de pegar as crianças e levá-las para casa.
Contradizendo um superior
Num sábado pela manhã o Presidente veio à Ponta Grossa, pois, havia recebido um convite do comandante que queria conhecê-lo e também conhecer a doutrina do reverendo Moon.
Antes do encontro passou na Igreja para cumprimentar Renato.
Em dado momento, Eduardo e Vinícius adentram à casa, correndo pela sala e sujos de lama, pois, haviam acabado de jogar bola em um campinho ali perto.
O Presidente franziu o cenho e torceu o nariz, dizendo que aquele não era o comportamento adequado dos filhos de um missionário e eles deveriam ser um bom exemplo para os outros meninos.
Renato perdeu a calma e respondeu que as crianças com a idade que estavam não podiam servir de exemplo de nada e no auge de sua infância tinham mais era que brincar, se divertir e não se preocupar se estavam certos ou errados.
-O senhor vai me desculpar, mas, as únicas pessoas aqui que devem dar exemplo sou eu e a Marli já que somos adultos. Meus filhos vão brincar e se sujar sim. No momento certo eu saberei como colocá-los a par do que é a Igreja, mas, não agora, não com a idade que eles têm, respondeu indignado.
Era a primeira vez que alguém da Igreja contradizia um superior.
Ele nada respondeu e se despediu indo ao tal encontro.
Marli olhava abismada para Renato não acreditando que ele fizera aquele comentário.
Renato, porém, nada disse. Sabia que estava certo e que o Presidente também sabia.
Uma paixão perigosa
O sentimento por Marli depois dos acontecimentos em Capão Bonito havia mudado e numa noite em que ela voltava do colégio, Renato a puxou para si, beijando-a com paixão.
Marli se desesperou dizendo que aquilo não estava certo e que Renato deveria se concentrar nas coisas da Igreja.
-Eu sei que não está certo Marli, mas, eu não consigo me controlar e nem te ver mais como uma irmã. Só te vejo como mulher, uma linda mulher.
Os dias a seguir foram de angústia para ele e Marli procurava ajudá-lo pedindo que orasse muito e que pensasse principalmente em seus filhos.
Quanto mais ela lhe passava palavras de incentivo, mais seu sentimento de amor por ela crescia.
Estava na mesma posição do Arcanjo Lúcifer seduzindo Eva e induzindo-a ao pecado.
Sabia que se continuasse com aquilo, Marli poderia ceder.
Sabia também que a exemplo de Lúcifer, João Batista e tantos outros que ao falharem na providência de Deus foram abandonados por Ele, para que Ele pudesse trabalhar com outras pessoas, o mesmo aconteceria com ele e que seduzindo Marli, esta, também seria abandonada.
Fora de sintonia com a fé
Tinha que fazer alguma coisa, pois, já nem estava ligando para as coisas ao seu redor.
Não tinha ânimo para a RM e muito menos para os testemunhos, e quando tinha alguma palestra para dar, os convidados eram de Marli.
Passava por um enorme teste de fé e sabia que tinha de superá-lo.
Para isso colocou três prioridades em sua vida:
Jejum de sete dias, leitura do Princípio Divino e oração, muita oração.
A situação estava tão crítica que até a casa a dona pediu de volta alegando ser para a filha que iria se casar em breve.
Na verdade, era o atraso de dois meses no aluguel que estava precipitando as coisas.
Ela lhe dava dois meses para que providenciasse outro lugar.
Dois meses para quem tivesse fiador seria fácil, mas, para ele que só conhecia as pessoas das conferências que ele havia dado, seria um problemão.
Porém as três condições as quais ele havia se submetido pareciam estar surtindo efeito.
Já se sentia mais animado com a RM e voltava a dar conferências com mais convicção.
Estava voltando a olhar Marli como irmã novamente.
Eduardo e Vinícius como que entendendo a situação, participavam das orações.
Em uma de suas saídas para a RM, passou por uma imobiliária e viu um apartamento de três quartos em um condomínio fechado.
Pegou as chaves e foi verificar.
Uma ideia muito louca
Era um apartamento razoavelmente grande.
-Um desses quartos será a sala de conferências e oração, mentalizou ele sem se dar conta de que precisava do principal: o fiador.
Uma ideia maluca lhe veio à cabeça. Só havia uma pessoa na cidade que era conhecida de todos. O Prefeito.
Ele sim poderia ser seu fiador.
Tinha tanta certeza de que aquilo daria certo que pediu ao dono da imobiliária que guardasse o apartamento para ele por três dias deixando um sinal.
Dali foi direto à Prefeitura onde marcou uma entrevista com o Prefeito identificando-se como missionário da Igreja do reverendo Moon.
Apostou todas suas fichas nessa ideia. Se ia dar certo só Deus poderia dizer.
Ou o Prefeito o ignoraria achando tratar-se de mais um munícipe para lhe pedir algo, ou a curiosidade faria com que ele o recebesse.
Prevaleceu a curiosidade e no dia seguinte lá estava Renato diante dele em sua bonita e suntuosa sala.
Quando acabou de falar o Prefeito só fazia olhar para ele boquiaberto.
Talvez ele não esperasse que um munícipe fosse a sua sala pedir para que ele fosse seu fiador, quando geralmente ele atendia pessoas que queriam emprego ou cesta básica.
Talvez por isso também ele tenha aceitado seu argumento pedindo que lhe trouxesse o contrato para assinar.
Quando levou os documentos do Prefeito à imobiliária, mais boquiaberto ficou o dono não acreditando no que via.
Dias depois com tudo acertado Renato foi com Marli e as crianças fazer uma limpeza no apartamento.
À tarde um caminhão parava dentro do condomínio com a mudança.
Já com tudo arrumado, chamou Marli e as crianças para juntos fazerem uma oração para que as coisas corressem agora de acordo com a vontade de Deus.
Uma nova filha espiritual
Num sábado à tarde levou uma moça para assistir a uma palestra. Suzana era seu nome.
Suzana já havia passado por várias igrejas, mas, nunca se acertara em nenhuma delas. Dizia não ter encontrado ainda o caminho.
Quando ouviu a parte final da palestra foi taxativa:
-É isso que eu estou procurando.
Renato avisou-a do seminário de sete dias e ela se prontificou a participar.
Agora o pessoal do I.O.W.C. que continuava passando pela cidade, só ia à igreja para almoçar, pois, não havia espaço para que dormissem, por isso, ficavam no Jumbão mesmo.
Suzana mesmo sem ter feito ainda o seminário ia todos os dias à Igreja e arriscava umas saídas para a RM com Renato.
Tornou-se uma grande amiga de Marli e sua confidente.
Atitude estranha de Marli
Nos dias que se passava Renato verificava uma mudança no comportamento de Marli, mas, quando perguntava a ela o que estava acontecendo nunca tinha uma resposta convincente.
Já não se preocupava tanto com as orações e com a escola.
Sabendo que Suzana era sua confidente, perguntou a ela o que estava acontecendo.
A princípio ela não quis falar por tratar-se de algo confidencial, mas, Renato fez com que ela entendesse que para o bom andamento das coisas dentro da Igreja ele deveria estar a par de tudo o que acontecesse.
Descobriu então que Marli havia se apaixonado por um colega da escola.
Na noite daquele mesmo dia após ter chegado da aula, Renato a chamou para a sala de oração e disse já saber de tudo.
-Você está agindo exatamente como eu agi com você e sabe que isso significaria o fim de sua permanência na Igreja não sabe?
Marli sem pestanejar disse que aquele sentimento pelo rapaz já vinha de algum tempo desde que havia entrado na escola.
-Então quando você me dizia aquelas palavras de incentivo para que eu pensasse nas crianças e no bom andamento da Igreja você já estava com esse sentimento?
-É verdade, só não falei para que você pudesse se concentrar no que estava fazendo disse ela referindo-se ás três condições que ele havia se proposto a fazer.
Renato sentiu-se traído e pediu para que ela trouxesse o rapaz até ele, pois, queria conhecê-lo, afinal era o responsável por ela.
Quando explicou ao rapaz (Cesar) que dentro da Igreja Marli já tinha uma missão a cumprir ele riu sem entender nada.
Como dizer a ele que Marli já tinha um destino traçado através da benção do matrimônio com alguém que ela ainda nem conhecia?
Preferiu não se aprofundar no assunto, pois, ele não entenderia mesmo.
Teria que trabalhar com Marli mesmo. Será que naquela cabecinha que já estava dominada pelo amor, entraria alguma coisa do que Renato falasse?
O rapaz foi embora e naquela noite mais uma vez Renato pedia que ela refletisse sobre o que estava fazendo e tentasse fazer as três condições pelas quais ele havia passado.
Ela que sempre o aconselhara agora estava sendo aconselhada por ele.
Marli estava irredutível e não aceitou qualquer tipo de intervenção naquele relacionamento.
Infelizmente Renato a estava perdendo para o mundo.
No fundo sabia que mesmo com as condições a que se submetera e haviam dado certo, ainda assim aquilo deixou marcas profundas em Marli, que aos poucos ia perdendo a fé.
Suzana que nem o seminário de sete dias havia feito e por isso não estava a par de todos os mistérios da Igreja pouco podia ajudar e a única alternativa de Renato foi escrever uma carta para dona Marina colocando-a a par dos acontecimentos.
Dias depois seu Jaime vinha buscá-la. A ideia era levá-la para Uberaba, porém, ela se recusou a ir alegando estar estudando e que ficaria na casa dos pais do namorado.
Renato via as coisas se complicarem, pois, agora não teria mais com quem deixar as crianças.
Até que Suzana fizesse o seminário e aceitasse ficar interna ainda iria um bom tempo, por isso, pediu que o sogro os levasse para Uberaba para a casa de seu Carlos.
Junto enviava uma carta explicando tudo pedindo que cuidassem dos meninos até que ele conseguisse resolver os problemas em Ponta Grossa.
Ainda tinha esperança de que Suzana ao fazer o seminário pudesse ficar interna com ele, mas, essa esperança se dissipou quando ela resolveu abandonar tudo alegando não ser ainda aquele caminho que procurava. Claro que sua decisão se deu ao fato de ter presenciado todos aqueles problemas.
