O início em Barueri SP
A história começa na cidade de Barueri, interior de São Paulo no ano de 1956.
Seu Carlos vai com a família: Dona Gisa, o filho Renato de 5 anos, e o mais novo, Reinaldo com 3 anos de idade.
Mudaram de Santos para lá, por causa de um convite feito a ele (desempregado), para tomar conta de um sítio na cidade.
O sítio é grande, com um pomar, onde vários tipos de árvores frutíferas crescem.
Próximo ao sítio um enorme lago, onde costuma pescar nos fins de semana.
Aproveita para além de ganhar seu salário como caseiro, faturar um troquinho a mais, vendendo frutas e os peixes que pesca, no centro da cidade.
A vida para as duas crianças é própria de quem vive no meio do mato, apenas em contato com os pais, por isso quando chega alguma visita em casa seja de parentes de Santos, ou amigos do pai, eles correm se esconder debaixo da cama.
"Verdadeiros bichos do mato", dizem os parentes.
Afora isso, o divertimento dos dois é correr por entre as árvores, e brincar no balanço que seu Carlos fez para eles aproveitando uma das árvores do pomar.
Ir para perto do lago nem pensar, é muito perigoso.
É numa dessas brincadeiras que Reinaldo quase se dá mal.
Tapando a cabeça com um saco de açúcar, deixando apenas os buraquinhos para os olhos a boca e o nariz, ele está brincando com Renato de pega-pega.
De repente cai de cabeça no córrego que atravessa o sítio e desemboca no lago.
Apavorado Renato corre para casa, para avisar a mãe, mas está tão nervoso que só faz gesticular e apontar para o córrego.
Pressentindo o que está acontecendo, dona Gisa corre para o local que Renato está apontando.
Chama um rapaz que sempre àquelas horas, está nadando ou pescando no lago que consegue tirar Reinaldo do córrego. Paulo é seu nome.
Agradecida dona Gisa, mesmo com Reinaldo já fora de perigo, o leva ao hospital.
Á noite, quando seu Carlos chega de mais um dia de vendas na cidade, fica a par dos acontecimentos. Convida Paulo para comer uma carpa que ele havia pescado e trava-se ali uma amizade.
Seu Carlos o chama para jogar no time que eles estão formando no bairro e Paulo aceita.
Essa é a vida rotineira da família. Para seu Carlos, vender peixe e frutas na cidade e no fim de semana bater uma bolinha. Para dona Gisa, as costumeiras tarefas caseiras, e para os meninos, brincar, correr e se esconder das visitas.
Mas aquela rotina, porém, estava terminando.
De volta a Santos
Seu Carlos consegue um emprego como (condutor) de bondes em Santos.
Estamos no ano de 1958, e a família se encontra agora no Bairro do José Menino, na casa dos avós paternos.
Renato já está com sete anos, estuda na Escola Brás Cubas.
O primeiro dia de aula foi marcado por muito choro, pois a mãe o havia levado até a porta da escola, e como nunca havia se separado dela, ficou desesperado quando teve que entrar sozinho para a sala de aula. Dona Gisa prometera que no final da aula o buscaria, mas, mesmo assim foi difícil conter o choro.
Ela trabalhava em um laboratório de fotografias e sempre dava um jeitinho de sair para apanhá-lo na escola, e levá-lo para casa, onde ficava em companhia do irmão e dos avós.
Nesse mesmo ano dona Gisa deixou o emprego para se dedicar mais aos filhos, pois estavam de mudança para a Vila Margarida em São Vicente, onde seu Carlos conseguira comprar uma casinha.
Vila Margarida e a cadelinha Diana
Renato então vai estudar no Colégio Martim Afonso.
Costuma ir a pé para a escola, sempre escoltado por sua vira-lata Diana, que o deixa na porta da escola e depois volta sozinha para casa.
O incrível é que ela pressentindo a hora em que Renato termina os estudos, vai para lá para acompanhá-lo de volta. (isso porque os animais não pensam).
Alguns meses depois, seu Carlos chega em casa à noite eufórico, e comenta com dona Gisa, que recebeu uma proposta de trabalho do IBC Instituto Brasileiro do Café. Órgão Público Federal criado em 1952.
Ele já tinha mexidos os pauzinhos, tempos antes através de alguns políticos da cidade, e agora estava sendo recompensado.
Sua função: (fiscal no cais de Santos).
A separação
No início de 59, recebe outra proposta, mas desta vez do próprio IBC, para trabalhar na Capital onde além do salário, irá ganhar o que ele chama de diária.
A disponibilidade para o serviço é de um ano, mas dependendo da safra de café pode se estender por muito mais tempo.
Conversa com dona Gisa que se mostra apreensiva.
- Mas... e o Renato, como vamos fazer com os estudos dele?
- O Renato não vai conosco, minha ideia é vender esta casa, e ir embora. Ele vai ficar com sua irmã Bel, daqui a pouco vamos à sua casa para conversar com ela. Tenho certeza que nem ela nem o Wilson irão se opor.
- Ái meu Deus, vamos ter que nos separar de nosso filho?
- É só por este ano, depois ele vai conosco, pois pretendo ficar muito tempo lá.
O local para onde ele irá chama-se Jaguaré, um bairro de São Paulo, cujo armazém, está necessitando de um bom fiscal furador, e seu Carlos se enquadra perfeitamente no que eles precisam.
Chama Renato depois da janta, e conversa com ele que não acredita no que está ouvindo. Vão embora para outro lugar e não querem levá-lo?
- Olha será por pouco tempo, logo você termina o ano na escola e poderá vir conosco.
- Mas pai, estamos no começo do ano, até dezembro tem muito tempo.
- Eu prometo que nos finais de semana descemos para ficar com você, ok?
Inconformado, Renato vai para seu quarto e não consegue dormir, só faz chorar, com o coração apertado.
Mas infelizmente está tudo resolvido.
A casa é vendida, e Renato vai morar com os tios.
O que o entristece também, é o fato de não poder levar Diana.
Mas com ou sem tristeza lá estava ele na casa dos tios.
Tinha duas primas e um primo (Sandra, Sonia e Wilsinho).
Os pais realmente desciam a serra nos fins de semana para visitá-lo e passeavam pela praia.
No domingo a noite já pressentindo o desfecho da segunda feira, se recolhia a um canto para chorar.
A mãe vinha consolá-lo, dizendo que na manhã de segunda, o pai vai levá-lo.
- Mas você tem que prometer que vai estar acordado, senão teu pai não te leva.
Como ele não acordava (porque não o chamavam), ele não viajava, e quando acordava e via que tinha sido enganado, os ouvidos dos tios e primos é que sofriam com sua choradeira.
Toda final de semana essa história se repetia.
E toda segunda feira, a choradeira também. (claro que o pai nunca iria levá-lo porque na segunda era dia de aula).
Um dia Renato resolveu que não iria dormir naquele domingo.
- Quero ver se meu pai me leva ou não, pensou.
Ficou acordado até ás 4 da manhã, sem fazer barulho, pois os primos dormiam no mesmo quarto.
Quatro e meia, seus olhos já não acompanhavam seus pensamentos e o sono o dominou.
Conclusão: Foi o dia que mais tarde ele levantou.
Dessa vez nem teve tempo de chorar pois estava atrasado para a escola.
O pior de tudo foi saber que os pais religiosamente acordavam às 5 horas, ou seja: por causa de meia hora, ele acabou vendo seu plano falhar.
Mas as férias do meio de ano estavam chegando e o pai prometera levá-lo para o Jaguaré.
Contava nos dedos, os dias, as horas, os minutos e os segundos.
E as férias chegaram.
Férias no Jaguaré
No dia da viagem, parecia outra criança.
Estava alegre, sorridente e muito feliz.
Para ele Jaguaré que só ouvira falar da boca do pai, era um outro mundo.
São Paulo era um outro mundo, para quem estava acostumado com Santos e São Vicente.
Nem o Guarujá conhecia ainda.
E foram as férias mais gostosas de sua vida (se bem que estas eram suas primeiras férias).
Todos os dias seu Carlos levava ele e Reinaldo ao armazém onde ele trabalhava e os dois se divertiam correndo por entre as sacarias de café.
Renato gostava de ver o pai trabalhando.
Tinha um objeto cilíndrico na mão ao qual ele chamava de furador. Uma espécie de punhal com uma abertura onde os grãos de café, deslizavam indo parar na palma de sua mão.
- Põe na 5ª, mete na 3ª, enfia na 2ª, gritava ele para os homens que em fila, passavam por ele com sacos de café na cabeça, cada um pesando 60 quilos.
A frase do pai referia-se ao tipo de café que lhe chegava à mão.
Cada tipo ia para a pilha certa nos corredores do armazém.
As férias estavam acabando e a cada dia próximo do seu fim, era um tormento em sua cabeça e um aperto em seu coração.
Mas com ou sem aperto, ele teria que cumprir o segundo semestre de seus estudos.
Foi o semestre mais penoso de sua vida.
Sabia que se não passasse, poderiam continuar morando por mais um ano na casa dos tios.
Mas por outro lado, se passasse, também poderia prosseguir o segundo ano lá.
Porém mais uma vez o destino e o espírito de aventureiro que já se delineava na cabeça do pai, mudaram o rumo das coisas.
No final do ano, o armazém do Jaguaré, já não necessitava de um fiscal a mais, por isso seu Carlos fora mandado de volta para o cais de Santos.
Todos foram morar na casa de tia Alice irmã mais velha de dona Gisa, agora na Vila Mathias, pois a casa da tia Bel, era pequena para a família toda.
Renato havia passado de ano e dona Gisa matriculou-o no Cesário Bastos, ali próximo da casa da tia, onde ficou pouco mais de três meses pois seu pai já havia mexido os pauzinhos para ganhar a bendita diária em outra cidade.
O coração de Renato, já sentia mais uma vez, um ano de abandono, porém, para sua felicidade seu Carlos comunicou que ele iria junto.
- Nada de separação mais, senão o menino cresce e a gente nem vai ter tempo de acompanhar sua infância, disse o pai à dona Gisa, sem perceber que Renato estava ouvindo.
Com o histórico do Cesário Bastos na mão, dona Gisa poderia matriculá-lo na outra cidade.
Araraquara, essa era a cidade onde eles iriam morar. O chorão como os tios e os primos o chamavam, nunca mais choraria.
Campos de Aracoara "Lugar onde mora o sol"
Na viagem, ia observando encantado, as árvores na estrada, as fazendas os bois e vacas que pastavam mansamente, córregos, rios.
Tudo lhe chamava a atenção e ao seu irmão.
Mais bonita ainda do que a viagem para o Jaguaré. Tudo era diferente, o clima, a paisagem. E sua cabecinha nos quase oito anos de vida, era povoada por mil coisas.
Chegaram a casa, e o pai teria que comprar tudo desde roupas e móveis, até fogão e geladeira, pois segundo ele, o pouco que tinham, pois, estavam vindo da casa da tia, não compensava uma mudança cara, optando por deixar as coisas por lá mesmo.
O primeiro mês foi penoso, pois tinham que dormir no chão apenas com algum cobertor como forro.
Seus pais acordavam pela manhã com dores terríveis nas costas, e dona Gisa corria para o fogão à lenha preparar o café, enquanto seu Carlos ia a padaria buscar pão e leite fresquinhos.
Era penoso, mas o que importava é que estavam todos juntos.
No primeiro pagamento, seu Carlos comprou cama para todos, e no segundo, fogão e uma geladeira usada.
Renato no segundo ano primário sentia dificuldades em estudar, pois o ensino em Araraquara era diferente do que aprendera no Martim Afonso. Para Reinaldo que entrava na escola pela primeira vez, não estava fazendo muita diferença.
Ainda sem amizades para poderem ir para a rua brincar com outros meninos, eles a exemplo do Jaguaré, iam ver o seu Carlos trabalhar.
- Põe na 4ª, enfia na 2ª...
Nos fins de semana, iam à casa de um amigo do pai, onde sempre saboreavam um delicioso sorvete que a esposa preparava.
Os dois filhos desse amigo, tinham nomes estranhos: Irapuã e Pujakan.
Irapuã o mais novo, se apresentava como cantor todos os domingos pela manhã, no auditório da rádio local.
A Ferroviária do grande Bazzani, era uma força do futebol do interior, e ganhar dela em seus domínios não era tarefa fácil, nem mesmo para o Santos F.C. que naquele início de década, já dava o ar de sua graça.
Santos que tinha sido campeão paulista em 55, bi em 56, Campeão do Torneio Rio-São Paulo em 1959, e novamente campeão paulista em 1960.
A história de Araraquara, começa em 1807, quando Pedro José Neto e seus filhos oriundos de Minas Gerais, internam-se nas matas onde hoje está São Carlos e acabam fixando-se nos campos aonde viria se formar a cidade.
Construíram então uma capelinha dedicada a São Bento (padroeiro), nos campos de Aracoara (lugar onde mora a luz do dia, a "Morada do Sol"), na região dos campos de Piratininga, habitada por indígenas da tribo Guaranis. Em seis de fevereiro de 1889 é elevada à categoria de cidade pela Lei Provincial n.° 7. Sua data de fundação conta de 30 de outubro de 1817.
Seu aniversário é comemorado em 22 de agosto.
Araraquara faz divisa com São Carlos, Américo Brasiliense, Matão, Ibaté, Boa Esperança do Sul, Mutuca, Santa Lúcia, Rincão e Gavião Peixoto. Está distante da capital, 270 quilômetros e sua altitude é de 664m do nível do mar.
Na década de 60 tinha 81.600 habitantes. No censo de 2007 contava com 195.815.
Outro divertimento dos meninos era levantar-se da cama pela manhã, ao menor ruído de mangas caindo de uma árvore da casa do vizinho, que tinha como cerca, apenas arbustos, fáceis de serem pulados.
O problema é que o filho do vizinho também ouvia o barulho das mangas, e quando via que Renato e Reinaldo já estavam lá com as mãos cheias de mangas (ainda verdes), brigava com eles.
- Mas nós chegamos primeiro, dizia Renato.
- Mas a mangueira é do meu pai, retrucava o garoto.
No fim acabavam repartindo as mangas, e lá iam os três come-las verdes com sal.
A primeira travessura perigosa, que os dois fizeram, foi trancar-se no banheiro que ficava fora da casa, para fumar talo de xuxú seco.
Quando dona Gisa sentia aquele cheiro desagradável, e via a fumaça saindo do banheiro, aí a cinta cantava alto. Mas no dia seguinte tudo se repetia, mangas verdes, escola e IBC talo de xuxú seco e cinta.
Só no domingo a rotina mudava, quando eles iam ver Irapuã cantar na rádio, e depois a tarde tomar sorvete na casa de seus pais.
Já haviam feito algumas amizades na escola e até seu sotaque estava mudando.
Agora começavam a deixar o medo de lado, e se aventuravam em brincadeiras longe de casa.
Numa dessas brincadeiras, Reinaldo (sempre ele) ao tentar pular num enorme buraco no depósito de lixo, onde os homens queimavam tudo o que o caminhão do lixo apanhava na cidade, acabou se queimando.
O buraco parecia aparentemente apagado e só uma fumacinha aqui e ali ainda saia dele.
O problema é que embaixo justamente onde ele havia pulado, as brasas estavam vivas, e Reinaldo, pulou para fora do buraco correndo e gritando para casa.
Pior ainda foi se enfiar no tanque cheio de água que dona Gisa havia armazenado para lavar a roupa.
Apavorada, correu com ele para o hospital.
Foram várias semanas de molho em casa, sem escola, sem mangas e sem divertimento.
1960 chegava ao seu final e seu Carlos já planejava voltar a Santos.
E quando ele planejava, podia-se contar que a coisa já estava mais que definida, pois tudo para ele era num estalar de dedos.
E lá ia a coitada de dona Gisa, empacotar as coisas.
Catiapoã e o Campo dos Ingleses
Assim, no início de 61, lá estavam eles no bairro do Jóquei Clube em São Vicente.
Os meninos haviam se matriculado na Escola Municipal 9 de Julho, no centro da cidade, um pouco distante de onde moravam e a rotina agora era escola pela manhã e à tarde ir perturbar os cavalos que pastavam próximo ao Hipódromo do Jockey Club.
O Santos tornara-se bi campeão paulista em 61, com goleadas sobre o Corínthians (5x1) São Paulo (6x3), Juventus (10x1) e Pelé, o artilheiro com 47 gols seguido de Pepe com 24.
Não ficaram muito tempo no Jóquei, e novamente se mudavam para uma casa nova, que o próprio avô Luís havia construído, e o aluguel estava saindo mais em conta para o bolso de seu Carlos.
O bairro agora era o Catiapoã próximo ao Golfe Club, mais conhecido como o Campo dos Ingleses.
Renato já estava no terceiro ano escolar e Reinaldo no segundo.
Tinham por hábito, juntamente com a tia Judite, mais velha que Renato apenas dois anos, levar. marmita para o avô que agora estava construindo casas em outro bairro de São Vicente.
Para isso, iam até sua casa no Jóquei onde a avó Marieta já tinha a marmita preparada.
Na volta entravam pelo Golfe Club que tinha muitas árvores e um lindo campo próprio para a prática do golfe.
Faziam mil e uma peripécias para despistar os jogadores, pois era proibido passar por ali.
Normalmente conseguiam pois não era sempre que o local ficava cheio de gente.
Um dia ao tentar atravessar o campo, foram perseguidos e no desespero para não serem pegos, pularam os três, alguns arbustos, indo se estatelar no meio da rua.
E lá se foi a marmita do avô.
Para voltar para a casa da avó e explicar o que tinha acontecido é que foi o problema, pois a comida era contadinha para cada um.
Naquele dia o avô teve que comer um sanduíche na venda da esquina onde trabalhava.
Os meninos preferiram ficar umas semanas sem aparecer por lá até as coisas se acalmarem.
Atravessar o Campo dos Ingleses então, nem pensar.
Zona Noroeste de Santos
Mais uma vez o bichinho da aventura, coçava seu Carlos, e agora estavam se mudando para o Jardim Rádio Clube, um bairro na Zona Noroeste de Santos.
Dessa vez ele não foi porque queria um lugar melhor, e sim por necessidade, pois não estava dando conta de pagar o aluguel da casa no Catiapoã.
Seu Carlos dizia que estava procurando o melhor para sua família, mas esse melhor nunca chegava.
Dona Gisa se resignava com tudo, pois, sabia que o marido era trabalhador e esforçado, e se as coisas não saiam como ele havia planejado, era o dever dela como esposa, dar-lhe todo o apoio.
Seu rosto estava sofrido, de tanto vai e vem, sentia-se cansada, mas, nunca fez com que isso atrapalhasse seu relacionamento com ele e os filhos.
As coisas realmente estavam difíceis, e quando não tinham mistura, os meninos assim que chegavam da escola, pegavam as varas de pescar e corriam para o dique que era próximo de sua casa.
Ali pescavam um peixe chamado Cará (mas só os pequenos que eram mais fáceis de fritar os grandes eles devolviam ao mar).
E assim a mistura do dia estava garantida, e quando o pai chegava, ficava feliz com suas atitudes.
Eles continuavam estudando no 9 de Julho, e seu Carlos havia comprado sapatos com solado de pneu, para que os dois fossem e voltassem a pé. (são baratos e duram até acabar), brincava ele.
Um som estranho está no ar
Estão os meninos brincando na sala, depois do almoço regado a peixe frito, quando no rádio da cozinha ouvem uma música estranha que começa com uma contagem: "One, Two, Three, Four..., e segue com uma batida diferente da batida que Renato está acostumado a ouvir, no mesmo rádio.
Tem a levada do Rock and Roll, mas é diferente do que já ouviu até agora, com Elvis, Bill Halley, Del Shannon e a música maluca do também maluco Jerry Lee Lewis.
Renato está acostumado a ouvir Neil Sedaka, Paul Anka, Chubby Checker, Chucky Berry e tantos outros.
Gosta mais das versões em português cantadas por Celly Campello e seu irmão Tony, e também Carlos Gonzaga (para ele, muito mais bonitas que as originais).
A música que está ouvindo tem alguns efeitos vocais à la Little Richard, mas não é ele, sente que alguma coisa diferente no universo da música está para acontecer. Só não o sabe o que, exatamente.
No final o DJ anuncia o nome da banda, "Bitols?", "Beetles?". Ah sim! "The Beatles" A música: I Saw Here Stadiyng There.
Após a janta, Renato vai dormir mais cedo, pois no dia seguinte tem prova.
Até que o sono o domine, aquela música fica martelando em sua cabeça: "One, Two, Three, Four"...
Finalmente termina o 4° ano primário. Reinaldo, passa para o 3° ano.
Estamos no ano de 64, e novamente seu Carlos, vem com a novidade:
A Vila mais famosa do mundo e o primeiro emprego
- Vamos mudar para o bairro do Marapé. É mais próximo do cais, e o lugar é bem melhor do que aqui.
Em pouco dias, já estão morando no novo endereço.
Rua Joaquim Távora 414, apto 15, próximo do cais, e mais próximo ainda da Vila Belmiro, que já se tornou famosa por causa das inúmeras conquistas do Santos F.C..O Bi da Libertadores da América 62/63, o Bi mundial nos mesmos anos, e a consagração do menino de Três Corações - MG - Pelé.
O Santos já tem até ali, o tri campeonato paulista o tri da Taça Brasil e o campeonato do Torneio Rio-São Paulo.
A Beatlemania
A preocupação de Renato é conseguir um emprego, pois além de querer ajudar o pai, quer saber mais sobre aquela música que tinha escutado.
Seu Carlos acata seu pedido e com o conhecimento que tem na área do café, consegue para ele um emprego na Cia. Bandeirantes de Armazéns Gerais no centro da cidade, como ajudante.
Está agora com 13 anos.
No primeiro pagamento, compra o tão sonhado álbum "Beatlemania" que traz aquela música que não lhe sai da cabeça.
Compra também a revista que fala tudo ou quase tudo sobre eles.
Descobre que são quatro rapazes da cidade inglesa de Liverpool, uma cidade portuária como Santos, e que por assim ser, as coisas acontecem e aparecem por lá em primeira mão.
Descobre também que eles são: John Lennon. Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.
O álbum que agora tem em mãos é na verdade uma compilação de dois álbuns anteriores:
Please Please Me o 1° de 11 de fevereiro de 63 e With The Beatles de novembro do mesmo ano.
Além disso tem duas músicas que saíram apenas em CS (Compacto Simples): I Want to Hold Your Hand e She Loves You.. (do refrão dessa última, sairia a frase: Os Reis do Ié,Ié,Ié).
Comprou o disco e a revista com seu dinheirinho, mas não se atreve a mostrar ao pai, que detesta tudo que venha dos Estados Unidos. (acha que os Beatles são americanos). Renato também achava até comprar a revista.
Na rádio vitrola que o pai acabara de comprar, só toca tango, bolero, valsa, músicas de Vicente Celestino, Silvio Caldas, Nelson Gonçalves e Orlando Silva.
Mas a mãe que gosta mais do Rock dos anos 50, se contenta em ouvir seu radinho na cozinha enquanto prepara o almoço, mas isso quando seu Carlos, está no trabalho.
Dona Gisa também gosta mais das versões brasileiras.
A situação em casa melhorou muito, pois além da vitrola, o pai comprou também uma TV em preto e branco (claro, porque à cores só virá ao Brasil em 1970 em caráter experimental e fechado, para um público seleto para a transmissão da Copa do México.
É nela que eles gostam de assistir programas de música italiana, a Família Trapo, Praça da Alegria e outros.
Se quiser ouvir seu disquinho, Renato terá que esperar a melhor oportunidade, geralmente no final de semana quando seu Carlos pega dona Gisa e vai visitar os parentes.
Esconde o disco e a revista entre suas coisas no guarda-roupa e só quem sabe dessa compra é a mãe e o irmão.
Nesse domingo não vai dar para ouvir o disco, pois tem jogo na Vila, e com certeza o pai vai querer levá-los.
De fato, no domingo lá estão os três, junto com uma multidão torcendo pelo Peixe, que é representado por uma baleia (coisas da vida).
Renato não se arrepende de ter trocado, os Beatles pelo futebol. O Santos goleia o Botafogo de Ribeirão Preto, por 11 x 0 com direito a show, e oito gols de Pelé.
O time desde o início da década de 60 é uma máquina de fazer gols (e de tomar também) pois se o ataque com Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe inferniza as defesas adversárias a sua defesa deixa a desejar.
Por isso o placar dos jogos do Santos, geralmente é elástico. (5x4), (6x5) e (7x4) como no resultado contra o Corinthians nesse ano de 64.
O lema é o seguinte: "Não se preocupem com a defesa, nós lá no ataque garantimos a vitória".
Nesse ano o Santos será bicampeão do Torneio Rio-São Paulo em 1° de maio e campeão paulista em 13 de dezembro.
Pânico no Urbano Caldeira
E nesse ano ainda acontecerá uma quase tragédia na Vila mais famosa.
É um jogo contra o Corinthians em 20 de setembro que para variar lota o estádio.
As tábuas que sustentam as arquibancadas atrás do gol (antigo placar) se rompem e dezenas de torcedores se ferem, inclusive Reinaldo (olha ele novamente) que cai no gramado, e rapidamente é socorrido pelo goleiro do Corinthians e levado para o vestiário, e de lá para a Santa Casa.
Reinaldo tinha se separado de seu Carlos e de Renato, e fora sentar em outro lance das arquibancadas (justamente o lance que se rompera).
Apavorados vão para casa, na esperança de que Reinaldo lá esteja, mas quando chegam e comentam com dona Gisa, aí o desespero aumenta.
Na TV o noticiário fala do acontecimento, e aí pronto, é uma choradeira só, por parte de dona Gisa.
Seu Carlos pega Renato, e está preste a ir à Santa Casa, quando chega Reinaldo, com uma enorme faixa na cabeça. Tinha ferido a testa mas estava bem.
Felizmente, naquele episódio, as pessoas só tiveram ferimentos. (segundo os noticiários).
No domingo seguinte os pais vão visitar os parentes e levam Reinaldo que ainda está se recuperando do ferimento.
Sozinho no apartamento ele se esbalda de tanto ouvir Beatles e com um inglês mais do que sofrível tenta acompanhar I Saw Here Stading There (adora imitar o grito de Paul McCartney, mas sua voz já mudando devido à adolescência, não consegue acompanhar).
A música fala da emoção que um rapaz sente ao atravessar o salão de baile para convidar a moça para dançar. "Eu a vi parada lá", seria mais ou menos a tradução.
Roberto e Erasmo fariam algo parecido em "A Garota do Baile", no álbum Roberto Carlos canta para a Juventude, em 1965.
Dona Gisa sente seu Carlos um tanto preocupado e perguntado do por que, este diz que ouviu uns boatos nos cais de que haverá uma intervenção militar no País.
Pelé é indiscutivelmente o Rei do Futebol e Roberto Carlos vai se firmando cada vez mais como o Rei da Juventude.
Agora temos dois reis, para desviar as atenções e dissipar a nuvem negra que insiste em pairar sobre a nossa bela e querida Pindorama (Terra das Palmeiras, denominação dada por tupis guaranis, antes de 1500).
A nuvem, porém, permanece, e os comentários de seu Carlos têm razão de ser.
E assim a vida de todos os brasileiros terá uma mudança radical.
O golpe militar de 64
O fatídico nº 7
Sete anos depois do suicídio de Getúlio Vargas, sete meses depois da posse, o presidente Jânio Quadros precipitou com sete linhas manuscritas, a sequência de crises que desembocaria, sete anos mais tarde, no Ato Institucional nº 5 e na instauração da ditadura sem camuflagem.
"Ao Congresso Nacional.
Nesta data, e por este
instrumento, deixando com
o Ministro da Justiça, as
razões de meu ato, renuncio
ao mandato de Presidente
da República".
Brasília, 25.8.61
Jânio Quadros
A crise política vinha se arrastando já há algum tempo, desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961, tendo como vice, João Goulart (Jango) que assumiria a presidência num clima político adverso de 1961 até 1964.
Seu governo foi marcado por aberturas às organizações sociais.
Estudantes, organizações populares e trabalhadores ganharam espaço, e isso preocupava as classes conservadoras: Empresários, banqueiros, militares, a classe média e a Igreja Católica, que viam em Jango um perigo vermelho e temiam que o Brasil desse uma guinada para o lado socialista. (o mundo vivia o auge da Guerra Fria).
Seu estilo populista de esquerda chegou a preocupar os Estados Unidos, que junto com as classes conservadoras brasileiras, temiam um golpe comunista. Jango foi acusado pela UDN (União Democrática Nacional) e pelo PSD (Partido Social Democrático), de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela carestia e o desabastecimento que o Brasil enfrentava.
Em 13 de março Jango realiza um grande comício, no Rio de Janeiro onde defende reformas na estrutura agrária, econômica e educacional.
No dia 19 de março os conservadores organizam uma manifestação contra suas intenções.
É a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reúne milhares de pessoas pelas ruas do centro de São Paulo.
O clima de crise política e as tensões sociais aumentam a cada dia.
No dia 31 de março tropas de Minas Gerais e São Paulo saem às ruas e para evitar uma guerra civil, Jango deixa o país se refugiando no Uruguai.
Os militares tomam o poder. E em 9 de abril é decretado o primeiro Ato Institucional o AI-1, que cassa mandatos políticos de opositores ao regime militar e tira a estabilidade de funcionário públicos.
1964 a 1967 - General Humberto de Alencar Castello Branco, general militar é eleito pelo Congresso Nacional presidente da República, e embora em seu primeiro pronunciamento declare que defenderá a democracia, ao iniciar seu governo, assume uma posição autoritária.
Estabelece eleições indiretas para presidente, dissolve partidos políticos e vários parlamentares federais e estaduais têm seus mandatos cassados.
Cidadãos vêm seus direitos políticos e constitucionais cancelados e sindicatos recebem intervenção do governo militar.
É em seu governo que é instituído o bipartidarismo e só está autorizado o funcionamento de dois partidos: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA (Aliança Renovadora Nacional).
Enquanto a primeira é de "oposição", de certa forma controlada, o segundo representa os militares.
O governo impõe em janeiro de 67 uma nova Constituição para o país e aprovada no mesmo ano, confirma e institucionaliza o regime militar e suas formas de atuação.
1967 a 1969 - General Arthur da Costa e Silva, sendo eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional.
Seu governo é marcado por protestos e manifestações sociais.
A oposição ao regime militar cresce no país e a UNE (União Nacional dos Estudantes) organiza, no Rio de Janeiro, a passeata dos Cem Mil.
Em Contagem (MG) e Osasco (SP), greves de operários paralisam fábricas em protesto ao regime.
A guerrilha urbana começa a se organizar.
Formada por jovens idealistas de esquerda, assaltam bancos e sequestram embaixadores para obterem fundos para o movimento de oposição armada.
Em 13 de dezembro de 1968 é decretado o ato mais odioso e vergonhoso de que se tem notícia.
O AI-5. É o mais duro ato do governo militar, pois aposenta juízes, cassa mandatos e acaba com a garantia do habeas-corpus além de aumentar a repressão militar e policial.
Estando adoentado Costa e Silva é substituído por uma junta militar formada por ministros.
Dois grupos de esquerda, o MR8 e a ALN sequestram o embaixador dos EUA, exigindo em troca de sua liberdade, a libertação de 15 presos políticos.
A exigência tem sucesso, porém, em 18 de setembro, o governo decreta a Lei de Segurança Nacional.
Esta lei impunha o exílio e a pena de morte em casos de "guerra psicológica adversa, ou revolucionária, ou subversiva".
No final de 1969, o líder da ALN, Carlos Mariguella, é morto pelas forças de repressão de São Paulo.
1969 a 1974 - General Emilio Garrastazu Médici (seu governo é considerado o mais duro e repressivo do período, conhecido como "anos de chumbo").
A repressão à luta armada cresce e uma severa política de censura é colocada em execução.
Jornais, revistas, livros, peças teatrais, filmes, músicas e outras formas de expressão artística são censuradas.
Muitos professores, políticos, músicos, artistas e escritores são investigados, presos, torturados ou exilados do país. O DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações e ao Centro de Operações de Defesa Interna) atua como centro de investigação e repressão do governo militar.
Torniquete, pau de arara, cadeira do dragão, maquininha de choque, polé ou roldana, passaram a fazer parte do vocabulário do povo. Eram métodos de tortura aplicados a todos os considerados nocivos ao bom andamento do regime.
Por outro lado, o Brasil crescia rapidamente e o período que vai de 1969 a 1973 ficou conhecido como o Milagre Econômico.
Com investimentos internos e empréstimos do exterior, o país avançou e montou uma base de infraestrutura. Todos estes investimentos geraram milhões de empregos.
Algumas obras consideradas faraônicas foram executadas, como a Rodovia Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói.
Na contramão de todo esse crescimento, o custo altíssimo e a conta que deveria ser paga no futuro.
Os empréstimos estrangeiros geraram uma dívida externa elevada para os padrões econômicos do Brasil.
1974 a 1979 - General Ernesto Geisel
É com ele que começa o lento processo de transição rumo à democracia.
No seu governo acaba o milagre econômico e com a insatisfação popular em altas taxas.
A crise no petróleo e a recessão mundial interferem na economia brasileira, no momento em que os créditos e empréstimos internacionais diminuem.
Geisel anuncia a abertura política lenta, gradual e segura.
A oposição começa a ganhar espaço.
Nas eleições de 1974, o MDB conquista 59% dos votos para o Senado, 48% da Câmara dos Deputados e ganha a prefeitura da maioria das cidades.
Mas os militares linha dura, insatisfeitos com o rumo que está tomando o governo Geisel, começam a promover ataques clandestinos aos membros de esquerda.
Em 1975 o jornalista Vladimir Herzog é assassinado nas dependências do DOI-Codi em São Paulo.
Em janeiro de 1976 o operário Manuel Fiel Filho aparece morto em situação semelhante.
Em 1978, Geisel acaba com o AI-5, restaura o habeas-corpus e abre caminho para a volta da democracia.
O MDB vence as eleições de 1978 e começa o processo de redemocratização.
1979 a 1985 - General João Baptista Figueiredo decreta a Lei de Anistia, concedendo o direito de retorno ao Brasil para os políticos, artistas e demais brasileiros exilados e condenados por crimes políticos.
Os militares de linha dura continuam com a repressão clandestina.
Cartas-bomba são colocadas em órgãos da imprensa e da OAB. No dia 30 de abril de 1981, uma bomba explode durante um show no Centro de Convenções do Rio Centro.
O atentado foi provavelmente promovido por militares, embora nada tenha sido provado.
Em 1979 com a aprovação da lei que restabelece o pluripartidarismo, a ARENA vira PDS e o MDB passa a ser PMDB. Outros partidos são criados: PT e o PDT.
Começa a redemocratização e tem início a campanha pelas Diretas Já.
A economia do país está doente. A inflação é alta e a recessão também.
Os sindicatos se fortalecem e surgem novos partidos políticos.
Em 1984 começa o movimento pelas eleições diretas.
Políticos de oposição, jogadores de futebol, artistas e milhões de brasileiros se engajam nessa campanha, porém a Emenda Dante de Oliveira, que garantia as eleições para presidente já naquele ano é, para decepção do povo, rejeitada na Câmara dos Deputados.
Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral escolheria o deputado Tancredo Neves, que concorria com Paulo Maluf, como novo presidente da República.
Ele pertencia à Aliança Democrática, grupo de oposição formado pelo PMDB e pela Frente Liberal.
Era o fim do regime militar.
Mas Tancredo não assume (uma doença estranha, com um nome mais estranho ainda), acaba de matar futuro presidente da nação. Em seu lugar assume o vice José Sarney, e em 1988 é aprovada uma nova constituição para o Brasil, apagando os resquícios da ditadura e estabelecendo princípios democráticos no país.
O regime militar em seu extremismo de direita, mostrou uma autoridade que não era necessária para impor seus ideais, porém se analisarmos a situação em que o País se encontra hoje, a segurança do cidadão não político daquela época era mais garantida.
Por isso me atrevo a acrescentar algumas palavras de minha autoria, a partir de um sonho que tive:
"VOU PRO CURSO
Um mal-estar paira no ar.
Uma dose excessiva de direita não permite que nós jovens nos reunamos depois da aula na Rua Direita para trocarmos ideias.
Somos considerados subversivos.
O toque de recolher é dado e quem passar do horário tá frito.
Torniquete, Pau de Arara, Máquina de Choque, Polé, são as novas palavras no dicionário, e quem não se enquadra no regime, sujeita-se a elas indo parar sabe Deus onde.
O povo clama por liberdade e muitos pagam com a vida esse desejo.
Atos e mais Atos tolhem essa liberdade em seu todo.
São duas décadas de terrorismo...
...dias difíceis.
A esperança surge na figura de um homem que nem teve o gostinho de governar por um dia sequer.
E lá bem no fundo do túnel uma luz aparece.
É uma luz vermelha que chega avassaladora liderada por um operário.
A "liberdade" se instaura finalmente.
Mas essa liberdade se transforma em libertinagem onde tudo é permitido e nada é proibido, e nossa linda Pindorama vai se tornar um mar de corrupção, pagando um preço alto.
Hoje continuo indo pro curso.
A palavra de ordem agora é não carregar tênis de marca, celular, roupas caras, relógio, pois corro o risco de não voltar para casa.
Meus filhos vivem o medo de serem obrigados a "cheirar" "fumar" e "traficar", tornando-se "aviõezinhos" de bandidos.
Balas perdidas são achadas no corpo de alguém que só está indo para o seu trabalho, para sua escola, para garantir um futuro melhor.
A segurança do brasileiro está nas mãos de políticos corruptos, que são as maiores doenças no País.
E nossa linda Pindorama, já não é tão linda assim.
A conclusão final a que chego é que eu era feliz e não sabia.
(Roberto Fernandes)
Jovem Guarda
"Isso é apenas uma mostra de um momento maravilhoso em nossa vida.
Momento em que o sonho e a realidade ocupavam o mesmo espaço, o mesmo lugar.
Os corações pulsavam no ritmo do ié ié ié ou nas baladas românticas da Jovem Guarda.
Baladas que falavam do sonho comum de milhares de jovens. Da namorada. Do carrão. Do beijo no cinema e coisas assim.
É claro que isso foi em um tempo em que o jovem ainda pagava o Milkshake das meninas. Tempos de longos suspiros e grandes amassos.
Amassos que não podiam passar das 10 da noite.
Os Beatles cantavam Yesterday e a Jovem Guarda cantava Gatinha Manhosa.
Os Beatles cantavam Help! e Erasmo Carlos arrebentava com Festa de Arromba. Festa de Arromba que era a Jovem Guarda.
Na plateia do Teatro Record as meninas gritavam e choravam a emoção de verem seus ídolos de perto.
Mas tudo isso será sempre um momento presente na nossa vida.
Um momento em que o gosto daquela fruta chamada juventude, de vez em quando a gente vai sentir na boca, toda vez que lembrar ou escutar uma canção da Jovem Guarda.
A fruta que a gente mordeu e jamais esqueceu o gosto"
(Introdução de Roberto Carlos à música Nossa Canção ao vivo)
"O futuro pertence à Jovem Guarda, pois, a Velha Guarda está ultrapassada"
Parafraseando um discurso de Lênin, inicia-se no Brasil, precisamente em 22 de agosto de 1965, um movimento chamado Jovem Guarda, liderado pelo já então consagrado Rei da Juventude, Roberto Carlos, na TV Record que proibida de transmitir os jogos do Campeonato Paulista, via suas tardes de domingos sem opção, fazendo com que os telespectadores debandassem para a TV Excelsior, que desde 1964 liderava a audiência com o programa Festival da Juventude.
A Jovem Guarda mesclava elementos de comportamento, música e moda, como o fazia, a beatlemania que já era febre no mundo inteiro.
Ao contrário de outros da época, o movimento não tem cunho político.
Seus integrantes são influenciados pelo rock dos anos 50 e 60 e por sua precursora no Brasil, Celly Campello, fazendo uma variação com letras românticas e descontraídas voltadas ao público jovem.
Jovens e talentosos artistas vão surgindo no cenário musical: Eduardo Araújo, Martinha, Ronnie Von, Paulo Sergio, Antonio Marcos, Vanusa, Silvinha, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Rosemary, Meire Pavão, Waldirene, Demetrius, Deny e Dino, Os Vips, Trio Melodia, Trio Ternura, Golden Boys, Ed Wilson, Sergio Reis, Bob Di Carlo, os afilhados de Roberto Carlos Ed Carlos e Kátia Cilene. Grupos como The Jordans, The Clevers (Os Incríveis), The Jet Blacks, The Fevers, e principalmente Renato & Seus Blue Caps que trazem muitas lembranças à mente de Renato com suas lindas versões das obras dos Beatles, Mamas & Papas, Troggs, Hollies e tantos outros, versões estas muitas vezes melhores que as originais.
Liderados pelo Rei da Juventude, junto com Erasmo Carlos (O Tremendão) e Wanderléa (A Ternurinha), fazem com que o povo esqueça as mazelas da ditadura.
O amanhã nunca se sabe
Os Beatles já a algum tempo, resolveram deixar os shows ao vivo de lado "Nós não conseguíamos ouvir nem o que tocávamos, tamanha era a histeria dos fãs" diria John Lennon em uma entrevista.
Em 66 lançam o álbum Revolver, já com a prova de que as horas de estúdio estavam surtindo efeito.
Efeito esse que, se podia ouvir nas músicas Taxman, Love you Too, os metais de Got to Get Into My Life e a totalmente pirada Tomorrow Never Knows (Lennon diria mais tarde que a ideia era gravar o som de dezenas de macacos gritando, mas não conseguindo, tiveram que optar por efeitos especiais mesmo.
Mas se a gente reparar bem já no álbum Rubber Soul, ficava claro que algo estava mudando no pensamento dos quatro.
Tanto que para Lennon a música Run For Your Life, é a pior do álbum.
John devia estar muito pirado ao escrever essa música, pois ser um cara mau e preferir ver sua garota morta a vê-la com outro homem por causa de ciúme era algo muito pesado para a época.
Pior é que os outros Beatles viajaram nessa piração.
Os Blue Caps, preferiram ser mais dóceis e apenas ficaram chateados com o fato da moça estar com outro rapaz, que no final descobre-se que é o irmão dela.
Mas, Revolver quer dizer exatamente isso: Revolver, Remover, Retirar.
Os Beatles estavam se retirando do refrão fácil, e das músicas melosas.
Estavam amadurecendo, e já tinha tido contato com o LSD. Daí a reviravolta louca em suas vidas e suas músicas.
